Peço desculpas a quem ainda não assistiu a Ghidorah, o Monstro Tricéfalo e gostaria de preservar a experiência sem spoilers, mas não vejo outra forma mais apropriada de começar um texto sobre o filme que não seja abordando justamente seu clímax – que é, para mim, de uma beleza contagiante e um exemplo perfeito do sucesso do longa: a Mothra tentando convencer Godzilla e Rodan a pararem de brigar e se juntarem para proteger o mundo do temível King Ghidorah é uma das coisas mais lindas que existem. Com direito, inclusive, a Godzilla “dizendo” que não se importa com os seres humanos porque estes incomodam ele e Rodan (que até então estava se estapeando até a morte com o lagartão) complementando com “É, eu concordo“.
Como diz um personagem humano presente na cena, “Eles (os monstros) são tão teimosos e egoístas quanto nós“. Mas aí, Mothra ainda em seu estágio inicial de minhoca (gigante) decide ir de peito aberto para enfrentar King Ghidorah cara a cara, pronta para ser destruída, mas pouco se importando com isso. Falando sério: Mothra é de longe o mais legal de todos os monstros deste MonsterVerse original; o primeiro a exibir caráter, atitude e personalidade.
A cena que vem logo a seguir, então, é uma demonstração pura e genuína daquilo que o Ocidente (em especial, Hollywood) tenta fazer com estes monstros gigantes, mas, na maioria das vezes, sem sucesso: diversão escapista. Godzilla puxando King Ghidorah pelas três caudas enquanto Mothra, sem asas, monta nas costas de Rodan para disparar sua teia no vilão-título. Em bom português: isso é legal de mais!
E é uma demonstração também de por que Hollywood raramente conseguir produzir um filme de monstros gigantes que seja tão divertido quanto estes: os blockbusters ocidentais sempre contaram (em maior ou menor grau) com um cinismo que, por outro lado, inexistia nos kaijus da Toho. As superproduções hollywoodianas têm que ser perfeitinhas, não podem conter um efeito especial/visual que seja considerado “tosco”, não podem ter uma solução realmente lúdica para seus conflitos (como, ora, Mothra mudar a cabeça de Godzilla e Rodan na base do diálogo).
De King Kong (1933) a Vingadores: Ultimato (2019), passando por Tubarão (1975), Star Wars (1977), Jurassic Park (1993), Avatar (2009) e etc, Hollywood sempre teve esse interesse em fazer o espectador “se sentir dentro do filme”; naquela máxima do Scorsese de que os blockbusters são “parques de diversões”. Assim, qualquer filme um pouco mais absurdo e autoconsciente que aparece (Guardiões da Galáxia, Velozes & Furiosos 7, Kong: Ilha da Caveira, etc) já é considerado uma ruptura com esse cinismo habitual; mesmo que estes filmes continuem a ser perfeitinhos em seus efeitos visuais e nas estruturas de suas narrativas. (Detalhe: eu gosto da maioria destes filmes; apenas estou apontando que a tradição de Hollywood de tudo ser “infalível” e “de ponta” desencoraja seus blockbusters a baterem no peito, abraçarem a tosqueira e se aceitarem escapistas como os da Toho.)
Fora isso, Ghidorah, o Monstro Tricéfalo é também um filme que sabe muito bem introduzir situações diferentes, alternar entre núcleos diferentes e “costurar” o encontro de franquias/monstros diferentes (o ponto fraco de Batman vs Superman, por exemplo). Claro que Ishirō Honda exagera um pouco ao entrecortar o conflito final entre os monstros com um monte de situações paralelas envolvendo personagens humanos (aliás, taí um problema que não é só Hollywood que tem: seres humanos em filmes de monstros).
Mas nada que atrapalhe a ode ao entretenimento que é esse filme inteiro. Um filme que bate no peito e brada “Meus monstros são dublês fantasiados mesmo, vou fazer vocês todos rirem disso e provar que isso pode ser divertido para caramba!”.
Viva Mothra!