Mank
Mank

Título Original

Mank

Lançamento

4 de dezembro de 2020

Direção

David Fincher

Roteiro

Jack Fincher

Elenco

Gary Oldman, Amanda Seyfried, Lily Collins, Tom Pelphrey, Tuppence Middleton, Arliss Howard, Charles Dance, Tom Burke, Sam Troughton, Ferdinand Kingsley, Joseph Cross, Jamie McShane, Toby Leonard Moore, Monika Gossmann, Leven Rambin, Bill Nye e Jeff Harms

Duração

131 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Ceán Chaffin, Eric Roth e Douglas Urbanski

Distribuidor

Netflix

Sinopse

Gary Oldman, Amanda Seyfried, Lily Collins, Arliss Howard, Tom Pelphrey, Charles Dance, Tuppence Middleton, Tom Burke, Sam Troughton, Ferdinand Kingsley, Joseph Cross, Jamie McShane, Toby Leonard Moore, Monika Gossmann, Leven Rambin, Bill Nye e Jeff Harms

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Mank | Crítica

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É preciso muita ingenuidade para achar que o brilhantismo de Cidadão Kane se deve somente aos esforços do roteirista Herman “Mank” Mankiewicz, como se Orson Welles – apenas o diretor daquele filme – não passasse de um mero aproveitador que em nada contribuiu artisticamente. Sim, o roteiro escrito por Mank é genial por si só, mostrando-se ambicioso tanto em sua complexa estrutura quanto ao desenvolver seus temas, porém é lógico que Welles, com sua visão particular, desempenhou o papel fundamental de filmar aquele roteiro à sua maneira, criando, no processo, todas as revoluções estilísticas e de linguagem que angariaram a Cidadão Kane o status de “um dos melhores e mais importantes filmes da História do Cinema”. Se aquele mesmo roteiro tivesse caído nas mãos, digamos, de John Ford, Howard Hawks, John Huston, William Wyler ou Frank Capra, talvez o resultado fosse um filme tão bom quanto o dirigido por Welles, mas é óbvio que seria completamente diferente.

Afinal, o Cinema é uma Arte audiovisual e que, por definição, envolve uma série de outros elementos de linguagem (fotografia; som; direção de arte, figurinos; montagem; etc; etc; etc) que, coordenados por um(a) diretor(a), se encarregam de converter cada palavra digitada no roteiro em imagem. Desmerecer o trabalho de um roteirista (como se este não criasse nada mais que uma pauta) é uma atitude imbecil, de fato, mas achar que este é o grande maestro responsável pelo sucesso de uma obra (como se o diretor não entrasse em comunhão com demais profissionais em um set a fim de transformar o roteiro em filme)… bom, é um atitude que simplesmente não se reflete na realidade (a não ser, é claro, que seja o caso do roteirista assumir também a direção de sua obra).

Isto é um fato simples e lógico, mas que Mank jamais tem em mente – ora por puro esquecimento, ora porque seu diretor, David Fincher, parece esquecê-lo de propósito.

Marcando o retorno de Fincher ao Cinema seis anos após o excepcional Garota Exemplar (neste meio tempo, ele se dedicou às séries House of Cards e Mindhunter), Mank gira em torno de Herman Jacob Mankiewicz, que, após uma carreira como crítico de Teatro no jornal The New Yorker, decidiu aventurar-se como roteirista de Cinema – com resultados bem-sucedidos, mesmo que, nos bastidores, seu notório problema com alcoolismo sempre tenha lhe custado caro. O que nos traz ao evento que serve de base para este filme: quando Mank foi encarregado de escrever o roteiro do longa de estreia do jovem Orson Welles, que produzia, dirigia e estrelava aquele que se tornaria um dos maiores divisores de águas que o Cinema já vira: Cidadão Kane. Incapaz de se concentrar na tarefa de terminar o roteiro sem um porre após escrever algumas novas páginas, porém, Mank foi mandado por Welles a um rancho distante de quaisquer jogos e bebidas, forçando-se a finalizar o trabalho enquanto inspirava-se em suas antigas histórias com o magnata William Randolph Hearst e sua amante Marion Davies ao compor a narrativa de Charles Foster Kane (retratada no filme).

Uma narrativa que, justiça seja feita, não foi inspirada apenas na história de Hearst, mas também – isto é um fato conhecido – na do bilionário Howard Hughes; tanto que a ideia de Cidadão Kane surgiu quando Orson Welles pensou em produzir uma cinebiografia do próprio, chegando até mesmo a cogitar escalar Joseph Cotton para o papel de Hughes. Mas não se enganem: a decisão de ignorar quaisquer contribuições criativas de Welles para o projeto é algo que Mank faz de propósito, já que o objetivo de David Fincher e de seu pai, Jack (que escreveu o roteiro antes de morrer em 2003), é obviamente o de pintar o diretor de Cidadão Kane como um oportunista que parasitou e roubou os créditos de quem Fincher julga ser a única e verdadeira mente por trás do sucesso daquele longa: Herman J. Mankiewicz. Neste sentido, não deixa de ser irônico que, para um filme que se dedica a combater fake news (Hearst e o chefão da MGM, Louis B. Mayer, se juntaram para criar um monte de depoimentos e entrevistas falsas que favorecessem Upton Sinclair em sua candidatura ao governo da Califórnia em 1934), Mank tampouco se interesse em contar verdades inteiras.

Não à toa, tanto David quanto Jack Fincher cometem o ato falho de mergulhar nas ideias que Pauline Kael (de quem não sou grande fã) relatou em seu controverso artigo “Raising Kane”, no qual defendia que Mank era o verdadeiro autor de Cidadão Kane e que Welles se encarregou apenas de roubar seu crédito – o que já foi amplamente refutado (aliás, antes de ser transportado para o rancho, Mank já havia se encontrado presencialmente com Welles para discutir e combinar ideias de ambos a respeito do projeto; algo que esta cinebiografia nunca faz questão de deixar claro). Como se não bastasse, a antipatia (já assumida) de David Fincher por Orson Welles torna-se particularmente ridícula nos minutos finais de Mank, quando o diretor de Cidadão Kane é retratado basicamente como um vilão coberto por sombras e que, ao escutar Mankiewicz pedindo para ser creditado por seu trabalho, começa a quebrar tudo à sua volta enquanto protesta “Eu sou o diretor, o produtor e o astro deste filme!”. Para completar, é curioso que, nos segundos finais de projeção, Fincher faça questão de incluir um áudio do Orson Welles original em off se referindo a Mank como “um tremendo filho da mãe” como se isto comprovasse sua má índole – sendo que qualquer um que já tenha visto uma única entrevista com Welles sabe que havia grandes chances de ele estar brincando.

Ainda assim, não deixa de ser (mais uma vez) irônico que Mank tente homenagear toda a narrativa de Cidadão Kane ao emulá-la por conta própria, já que, na brincadeirinha de replicar a estrutura e a linguagem do filme de 1941, Fincher acabe replicando também… bom, todas as contribuições de Welles e dos demais profissionais para aquele longa (estão vendo como o diretor faz toda a diferença e como Cinema é uma Arte audiovisual e, portanto, coletiva?), desde a montagem que transita entre passado e presente de forma elaborada até a fotografia em preto-e-branco que adota as sombras para refletir a ambiguidade e o estado de espírito dos personagens. Como se não bastasse, se os flashbacks de Cidadão Kane vinham para jogar uma luz inesperada sobre os eventos do presente, tornando este ainda mais rico em função do fator surpresa, os de Mank servem apenas para comprometer o ritmo da narrativa, interrompendo certas passagens justo quando estas começavam a engrenar (quando os momentos no passado se tornam interessantes, logo vem o presente para cortar o clima e, quando este começa a atrair nossa atenção, vice-versa).

O mais decepcionante, contudo, é perceber como Mank, mesmo dirigido por um cineasta tão talentoso e inteligente, acaba caindo na mesma armadilha de 95% das cinebiografias, falhando em estabelecer com clareza quem e como é seu biografado: afinal, quem é o Herman J. Mankiewicz retratado aqui? O que o motiva como artista? De onde vem suas ideias? Qual seu método de trabalho? Como ele faz para buscar inspirações? (Porque não esqueçamos que, como abordei anteriormente, seu roteiro não se resumiu a uma mera transcrição de tudo aquilo que viveu com Hearst para o papel; ele de fato criou mais do que isso.) Por que seu trabalho com Cidadão Kane deveria ser considerado tão genial independente de Orson Welles? Por que seus colegas de profissão o respeitam tanto? Feitas todas estas perguntas, é necessário destacar a eficiência de Gary Oldman não só ao recriar Mank – e muito bem –, como também ao incutir nele uma aura trágica que se torna ainda mais deprimente em função do estado físico deteriorado e acamado do personagem-título e da frustração deste ao perceber como é incapaz de superar suas dificuldades.

Fortalecido também pela boa performance de Amanda Seyfried, que confere à atriz Marion Davies uma personalidade e uma boa índole que nos impedem de enxergá-la como mera amante de Hearst ou como uma simples muleta de roteiro (o que seria fácil de acontecer), Mank ainda assim é uma obra contraproducente de modo geral: como biografia, falha em fazer jus ao brilhantismo de seu biografado; como manifesto artístico, se mostra desonesto com frequência; e, como narrativa, não parece saber direito a história que quer contar, alternando desajeitadamente entre a criação do roteiro de Cidadão Kane e os bastidores de um sujo processo eleitoral. É, em resumo, um caça-Oscars ordinário.

Que seja dirigido pelo gênio responsável por Se7en, Clube da Luta, Zodíaco, A Rede Social e Garota Exemplar só torna a decepção ainda maior.

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