Só nos últimos 20 anos, Hollywood produziu tantos filmes sobre super-heróis adaptados de quadrinhos que, mais cedo ou mais tarde, a fórmula começaria a dar sinais de esgotamento e os realizadores teriam que buscar formas novas (ou que parecessem novas) de explorar o subgênero, chegando ao ponto, inclusive, de incorporar elementos de outros gêneros às suas narrativas (pensem em O Cavaleiro das Trevas, Logan ou Coringa, por exemplo). O problema é que, se por um lado isto ajuda a trazer certo frescor, por outro também pode soar como uma tentativa cínica de negar a fantasia e o caráter infanto-juvenil que, por natureza, fazem parte do próprio conceito de super-herói (agora pensem em Quarteto Fantástico ou Batman vs Superman).
Neste sentido, Os Novos Mutantes representa o auge deste cinismo: mesmo sendo apenas mais um longa genérico dentro do gênero e nem tentando sem mais do que isto, este trabalho dirigido e co-escrito por Josh Boone (A Culpa é das Estrelas) ainda assim faz questão de negar o rótulo “filme de super-herói”, fingindo apresentar-se como uma obra de terror como se isto conferisse algo especial à sua inexistente personalidade. Girando em torno da nativo-americana Dani, que, após descobrir ter poderes mutantes na noite em que seu vilarejo é destruído num incêndio, é levada a um hospital para jovens que ainda não aprenderam a controlar suas habilidades e que é gerenciado pela doutora Cecilia Reyes. Tornando-se amiga da escocesa Rahne (cuja devoção religiosa transforma suas mutações em motivo de culpa e vergonha), Dani aos poucos descobre coisas assustadoras que vêm ocorrendo no hospital, se unindo aos colegas Illyana, Sam e Roberto na missão de vencer estes horrores.
O que Josh Boone não parece entender, porém, é que escolher um gênero para se inspirar (ou para homenagear) não significa estabelecer uma identidade própria. Não basta ser um “filme de terror”; é preciso ser eficiente dentro do que se propõe – e, se formos discutir somente com relação a gênero, Os Novos Mutantes está mais para Slender Man do que para O Exorcista, por exemplo. Não fazendo o menor esforço em criar uma atmosfera minimamente consistente, Boone prefere, em vez disso, passar a maior parte do tempo enfocando as aborrecidas conversas entre os personagens e de vez em quando flertar com o terror em si. Assim, quando os cinco adolescentes começam a alucinar com os monstros que tanto temem em suas imaginações, o horror representado pela situação é trabalhado de forma tão rápida e burocrática pelo cineasta que passamos a questionar se seu interesse pelo gênero era real ou apenas casual.
Como se não bastasse, Os Novos Mutantes ainda se sente obrigado a abrir certas concessões para o subgênero que tanto renega (o do “filme de super-herói”), criando, a partir de sua segunda metade, um monte de sequências de ação grandiosas que soam como mera imposição comercial e que nada têm a ver com a atmosfera contida que o longa tentava manter até então. De todo modo, é difícil cobrar consistência ou mesmo maturidade de um filme que perde tempo criando uma série de metáforas tolas que, julgando-se espertinhas demais para passarem incólumes, vêm a ser mastigadas por Boone à medida que a narrativa avança: se a descoberta das mutações de Dani remete às transformações que o corpo feminino naturalmente sofre ao chegar à adolescência, logo Illyana aparece para verbalizar esta comparação através de uma fala expositiva, ao passo que toda a história simbólica dos “ursos místicos que disputam espaço dentro de cada um de nós” (repetida exaustivamente pela protagonista do início ao fim) acaba se materializando em… bem, em um urso físico no terceiro ato – e, se isto funcionava nos quadrinhos, no filme soa como um recurso narrativo infantil e preguiçoso.
O mais decepcionante, contudo, é que havia potencial em Os Novos Mutantes: em dado momento, por exemplo, os cinco adolescentes se reúnem em uma sala e, sabendo que pertencem ao mesmo universo dos X-Men, começam a discutir se gostariam de entrar para a equipe liderada pelo professor Xavier – e a informalidade dos garotos ao tratarem dos super-heróis icônicos é tão curiosa que se torna uma pena vê-la ser abandonada após uns dois minutos de cena (afinal, o filme sente necessidade de voltar a se concentrar em cenas de ação e sustinhos genéricos). Não que os personagens em si ajudem muito, já que a maioria deles oscila entre detestáveis (Roberto irrita com sua personalidade arrogante e Illyana é uma garota cruel que muda de comportamento assim que o roteiro exige que ela o faça) e subdesenvolvidos (Sam tem seus dilemas reduzidos a meia dúzia de frases curtas e a doutora Reyes não passa de uma caricata muleta de roteiro), sendo triste que nem mesmo as inseguranças da protagonista Dani sejam abordadas com o peso que mereciam; já Rahne é a única cuja dimensão dramática – em especial, sua culpa católica – é explorada com um pouco mais de atenção.
Prejudicado por uma montagem frouxa, que falha em disfarçar o caráter episódico da narrativa e que faz o filme parecer muito mais longo do que seus 94 minutos são de fato, Os Novos Mutantes merece elogios ao menos pela decisão de incluir, pela primeira vez na História dos longas adaptados de quadrinhos de super-heróis, um romance homoafetivo – no caso, aquele entre Dani e Rahne, que é tratado de maneira sincera por Boone e que é corajoso a ponto de mostrar os beijos divididos pelas duas (algo que, num mundo em que um ato simples como este ainda pode despertar reações homofóbicas por parte da plateia, é fundamental de ser retratado com clareza).
Que o filme ao redor do romance jamais faça jus a este, limitando-se ao lugar-comum tanto dos longas sobre super-heróis quanto das produções de terror, é uma imensa decepção.