No pôster de Mentes Sombrias, há uma frase ostentando orgulhosamente o fato de seus produtores também estarem envolvidos em A Chegada e Stranger Things – e isto é verdade: tanto Dan Levine quanto Shawn Levy trabalharam no longa dirigido por Denis Villeneuve, ao passo que o segundo colaborou com a série oitentista da Netflix. Assim, é uma pena que os dois tenham emprestado seus nomes a um projeto desastroso como este Mentes Sombrias e – o mais frustrante – ainda façam questão de incluir, no pôster, uma chamada que associa este filme a qualquer outro que preste.
Baseado no primeiro livro de uma série escrita por Alexandra Bracken, o “roteiro” (se é que houve algum) assinado por Chad Hodge se passa num futuro distópico onde um vírus erradicou 98% dos jovens menores de 18 anos – e os que sobreviveram à epidemia desenvolveram habilidades sobre-humanas que logo tornam-se perigosas. Com isso, estas crianças são mantidas em campos de concentração e separadas através de cores que catalogam a intensidade dos seus superpoderes (as crianças que vestem laranja, por exemplo, são aquelas que representam o maior risco à sociedade). A partir daí, a trama se concentra na jovem Ruby, que, capaz de ler e controlar os pensamentos de outras pessoas, consegue escapar graças à ajuda de um grupo conhecido como a Liga – grupo este que, diga-se de passagem, também não parece ser dos mais confiáveis, o que leva outra equipe ainda menor de fugitivos a chamar Ruby para ir… sei lá aonde.
Bom, não é preciso ter assistido a muitos filmes para perceber que a premissa de Mentes Sombrias está longe de ser das mais originais – e isto, por si só, não é um problema, já que praticamente todas as obras lançadas por aí tendem a se inspirar em outras que vieram antes. O que realmente prejudica o roteiro de Chad Hodge, porém, é que não há um segundo sequer que não pareça copiado de outro projeto, soando como uma colagem de clichês e momentos-chave que garantiram o sucesso de diversas outras franquias. Chega um ponto onde Mentes Sombrias acaba se tornando um jogo do tipo “Encontre a referência cinematográfica/literária”: os superpoderosos são segregados da Humanidade e lutam para conquistar a paz e a harmonia, como em X-Men; os protagonistas são jovens com uma mentalidade revolucionária que querem se rebelar contra um governo opressor, como em Jogos Vorazes ou Divergente; os superpoderes se manifestam em um grupo de garotos que estão enfrentando a intensidade comum da adolescência, como em Poder Sem Limites; etc.
Estabelecendo as regras de seu (absurdo) universo fictício sem muito cuidado ou organização, o… “roteiro” de Mentes Sombrias parece escrito por alguém que nunca entrou em contato com nenhum outro ser humano: observem, por exemplo, como Ruby se envolve com o personagem vivido por Harris Dickinson pouco mais de 24 horas depois que os dois se conhecem, culminando em cenas ridiculamente bregas como aquela onde eles quase se beijam num milharal e, claro, o diálogo em que citam os protagonistas de Harry Potter. O pior, no entanto, ocorre quando o filme decide inventar um triângulo amoroso no fim do segundo ato, não se dando conta, porém, de que o espectador simplesmente não dá a mínima para estes personagens.
Por falar nisso, é sintomático que o “roteiro” de Mentes Sombrias resolva apresentar (leia-se: enfiar à força) um antagonista quando a projeção está próxima do fim, cometendo o erro de jogar no meio do caminho um personagem que, por não ter sido suficientemente desenvolvido, jamais soa importante como deveria. E este tipo de erro é cometido frequentemente por Chad Hodge, que é incapaz de criar uma trama minimamente coesa ao longo dos 105 minutos do longa – e a falta de estrutura é tão aparente que, a partir de certo instante, parece que o filme está construindo não uma narrativa, mas uma série de situações avulsas que, juntas, formam algo que de longe lembra uma história. Não há sequer um foco narrativo ou dramático, já que a trama em si perde seu direcionamento à medida que vai se tornando mais complicada (e o terceiro ato, em especial, não tem nada a ver com o segundo em termos de tom e ritmo).
Assim, Mentes Sombrias transforma-se em uma experiência episódica e frouxa, como se apenas saltasse de um acontecimento aleatório para o outro – e isto se aplica também à facilidade com que a maioria dos conflitos são resolvidos: quando um personagem precisa identificar um código aparentemente indecifrável, poucos minutos depois vem alguém que logo soluciona o problema; quando uma caçadora de recompensas surge para dificultar a vida dos heróis, um deles rapidamente emprega sua telepatia para neutralizar a antagonista; e quando Ruby se vê obrigada a tomar uma decisão complicadíssima em nome do “amor”, ela… toma esta decisão complicadíssima. Não há tensão ou sentimento de urgência algum em Mentes Sombrias; os personagens se veem diante de algum obstáculo e o enfrentam assim, sem mais nem menos.
Já a direção de Jennifer Yuh Nelson faz mais do que jus ao “roteiro” de Chad Hodge (e podem ter certeza de que isto não é um elogio): investindo numa quantidade excessiva de planos fechados que tentam esconder a pobreza dos efeitos visuais (e que impedem que o espectador contemple as locações ao redor dos personagens), a diretora adota uma abordagem visual inexplicavelmente televisiva que leva o filme a soar mais como o piloto de uma série que provavelmente seria cancelada ainda na primeira temporada. Mas o mais embaraçoso é constatar como Nelson e o diretor de fotografia Kramer Morgenthau não parecem fazer a menor ideia do que estão fazendo com as câmeras que têm em mãos, chegando ao cúmulo de filmar um básico plano/contraplano utilizando duas lentes visivelmente diferentes (e, com isso, uma imagem registrada através de lente “olho de peixe” – com os cantos deformados – surge aleatoriamente no meio de um diálogo).
Deixando algumas pistas para uma futura continuação (que, verdade seja dita, não deve acontecer), Mentes Sombrias ainda seleciona e emprega as canções de maneira terrivelmente óbvia e equivocada, saindo-se particularmente mal ao atirar uma música melosa numa sequência que envolve o desaparecimento de certas memórias. O resultado desta bagunça é uma mistura indigesta de várias propriedades intelectuais que se tornaram bem-sucedidas justamente por respeitarem a lógica de seus universos fictícios e de seus personagens memoráveis – algo que a diretora Jennifer Yuh Nelson e o roteirista Chad Hodge jamais tentam fazer.
Agora, peço desculpas a Harry Potter, X-Men, Stranger Things, Poder Sem Limites, A Chegada e todas as obras de qualidade que foram citadas ao longo deste texto. Elas são boas demais para dividirem espaço com algo tão estúpido quanto Mentes Sombrias.