Logo no início de Cinquenta Tons Mais Escuros, quando Anastasia “Ana” Steele visita uma exposição de ensaios fotográficos, descobrimos que Christian Grey comprou todas as imagens da protagonista que estavam sendo vendidas. Por que ele faz isso? Para satisfazer a fixação que sente pela jovem (e que não representa impasse financeiro algum para um multimilionário)? Não, pior ainda: isto ocorre porque Christian não suportaria a ideia de ver quaisquer outras pessoas desfrutando do “prêmio” que é Anastasia Steele – e não sou eu que estou supondo, já que o próprio Grey diz mais ou menos isso numa das cenas seguintes. Assim, é fácil perceber que este filme segue alimentando a mentalidade de macho burro e retrógrado que também foi promovida por Cinquenta Tons de Cinza, conseguindo uma “proeza” inacreditável: ser ainda pior do que o antecessor.
Baseado no livro homônimo de E.L. James (que, por sua vez, é a segunda parte de uma trilogia), o “roteiro” dessa continuação se passa poucos meses após o primeiro longa e traz Anastasia Steele voltando a namorar Christian Grey; que, com o passar do tempo, começa a revelar mais detalhes sombrios a respeito de seu passado peculiar. Desta forma, suas ex-namoradas (chamadas de “submissas”, o que diz muito sobre a visão de mundo que a conserva) retornam gradualmente como fantasmas assombrando Grey – e saibam que por pouco isso não é uma metáfora. A partir desta… “premissa”, acompanhamos uma série interminável de draminhas imbecis, cenas de sexo que parecem pertencer às madrugadas de alguns canais de tevê por assinatura.
De certa forma, Cinquenta Tons Mais Escuros só não funciona como comédia involuntária porque os momentos onde o filme gera risadas surgem de vez em quando e, entre eles, há um inchaço que estica a duração do longa a quase duas horas de tédio e cansaço – e não adianta dizer que as risadas foram propositais, pois são óbvios os instantes onde a produção tenta levar o público a se importar seriamente com os dilemas pessoais de Ana e Christian; da mesma maneira, existem tentativas de humor evidentes que sempre causam vergonha alheia quando deveriam despertar satisfação. Por outro lado, é difícil se manter impassível diante de situações ridículas como a cena onde uma pessoa diz “Não se preocupe, ele é Christian Grey” como se o sujeito fosse um super-herói indestrutível – e a casualidade com que Grey diz que vai matar o chefe assediador de Ana é igualmente absurda.
O que Cinquenta Tons Mais Escuros não parece perceber, no entanto, é que o espectador está rindo do filme, mas nunca com o filme. Assim, as ideias patéticas que são elaboradas pelo roteiro soam apenas como um festival de idiotices que jamais se justificam: o que dizer, por exemplo, de uma sequência onde as “submissas” são apresentadas numa papelada de arquivos, como se fizessem parte de uma “Iniciativa Vingadores”? E se você acha que eu estava brincando quando falei que ex-namoradas de Christian Grey ressurgem como fantasmas, esteja certo de que o próprio enxerga elas dessa forma (numa cena que, diga-se de passagem, parece pertencer a uma franquia como Premonição). Mas não há nada que se compare ao acidente que um personagem sofre e que ganha uma resolução que sugere uma sincronia perfeita entre telejornais e elevadores. Para completar, as inspirações que o roteirista Niall Leonard busca são tremendamente tolas, culminando no chefe de Anastasia Steele que se chama Jack Hyde, criando um contraste óbvio com o Dr. Jekyll que é Christian Grey (pois todos sabemos que este último é uma pessoa absolutamente normal, certo?)
Se encerrando com um cliffhanger estúpido que deixa a promessa de um vilão grandioso para o terceiro capítulo da série, Cinquenta Tons Mais Escuros não só abusa de clichês como ainda revela frases que merecem entrar para o hall de coisas mais infames já ditas no Cinema contemporâneo (lembram-se de “Eu não faço amor; eu fodo, com força“? Esta pérola foi continuada com “Você me ensinou a foder; ela me ensinou a amar“.), sem contar que as influências geradas por Crepúsculo tornam-se ainda mais visíveis no desfecho da projeção – para evitar possíveis spoilers, digo apenas que não me surpreenderei caso Ana se transforme numa praticante devota do BDSM em Cinquenta Tons de Liberdade. Quanto às atuações, o máximo que posso dizer é que Dakota Johnson é tão expressiva quanto um copo d’água ao passo que Jamie Dornan depende única e exclusivamente da beleza de seu rosto para compor seu desempenho, dando origem ao casal mais insípido e com a pior química que me recordo de ter visto em muito tempo.
Ocupando a função que antes pertenceu à diretora Sam Taylor-Johnson, o cineasta James Foley chega ao ponto de criar uma cena que parece ter saído de um material promocional, onde emprega uns quinze establishing shots apenas para ressaltar o charme de um barco. E se a sequência que envolve o “fantasma” é das coisas mais idiotas que vi em 2017 – com direito a uma trilha sonora macabra e alguns sustinhos que quase se tornam jump scares –, o mesmo pode ser dito a respeito dos momentos mais “picantes” (ok, estou forçando a barra): além de chatas e insossas, as cenas de sexo são acompanhadas de músicas agitadas e chegam ao cúmulo de trazer um zoom patético, deixando claro que aqueles momentos são menos elaborados do que qualquer pornô vagabundo que se encontra naquelas programações noturnas de alguns canais específicos.
Isso porque nem me dei ao trabalho de comentar as duas bolas de prata.
Independente de todas essas imbecilidades que, por natureza, já seriam mais do que o suficiente para caracterizar Cinquenta Tons Mais Escuros como um desastre completo, há ainda o modo com que a produção encara o sexo feminino – e o evento que descrevi no primeiro parágrafo é apenas o primeiro de uma infinidade, já que Christian Grey compra a empresa onde sua amada trabalha, deposita um saldo astronômico em sua conta bancária e contrata stalkers para vigiar Ana. Além disso, quando a Grey bisbilhota a jovem trocando de roupa e esta questiona “Você vai realmente ficar me olhando?“, o milionário dá a resposta típica de um babaca inigualável: “Sim“. E se este é o pior exemplo possível para alguns homens, que podem passar a ver – e praticar – o assédio sexual como algo aceitável, também é um tremendo de um desserviço às mulheres, já que o longa basicamente afirma que estas podem se submeter aos machos-alfa sem nenhum problema (e enxergar isso como algo “excitante” ou “prazeroso” é um indício do quão perigosa é a obra).
Frustrante ao investir numa fotografia abordagem estética absolutamente aborrecida e sem graça (o diretor de fotografia John Schwartzman conta com trabalhos interessantes em seu currículo, mas aqui ele desaponta ao substituir as tonalidades frias e límpidas do longa anterior por cores amarronzadas e dessaturadas), Cinquenta Tons Mais Escuros é o tipo de filme que, para ilustrar o estado emocional depressivo de certa personagem, faz questão de incluir uma sequência em que ela caminha desiludida e cabisbaixa pelas ruas de sua cidade. Só faltou estar chovendo e…
… não, não faltou.