Ser adulto é complicado. A infância marca aquele período onde enxergamos o mundo e as pessoas com olhos inocentes, exibimos uma energia notável quando saímos para brincar e descobrimos com fascínio tudo o que está ao nosso redor, como se fôssemos pequenos e divertidos alienígenas que acabaram de chegar à Terra e estão aos poucos se adaptando a ela. A fase adulta também tem suas vantagens, é verdade, mas não deixa de trazer consigo algumas preocupações que simplesmente não existiam quando éramos crianças: quando chegamos à juventude e começamos a viver com certa autonomia, nos vemos forçados a perder horas de sono para finalizar algum trabalho, nos deslocamos exaustivamente para atender a um compromisso aqui e outro ali, nos estressamos por causa de política, nos sentimos realmente ameaçados pelo que pode acontecer no mundo e, como se nada disso bastasse, ainda caímos nas armadilhas plantadas pelo nosso próprio ego.
Dirigido por Marc Forster com base nos personagens que A.A. Milne criou na década de 1920 (e que já foram levados para o Cinema em várias animações produzidas pela Disney), Christopher Robin é um filme que reconhece os prós e os contras oferecidos pela vida adulta e que relembra a importância de preservar parte da leveza que carregávamos quando crianças. Escrito por Alex Ross Perry, Tom McCarthy e Allison Schroeder (o segundo trabalhou em Spotlight e o terceiro, em Estrelas Além do Tempo), o roteiro acompanha Christopher Robin, que, quando garoto, se divertia ao lado de bichinhos adoráveis como Ió, Tigrão, Leitão e, claro, o ursinho Pooh. Algumas décadas se passaram e, agora, o personagem-título se transformou em um homem de negócios que mal consegue aproveitar o pouco tempo que tem com a esposa e a filha – o que começa a mudar quando Pooh retorna à sua vida, levando Christopher de volta à floresta que tanto visitou em sua infância (no caso, o Bosque dos Cem Acres).
Mergulhado em uma atmosfera inocente, porém melancólica e quase realista (embora não chegue a ser particularmente sombria), Christopher Robin está bem mais próximo de obras como Onde Vivem os Monstros e Sete Minutos Depois da Meia-Noite do que de Alice no País das Maravilhas, Mogli, A Bela e a Fera e outras reimaginações live-action de clássicos da Disney, já que, em vez de criar sequências de ação elaboradas e carregadas de efeitos visuais exuberantes, Marc Forster prefere enfocar situações intimistas e priorizar os sentimentos dos personagens. Assim, o cineasta e o diretor de fotografia Matthias Koenigswieser acertam ao investir em um tom bem mais naturalista que o esperado neste tipo de produção, empregando frequentemente a câmera na mão e apostando em cores que, mesmo dessaturadas, não se tornam cinzentas ou escuras demais. Além disso, a fotografia sabe utilizar as cores para ajudar a desenvolver a trama e os personagens: por um lado, a frieza do azul domina as passagens menos alegres do longa; por outro, as cores quentes voltam a se destacar nas cenas mais simpáticas, comoventes e/ou nostálgicas.
Da mesma forma, Forster e a designer de produção Jennifer Williams se saem bem ao transformar o vermelho em um símbolo – não é à toa que, num momento-chave do terceiro ato, Christopher Robin termine vestindo um colete que divide a cor da camiseta do ursinho Pooh (e se em It: A Coisa um balão vermelho servia como prenúncio de uma ameaça, aqui o mesmo objeto representa a leveza típica da infância). Já a montagem de Matt Chesse (colaborador habitual de Forster) é especialmente bem-sucedida ao resumir em alguns minutos os muitos anos que levaram Robin da pré-adolescência à fase adulta, interligando estas elipses através de ilustrações claramente inspiradas naquelas que E.H. Shepard apresentou nos livros que deram origem a estes personagens – só é uma pena, no entanto, que algumas das informações mostradas rapidamente neste prólogo merecessem um desenvolvimento maior, dando a impressão de que o roteiro apenas jogou alguns detalhes importantes em vez de tratá-los com a devida atenção.
Mas é impossível discutir Christopher Robin sem falar sobre… o próprio: vivido com elegância e sensibilidade por Ewan McGregor (que adiciona mais um nome de peso a uma filmografia que já inclui Obi-Wan Kenobi e Mark Renton), o personagem-título é um indivíduo que há muito parece ter perdido a suavidade que exibia quando criança, sendo soterrado pela monotonia de seu emprego e nem percebendo a falta que sente da diversão que havia em sua infância. Assim, quando reencontra o ursinho Pooh e retorna ao Bosque dos Cem Acres, o protagonista aos poucos se dá conta de que, mesmo depois de tantos anos, ainda existe um espírito doce e brincalhão escondido em seu interior – e McGregor conduz este arco com uma precisão irrepreensível, saindo-se muitíssimo bem ao retratar tanto a frustração que Robin luta para não sentir quanto o encanto cada vez maior que experimenta ao rever seus velhos amigos.
Amigos estes que, por sinal, não poderiam ser mais adoráveis: criados a partir de uma computação gráfica impecável que se preocupa com cada detalhe das texturas dos animais (notem os fiapos que saem dos tecidos que compõem o Leitão), os animais que acompanham Christopher Robin conquistam o espectador sempre que surgem em cena. Sim, é verdade que Pooh ganha um tempo de tela bem maior, mas isto não impede que cada um brilhe por conta própria: Tigrão contagia com seu entusiasmo costumeiro e se destaca principalmente ao cantar seu tema musical particular; Leitão é estabelecido como uma criaturinha inofensiva que, por conta disso, jamais consegue esconder seus vários medos; e Ió claramente carrega consigo uma depressão fortíssima, tendo muito em comum com a Tristeza de Divertida Mente neste sentido (e é admirável, portanto, que o filme consiga encontrar humor em sua condição sem soar ofensivo). Para completar, o ursinho Pooh segue um personagem fabuloso que, com seu tom de voz divertidamente sereno e meigo (Jim Cummings está excelente no papel), apresenta uma visão de mundo simples e ingênua que acaba servindo tanto para fazer piadas quanto para gerar reflexões.
Trazendo referências pontuais que certamente agradarão aos fãs de longa data destes personagens (uma delas ocorre durante os créditos finais), Christopher Robin é um longa que, mesmo contando com a presença de bichos fofinhos e engraçados, não é direcionado especificamente para o público infanto-juvenil, já que a abordagem adotada por Marc Forster faz mais do que jus à melancolia sugerida pelo roteiro – e eu estaria mentindo se dissesse que uma lágrima não escorreu do meu olho quando, no fim do segundo ato, Robin e Pooh surgem sentados em um tronco de árvore. Não custa lembrar, inclusive, que o cineasta também dirigiu Em Busca da Terra do Nunca e O Caçador de Pipas, outros dois longas igualmente emocionais (e que nada têm a ver com 007 – Quantum of Solace e Guerra Mundial Z, que Forster realizou nos anos seguintes).
Embora o terceiro ato peque ao criar uma série de situações artificiais com o intuito de chegar a um clímax mais movimentado (algo que não era necessário neste filme), Christopher Robin é, com o perdão do clichê, uma obra que conversa com a criança que existe dentro de cada um de nós. E levando em consideração as muitas dificuldades que o mundo vem enfrentando hoje em dia, reviver a pureza da infância e deixar de ser adulto por um instante é uma atitude mais do que bem-vinda.