Curral (1)

Título Original

Curral

Lançamento

11 de novembro de 2021

Direção

Marcelo Brennand

Roteiro

Marcelo Brennand e Fernando Honesko

Elenco

Thomas Aquino, Rodrigo García, Carla Salle, José Dumont, Mayara Millane, Rubens Santos e Fernando Teixeira

Duração

86 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

Marcelo Brennand, Paula Cosenza, Carol Ferreir,a João Queiroz Filho, Barbara Maranhao e Justine Otondo

Distribuidor

Pandora Filmes

Sinopse

Joel é um advogado que está na disputa para eleição de vereadores na cidade de Gravatá, em Pernambuco. Ele decide convidar seu antigo amigo Chico Caixa para participar da campanha, angariando votos de um bairro simples do município através da promessa do fornecimento de água.

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Curral | Crítica

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É muito fácil palpitar sobre um processo eleitoral quando se enxerga este com absoluto distanciamento, como se os eleitores em si nada mais fossem do que números em uma planilha ou – pior – ratinhos de laboratório. Uma coisa é dizer chavões como “O sistema é foda” e “O povo vota mal porque é burro”; outra é se dispor a entender estes problemas mais de perto, adentrando na realidade concreta do que costumam chamar de “curral eleitoral” e constatando como as relações políticas e sociais que compõem as estruturas de poder são muito mais complexas – e perigosas – do que poderíamos supor de longe. Em vez de perguntar “De onde apareceu tanto idiota para eleger este imbecil?”, deveriam buscar se aprofundar no contexto que o elegeu.

Primeiro longa-metragem de ficção dirigido pelo pernambucano Marcelo Brennand, Curral (não confundir com o recente Currais, de David Aguiar e Sabina Colares) se concentra nos bastidores das eleições municipais da cidade de Gravatá, no interior de Pernambuco, e nos esforços do protagonista Chico Caixa, morador de um bairro que há muito carece de abastecimento de água e que agora atua como cabo eleitoral de seu amigo Joel, candidato a vereador. (Não por coincidência, o trabalho anterior de Brennand foi o documentário Porta a Porta, que também se concentrava na realização de uma campanha eleitoral numa cidade do interior do Nordeste.) Assim, a luta de Chico torna-se convencer os moradores do município a confiarem nas promessas de campanha daquele que parece ser mais um político que só busca contato com o povo na hora de conquistar votos e que pouco faz para honrar o cargo depois de eleito.

Roteirizado por Brennand e por Fernando Honesko, Curral é um exemplo de filme que transforma a cidade que o abriga no motor principal da narrativa, soando quase como um personagem à parte – só não digo que se trata do protagonista da história porque, afinal, este é mesmo Chico. É possível sentir, ao longo da projeção, como a Gravatá retratada por Marcelo Brennand irradia uma energia inquieta, motivada obviamente pela indignação de uma população farta de ouvir promessas de direitos básicos (água; infraestrutura; saneamento; educação, saúde e segurança de qualidade; etc)  apenas para estas serem esquecidas logo depois – e o fato de sentirmos a descrença do povo torna-se fundamental não apenas para construir a atmosfera de Gravatá, mas para tornar factíveis os momentos nos quais vemos a população municipal se recusar a ouvir pela enésima vez as ladainhas do político oportunista da vez (agora, Joel).

Se a cidade vista em Curral (e, digamos, na maior parte do Brasil) ainda elege mentirosos que começam a descumprir suas promessas ainda durante a campanha (como faz Joel ao se aliar a um candidato a prefeito que jurava ser seu rival), é menos por comodismo do povo e mais por toda uma estrutura de poder construída ao redor da população que se sustenta através de ligações perigosas, imorais e, sim, ilegais. Em bom português, o buraco é muito mais embaixo. Neste sentido, é admirável que o filme raramente busque dividir seus personagens entre mocinhos e bandidos, retratando todos, na verdade, como figuras moralmente duvidosas e pouco comprometidas com a ética: se Thomás Aquino (Bacurau) encarna Chico como um indivíduo exaurido pela exploração advinda de seus superiores, mas que nem por isso deixa de replicar o comportamento abusivo da burguesia ao ameaçar covardemente sua ex-parceira (vivida com absoluta convicção por Carla Salle), Rodrigo García (Tatuagem) evoca desde o princípio a personalidade cínica, arrogante e suspeita de Joel, não sendo surpresa quando, do meio para o fim, ele adota uma postura escancaradamente canalha.

É uma pena, portanto, que em seus 15 minutos finais o filme acabe cedendo ao impulso de criar um desfecho maior, mais espetacular, para os conflitos que tinha em mãos, criando uma conclusão que parece justiceira da parte de Chico, mas que soa como uma solução improvável para os problemas sistêmicos de Gravatá (e do Brasil) e contrária à mentalidade realista e analítica que o longa até então mantivera. A sorte é que, na mais de uma hora anterior, Curral já havia se saído bem ao tecer um retrato curiosamente simples e objetivo sobre os complicados arremedos que constituem o jogo político local.

Obs.: assisti ao filme numa cópia digital que recebi da distribuidora e que, para minha surpresa, continha uma marca d’água gigante da Zéfiro Filmes no centro da tela. Não, não era sutil nem estava num dos cantos do quadro (como se costuma ver na TV, por exemplo), mas gigante e no centro. Assim, por mais que eu tentasse me desvencilhar deste “pequeno” (cof-cof-cof) detalhe, volta e meia minha atenção acabava se virando para aquele tampão transparente – não a ponto de arruinar por completo a experiência, mas o suficiente para me fazer apontar o incômodo aqui. Espero que a versão que vocês forem conferir seja mais palatável.

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