Enquanto assistia a The Square – candidato da Suécia ao Oscar de melhor filme estrangeiro –, pensei constantemente em Toni Erdmann. Mesmo que gire entorno de temas distintos, o novo longa do cineasta Ruben Östlund (que dirigiu o aclamado Força Maior, em 2014) conta com um senso de humor bem parecido com o da alemã Maren Ade e sutilmente pega o espectador de surpresa com algum absurdo. Agora basta pegar essa abordagem inusitada e aliá-la à acidez das discussões levantadas pela obra para ter uma noção do que é The Square, uma divertida brincadeira que ao mesmo tempo questiona o valor real da Arte e ironiza a pose de uma elite que se pretende erudita.
Roteirizado também por Östlund, o filme gira entorno de Christian, que acaba de se tornar curador do Museu de Arte Contemporânea de Estocolmo e busca maneiras impactantes de divulgar “The Square”, um quadrado iluminado posicionado no chão que propõe uma convivência pacífica entre os que estão dentro da linha traçada. Mas a vida do sujeito vem a se tornar um inferno tanto pessoal quanto profissional, já que: 1) os responsáveis por promover a exposição começam a causar problemas após tentarem chocar o público de forma sensacionalista; e 2) o roubo de seu celular o leva a tomar medidas drásticas e questionáveis.
Organizado de maneira sempre inteligente por Ruben Östlund (notem, por exemplo, como a aparição inacreditável de um macaco acaba servindo quase como foreshadowing para algo que virá no terceiro ato), o roteiro de The Square acerta especialmente ao apostar num senso de humor que surge de modo inesperado e vai do sutil (como no momento onde a lataria de um carro é arranhada sem que isso seja mostrado) ao escrachado (é hilário ver até onde o protagonista se recusa a entregar uma camisinha recém-usada para a companheira), sendo uma proeza que ambas as abordagens funcionem tão bem. Além disso, Östlund frequentemente surpreende na forma como constrói a comicidade: quando Christian encontra-se numa festa e autoafirma que não vai transar com certa personagem, é claro que os dois irão para a cama logo em seguida – a diferença, porém, é que o diretor/roteirista reconhece a obviedade da piada e se aproveita disso para ir além das expectativas do espectador no decorrer da cena.
Mas o riso do público não é a maior conquista de The Square, pois Östlund faz questão de incluir, no meio das (muitas) gargalhadas, uma série de comentários ácidos e críticos a respeito do comportamento das classes economicamente favorecidas. Assim, quando Christian e seu colega Michael resolvem escrever uma carta teoricamente ameaçadora, os dois começam a cair num monte de futilidades que vão desde a escolha das palavras certas até a preocupação com a fonte do texto, o que confere um significado maior às risadas que o espectador dá. Por outro lado, existem também passagens onde o foco do diretor não é necessariamente a comédia, abraçando um lado mais dramático através de um monólogo que o protagonista grava no terceiro ato e de imagens que dão destaque a mendigos ignorados enquanto pedem dinheiro.
O que nos traz, inclusive, a outro tema recorrente do filme: a legitimidade da Arte e a maneira como os apreciadores devem enxergá-la – e, por este motivo, é bastante curioso (e importante) que The Square esteja chegando ao Brasil num momento como o atual, onde muitos passam a julgar o que é ou não é Arte baseado em critérios tão subjetivos que beiram o abstrato. Não é de hoje que discuto como tudo pode ser encarado como uma obra, já que a Arte se define como uma expressão da essência do indivíduo. Em compensação, é fundamental que o defensor de qualquer tipo de discurso possa sustentar sua argumentação, algo que Christian mostra-se incapaz de fazer logo na cena que abre a projeção, quando sequer consegue explicar direito o significado de uma obra em exposição – e o senso de humor de Ruben Östlund volta a marcar presença depois disso, despertando risadas através de situações como aquela onde o faxineiro varre uma obra achando que era lixo. E afinal, até onde vale o discurso de “tudo pela Arte”? O terceiro ato aponta para esta indagação através de uma sequência memorável onde conhecemos a brutalidade desenfreada de um “homem-macaco” (que, diga-se de passagem, é interpretado pelo mesmo Terry Notary que emprestou seus movimentos ao gorila de Kong: A Ilha da Caveira).
Há, no entanto, um aspecto que diminui um pouco o impacto de The Square: embora discuta seus temas muitíssimo bem, oferecendo posicionamentos sólidos ao mesmo tempo em que levanta indagações para que o próprio espectador chegue numa conclusão, o filme comete o erro de estender sua duração além do necessário, chegando aos 142 minutos mesmo que uns 20 pudessem ser limados. Sim, é verdade que o próprio roteiro comenta brevemente a liberdade que uma obra tem para tomar o tempo que quiser (o que talvez já prepare uma espécie de armadilha para essa minha reclamação), mas isso não muda o fato de que algumas sequências que ocorrem principalmente no terceiro ato poderiam contar com um ritmo mais ágil e objetivo.
Dito isso, The Square é uma obra que faz bom uso do tempo que quer tomar, levando o público a gargalhar e sentir agonia ao passo que põe a mão na consciência e reflete a respeito de determinados temas. Só isso já faz o longa merecer a indicação que certamente receberá ao Oscar de melhor filme estrangeiro, colocando-se ao lado do brilhante Uma Mulher Fantástica nessa disputa.