Co-fundador do Dogma 95 ao lado de Lars Von Trier, o dinamarquês Thomas Vinterberg talvez não tenha tido uma carreira tão, digamos, chamativa (para o bem ou para o mal) quanto a de seu colega – e não é à toa que, após ser revelado para o mundo inteiro com Festa de Família (em 1998), o cineasta tenha demorado outros 14 anos para finalmente receber os devidos holofotes, realizando o maior destaque de sua filmografia pós-Dogma: o ótimo A Caça, com Mads Mikkelsen e Thomas Bo Larsen. Agora, quase uma década depois e retomando a parceria com os dois atores, Vinterberg volta a ganhar o mundo com este Druk: Mais uma Rodada. A boa notícia é que estamos diante do filme que talvez conceda ao dinamarquês o primeiro Oscar de sua carreira; a má é que, embora divertido, não é o que melhor representa sua carreira (tampouco é o pior).
Escrito por Vinterberg e Tobias Lindholm (uma dupla que se formou em Submarino e percorreu quase todos os filmes do diretor de lá para cá), Druk gira em torno de quatro professores de colégio que, ao saírem para encher a cara, percebem que Martin, o mais sóbrio deles, está finalmente sentindo a crise da meia idade, com a alegria da juventude cada vez mais distante no passado – e, por consequência, seu rendimento ao lecionar suas matérias torna-se mecânico, levando suas classes ao tédio absoluto. Isto muda, porém, quando os três amigos de Martin o convencem a participar de uma experiência: antes de entrar em sala de aula, cada um tomará uma quantidade pré-determinada da bebida que for, testando se, afinal, o aumento de álcool no sangue melhora suas vidas. Até certo ponto, isto funciona, já que Martin, quando embriagado, enfim recupera parte da energia de outrora e mostra-se capaz de prender a atenção de sua turma
Hábil ao estabelecer a amizade entre os quatro amigos, que se manifesta de forma sempre sincera e calorosa (o que é importante para que, no terceiro ato, sintamos o peso de algo que ocorre entre eles), Druk diverte, em sua primeira metade, ao humanizar a postura clássica, excessivamente formal, que a sociedade costuma cobrar de professores em geral, demonstrando como até os mais certinhos são capazes de exibir uma faceta mais “solta” e inconsequente assim que deixam o ambiente de trabalho e voltam para suas vidas íntimas. Com isso, o filme só não se torna um Superbad da meia idade, trocando os formandos pelos professores que os aprovam, porque Vinterberg obviamente tem a intenção de levar as bebedeiras dos personagens a sério, transformando-as em uma consequência da crise que os acomete quando percebem que a juventude hoje é uma memória cada vez mais ultrapassada.
Neste sentido, a escalação de Mads Mikkelsen para o papel de Martin se revela uma decisão de casting perfeita, já que a expressão sisuda e a compostura rígida que o ator naturalmente projeta ao aparecer em cena ajudam a pintá-lo como uma figura formal, careta, daquelas que não esperaríamos encontrar bêbada e dançando em cima de uma mesa de bar – e é justamente esta percepção que temos acerca de Mikkelsen que torna ainda mais surpreendentes a postura e (não menos importante) a fisicalidade que exibe nos momentos que o trazem enchendo a cara, falando besteiras num tom de voz cambaleante e, principalmente, realizando aquela dança naquele instante da projeção (vocês o reconhecerão).
Os problemas de Druk, por outro lado, começam a aparecer do meio para o fim do filme, quando Vinterberg subitamente decide que tem “algo a dizer” sobre o alcoolismo e o comportamento autodestrutivo dos personagens, entregando-se a lições de moral que poderiam até ser pertinentes, mas que, da forma como são apresentadas, acabam soando apenas tolas e condescendentes – afinal, depois de uma hora inteira se concentrando basicamente nas virtudes do álcool e em como este melhorou a vida e o rendimento dos quatro professores, o longa resolve subitamente forçar uma reflexão acerca dos danos que a substância traz a quem o consome (e o faz através de um ou outro draminha artificial e encaixado à força). Ora, que o álcool em excesso destrói pessoas e famílias (muito mais que a maconha, inclusive), disso não tenho a menor dúvida; o problema está mesmo na forma com que Vinterberg constrói este drama: quando a esposa de Martin diz que este “está ausente” e que “não o reconhece mais”, por exemplo, acabamos não acreditando no peso das reclamações porque nunca antes no filme tínhamos visto o comportamento do sujeito impactar sua família na prática.
Como se não bastasse, mesmo após estabelecer (às pressas) os malefícios que o álcool traz para a vida de quem o ingere, Druk ainda tenta, em seu terceiro ato, voltar a mostrar como a bebida pode ajudar até mesmo quem o consome em situações inapropriadas, desde – spoilers – um adolescente que toma uma garrafa inteira de sei-lá-o-quê e, com isso, consegue vencer o nervosismo que o impedia de ser aprovado numa prova oral até o desfecho que traz vários personagens se divertindo e Martin retomando a energia da juventude ao finalmente voltar a dançar; um desfecho que, aliás, é complementado pelo uso bastante sugestivo da canção “What a Life”, do grupo Scarlet Pleasure (What a life, what a night / What a beautiful, beautiful ride / Don’t know where I’m in Five / But I’m young and alive / Fuck what they are saying, what a life). Como resultado, o longa parece não saber se opta pela glorificação ou pela condenação do álcool na vida dos personagens, desajeitando-se ao tentar abraçar as duas juntas.
Divertido, mas também indeciso e confuso nas mensagens que pretende transmitir, Druk: Mais uma Rodada é um filme moralista demais para ser considerado anárquico e, ao mesmo tempo, anárquico demais para ser considerado moralista.