Era o Hotel Cambridge

Título Original

Era o Hotel Cambridge

Lançamento

16 de março de 2017

Direção

Eliane Caffé

Roteiro

Eliane Caffé, Luiz Alberto de Abreu e Inês Figueiró

Elenco

José Dumont, Isam Ahmad Issa, Suely Franco, Paulo Américo, Guylain Muskendi Lobobo, Ibtessam Umran, Juliane Arguello, Thais Carvalho, Carmen Silva, Lucia Pulido, Mariana Raposo e Gabriel Tonin

Duração

99 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

André Montenegro, Rui Pires, Amiel Tenenbaum e Edgard Tenenbaum

Distribuidor

Vitrine Filmes

Sinopse

Refugiados recém-chegados ao Brasil dividem com um grupo de sem-tetos um velho edifício abandonado no centro de São Paulo. Além da tensão diária que a ameaça de despejo causa, os novos moradores do prédio terão que lidar com seus dramas pessoais e aprender a conviver com pessoas que, apesar de diferentes, enfrentam juntos a vida nas ruas.

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Era o Hotel Cambridge | Crítica

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Quem insiste em dizer que o Cinema nacional é “fraco”, “precário” ou “limitado” certamente precisa assistir a Era o Hotel Cambridge: dirigido por Eliane Caffé e ambientado num espaço complexo que serve para ilustrar a situação contemporânea do país ao mesmo tempo em que reflete a opressão que ocorre no mundo exterior, o filme não apenas funciona perfeitamente como narrativa como também retrata a época em que foi realizado com precisão, tornando-se mais uma evidência incontestável do quão subestimado é o potencial por trás das produções brasileiras. É, em resumo, uma obra poderosíssima que merece figurar entre as listas de melhores trabalhos cinematográficos do ano, mostrando-se fabulosa como dramaturgia, relevante como comentário social e instigante como estudo de um período específico da nossa História.

Roteirizado por Caffé ao lado de Luiz Alberto de Abreu e Inês Figueiró, Era o Hotel Cambridge se passa em São Paulo e gira entorno dos moradores de um edifício que engloba cidadãos de classe média baixa e pessoas que se refugiaram a fim de escapar de guerras em suas terras natais. Depois que uma ordem judicial obriga os vizinhos a se retirarem, eles decidem se unir numa luta pelos direitos de moradia e divulgar a causa através de vlogs. Nessa batalha que acaba aproximando brasileiros e refugiados em prol de um objetivo em comum, o grupo planeja ocupar o prédio que dá título ao filme até que suas demandas finalmente ganhem a devida atenção. Se isto ocorre ou não, prefiro não revelar – mas a verdade é que o resultado não é diferente do que vemos na realidade.

Repleto de diálogos que desenvolvem uma dinâmica natural entre os personagens sem apelar para frases de efeito tolas e artificiais, o roteiro demonstra inteligência ao aproveitar o primeiro e segundo atos para estabelecer as características de cada um dos moradores do edifício-título antes de levá-los ao clímax, fazendo com que o espectador se apegue aos indivíduos e se importe com o destino deles quando passam a enfrentar conflitos mais intensos. Claro que é difícil comentar cada performance de um elenco com tantos personagens, então vou me ater somente a quatro: o palestino Isam Ahmad Issa exibe esperança, o que é surpreendente considerando seu trágico passado (e quando ele diz que “veio de uma terra ocupada, mas agora está satisfeito por ocupar algo“, a afirmação soa sincera); José Dumont cria uma espécie de “poeta informal” divertido e cujos esforços são admiráveis; Guylain Muskendi Lobobo exala um desespero tocante; e Suely Franco funciona bem como um alívio cômico ao mesmo tempo em que é hábil ao acrescentar uma dimensão dramática inesperada à personagem (embora a conversa envolvendo uma elefante fêmea seja particularmente dispensável).

Outro nome que certamente merece destaque é o da diretora Eliane Caffé (Kenoma, Narradores de Javé) que, aqui, executa uma tarefa sempre difícil: misturar uma narrativa ficcional com trechos de natureza documental. Felizmente, Caffé é inteligente ao estabelecer uma dinâmica onde um estilo complementa o outro, empregando a ficção para humanizar os personagens e situar o espectador em meio às situações ilustradas nos breves documentários, potencializando a imersão do público dentro do universo da obra. Além disso, a diretora e o montador Marcio Hashimoto conseguem unir as duas abordagens sem que o ritmo da película seja comprometido, jamais permitindo que a trama perca sua fluidez ou agilidade.

Já do ponto de vista técnico, Era o Hotel Cambridge é encantador, mas este fascínio provém de detalhes minimalistas e que nunca procuram chamar a atenção para si mesmos – e claro que o design de produção é fundamental numa obra cujo título traz o nome de um prédio, sendo então um alívio que Carla Caffé (irmã da diretora) consiga retratar apropriadamente o aspecto claustrofóbico e sufocante que caracteriza o apertadíssimo edifício. Da mesma forma, o design de som e a montagem formam uma união eficaz ao transformarem conversas em narrações em off, como se estes diálogos ocorressem apenas da cabeça dos personagens e formassem uma sequência lúdica e onírica. Para completar, Eliane Caffé e o diretor de fotografia Bruno Risas investem numa paleta de cores atraentes e encontram na diversidade do elenco uma oportunidade para compor imagens conceitualmente irresistíveis, como os planos conjuntos que trazem uma roda de pessoas conversando e que incluem homens, mulheres, brancos, negros, brasileiros, palestinos e congoleses.

E é este tipo de visão que Era o Hotel Cambridge apresenta: no fim, a diversidade não só deve ser aceita como deve ser celebrada, pois as diferenças culturais entre um indivíduo e outro não precisam necessariamente determinar a forma como os dois interagem. Antes de falar sobre a situação dos refugiados, é importante agir com humanidade e compreender o sofrimento que eles enfrentam antes de acusá-los de promover um “choque cultural” ou de servir “apenas para trazer maus elementos infiltrados”. Sim, é possível argumentar que a entrada de imigrantes desesperados deve ocorrer de maneira cuidadosa a fim de evitar quaisquer riscos, mas também é preciso reconhecer que excluí-los de antemão não é a mais apropriada das soluções e que o mundo seria um lugar melhor se a empatia fosse um pouco mais recorrente.

Mas Era o Hotel Cambridge vai além e faz questão de revelar ainda a realidade das classes menos favorecidas que compõem o Brasil, expondo as dificuldades que os moradores são sempre obrigados a enfrentar e incluindo comentários no meio de conversas que sutilmente têm muito a dizer sobre o cotidiano destas pessoas. Ao mostrar o sofrimento dos desprivilegiados, o filme encontra espaço para escancarar um espelho diante da elite, evidenciando a podridão desta quando o grito de socorro que os protagonistas levam à Internet é chamado de “baderna causada por um monte de preto” e barbaridades desse tipo – e quando chega o terceiro ato, temos a clara impressão de que a truculência recebida pelos personagens é algo que tragicamente chega a fazer parte de suas vida.

É possível que muitos acusem Era o Hotel Cambridge de ser um filme desonesto, pois talvez gere no espectador uma expectativa leve demais para o que acontecerá no final – que, por sua vez, é obviamente capaz de enfurecer pessoas que seguem determinadas linhas de raciocínio. Por outro lado, é triste dizer isso, mas é assim que funciona a vida real: independente da nacionalidade ou da classe social, são seres humanos que não merecem ser atirados no meio de um conflito tão intenso e injusto.

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