I Love You Daddy

Título Original

I Love You, Daddy

Lançamento

Direção

Louis C.K.

Roteiro

Louis C.K.

Elenco

Louis C.K., Chloë Grace Moretz, John Malkovich, Rose Byrne, Charlie Day, Pamela Adlon, Edie Falco, Helen Hunt e Ebonee Noel

Duração

114 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Louis C.K., Dave Becky, Vernon Chatman, Ryan Cunningham e John Skidmore

Distribuidor

Sinopse

Glen Topher é um bem-sucedido produtor e roteirista de televisão nos EUA. Sua filha, China, é uma linda jovem que começa a se envolver com um cineasta de 68 anos, Leslie Goodwin. Preocupado com a filha, Glen tenta impedir esse relacionamento.

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I Love You, Daddy | Crítica

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Como comediante, Louis C.K. é um gênio. Dono de um senso de humor absurdo que sempre instigava o espectador a tentar decifrá-lo (como afirmei ao escrever sobre 2017, seu último especial para a Netflix), este sim é um humorista que sabe produzir um conteúdo politicamente incorreto de qualidade, aproveitando o teor potencialmente ofensivo de suas gags para denunciar a própria ignorância que está saindo de sua boca – ou seja: em vez de rir das mulheres, dos negros e dos judeus, o comediante aposta numa abordagem que leva o público a rir dele e das bobagens inacreditáveis que reproduz (“Há um motivo para os bebês chorarem tanto: eles estão tristes porque pessoas gays estão se casando“). Mas não é só: no decorrer de sua carreira (tanto no stand-up quanto na série Louie), C.K. revelou uma sensibilidade artística tocante que me fez torcer pelo seu sucesso, celebrar suas pequenas conquistas, compadecer diante de suas derrotas, sentir seu amor pelas duas filhas e lamentar os muitos tropeços de um ser humano tão falho.

Infelizmente, Louis C.K. também é um assediador sexual confesso. Sim, acredito que ele se arrependia disso há anos e refletiu essa culpa em sua obra (basta observar o jeito como se ridicularizava ao falar sobre suas perversões, lembrar as imperfeições pessoais que frequentemente exibia em Louie ou assistir a este I Love You, Daddy), mas é claro que isso não diminui a gravidade das atrocidades que cometeu nem muda o fato de que ele precisa ser punido por estas – e não adianta sofrer em decorrência desta decepção, pois a dor que sinto ao testemunhar a demolição de um ídolo jamais se comparará àquela que as vítimas de C.K. experimentaram (duas das cinco mulheres assediadas pelo comediante nunca mais voltaram a trabalhar na área que almejavam).

E por que estou dizendo tudo isso, já que misturar vida pessoal com profissional é algo que costumo rejeitar abertamente? Simples: porque é impossível discutir I Love You, Daddy sem levar em conta o contexto que o envolve. Programado para chegar aos cinemas norte-americanos em 17 de novembro deste ano, o filme perdeu sua distribuição e teve o lançamento cancelado assim que as acusações contra seu astro estouraram – o que é curioso, no entanto, é que o roteiro constantemente soe como um mea culpa de Louis C.K., quase como se soubesse que seria pego e aproveitasse para declarar seu arrependimento de vez em quando.

Se ele merece perdão, aí não me cabe a função de definir, já que, ao contrário de pessoas como as vítimas de C.K., eu não sou forçado a temer diariamente uma possível agressão sexual ao sair na rua, não tenho minhas habilidades menosprezadas graças à objetificação e não vivo sob a ameaça de perder um emprego porque recusei ou denunciei uma prática predatória. O que posso dizer é que o simples fato de documentar com tanta precisão o momento em que foi produzido já faz de I Love You, Daddy uma obra que chama a atenção – só é uma pena, portanto, que o filme em si não faça jus às suas ambições.

Dirigido, escrito, produzido e estrelado por Louis C.K., o longa gira entorno de Glen Topher, um roteirista e produtor televisivo que está prestes a lançar um sitcom. Quando sua filha, China, volta das férias, Glen decide levá-la para uma festa onde conhecerá a estrela de um filme que adora – o que o pai não esperava, porém, é que a adolescente fosse se aproximar de Leslie Goodwin, um diretor que, apesar de talentoso e influente, é conhecido nos bastidores da Arte como um molestador de crianças. Assim, Glen Topher encontra-se no centro de um conflito desagradável: é possível deixar que China siga se encontrando com uma figura suspeita ou interferir nisto seria um ato de superproteção?

Ora, basta ler o parágrafo anterior para compreender que, independente de sua qualidade, I Love You, Daddy tem tudo a ver com o contexto em que foi concebido (mesmo que C.K. não pudesse antever uma onda de escândalos sexuais que coincidiria com o lançamento do filme). Ok, as acusações de pedofilia que cercam Leslie Goodwin podem até não espelhar especificamente o que Louis C.K. vive, inspirando-se mais claramente no antigo caso de Woody Allen, mas é difícil não associá-las também às situações de Kevin Spacey ou Bryan Singer – este, inclusive, já contava com denúncias antigas que configuravam um daqueles “segredos abertos” de Hollywood: muitos sabiam ou tinham ouvido falar nessa história toda, mas evitavam tocar no assunto (que é exatamente o que acontece com Goodwin). Mas o roteiro não se restringe a isso, já que o próprio personagem de C.K. é retratado como uma persona que, embora lute para manter-se digno e responsável enquanto figura paterna e profissional, tropeça constantemente ao menosprezar os ideais feministas da filha e contratar atrizes com segundas intenções (mesmo que isto implique em demitir outras pessoas). Desta forma, quando Glen Topher percebe que invariavelmente prejudicou todas as mulheres ao seu redor e pede desculpas literais a elas (sim, o sujeito diz “Eu peço desculpas a todas as mulheres“), é fácil entender que esta atitude não pertence somente a um personagem recitando um roteiro, refletindo também algo que Louis C.K. deve carregar dentro de si há um bom tempo.

O problema, em contrapartida, é que o fato de ilustrar (ainda que involuntariamente) sua época, por si só, não garante o êxito de uma obra – e por mais que Éric Rohmer diga que “Todo bom filme é também um documento do seu tempo“, isto não se aplica a I Love You, Daddy. É claro que é necessário desvendar o que há de podre no cenário artístico (e basta ver o documentário An Open Secret, sobre o caso envolvendo Singer, para saber que a pedofilia é encobertada por Hollywood há tempos), mas se esta denúncia está surgindo através da Arte, é preciso que este funcione como tal. Dito isso, Louis C.K. tropeça com um roteiro esquemático e que mal consegue conferir credibilidade ou foco às ações retratadas: em primeiro lugar, não dá para aceitar uma situação se os personagens entorno do tabu agem de modo questionável. É difícil acreditar, por exemplo, na relação súbita e apressada que se constrói entre China e Leslie, já que numa cena a garota parece incapaz de encarar o indivíduo (pois vê nele um molestador) e, depois de um rápido diálogo, os dois voltam a contracenar numa loja, partindo para encontros divertidos e uma viajem para Paris logo em seguida (além disso, não entendo o porquê de China se interessar por um homem tão arrogante e grosseiro).

Mas o mais decepcionante é ver C.K. abandonando a sutileza que sempre priorizou para se entregar frequentemente à obviedade. Entrem no YouTube, busquem por “Jizanthapus” e percebam como, no final do vídeo, um simples gole d’água consegue mudar o foco de uma história envolvendo homofobia e violência contra crianças; agora, comparem este momento àquele onde o personagem de Charlie Day finge uma masturbação ao ouvir o nome de uma atriz gostosa. Desta forma, o senso de humor salpicado em I Love You, Daddy torna-se rasteiro e pouco inspirado, o que só é igualado por alguns diálogos tolos que soam mais como discursos do que como conversas espontâneas (quando Glen Topher menospreza os ideais da filha, dizendo que esta não pode se declarar feminista apenas por ser uma spring breaker, é claro que o filme quer que o espectador note o quão machista ele está sendo, antecipando o arco de evolução que o protagonista obviamente sofrerá no decorrer da narrativa). Para piorar, o desfecho é conduzido de maneira tão abrupta que os temas propostos pelo roteiro acabam ficando sem respostas objetivas, deixando incerta a visão do longa a respeito do envolvimento de adultos com menores de idade.

Já do ponto de vista técnico, I Love You, Daddy mais uma vez desaponta, pois a direção falha em encontrar uma personalidade característica e traz Louis C.K. desesperado para criar o seu Manhattan (só que sem a eficácia de Woody Allen). Ao assumir a cadeira de diretor, o comediante comete erros crassos (atentem-se aos horrorosos saltos no eixo que C.K. comete em certas sequências, partindo de um canto para o outro da sala enquanto dois personagens estão somente conversando) e entrega um trabalho que soa mais apropriado à linguagem da televisão ou ao formato de websérie, investindo em planos fechados deselegantes e em travellings que parecem pós-produzidos – o que é mais uma frustração, já que a própria série Louie de vez em quando era dirigida com um grau de sofisticação surpreendente. Em compensação, se a trilha sonora é repetida ao ponto de beirar o insuportável, a fotografia preto e branco (novamente emulando Manhattan) de Paul Koestner consegue criar imagens interessantes aqui e ali.

Mas se há algo que quase salva I Love You, Daddy (eu disse “quase”) é a força do elenco, que faz o possível para conferir alguma densidade a personagens que, a rigor, são meros avatares dos discursos que o roteiro pretende fazer: embora seja difícil encarar Louis C.K. como antigamente, é injusto dizer que seu trabalho como ator não é admirável aqui, evidenciando com precisão o amor que Glen Topher sente pela filha e fugindo completamente da persona elétrica e vulgar que construiu nos palcos. Já Chloë Grace Moretz (que, depois de despontar em Kick-Ass, não desenvolveu uma carreira tão boa quanto merecia) oferece vitalidade a China, uma adolescente que sente os impulsos da autodescoberta típica desta fase, ao passo que John Malkovich (sempre uma presença digna de nota) transforma Leslie Goodwin numa figura ambígua que deixa o espectador na dúvida constante a respeito de seu verdadeiro caráter.

Contando com algumas ideias interessantes que de vez em quando rendem uma cena inspirada aqui e uma boa performance dramática ali (C.K., em especial, tem momentos tocantes ao ilustrar o afeto de Glen por China), I Love You, Daddy desperdiça ainda a oportunidade de abordar a desilusão que o protagonista sofre ao perceber que um profissional que respeitava pode ser um perigo à espreita, o que serviria para discutir o modo como um fã deve lidar quando se decepciona com um ídolo (seria outra ironia do destino?).

Não sei se é certo desejar que Louis C.K. dê a volta por cima nem posso afirmar se suas desculpas devem ser aceitas. A única certeza que tenho é que, embora não seja um desastre, I Love You, Daddy está longe do brilhantismo que levou o comediante ao pódio onde até então se encontrava.

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