Homem-Aranha (5)

Título Original

Spider-Man: No Way Home

Lançamento

16 de dezembro de 2021

Direção

Jon Watts

Roteiro

Chris McKenna e Erik Sommers

Elenco

Tom Holland, Zendaya, Jacob Batalon, Marisa Tomei, Tobey Maguire, Andrew Garfield, Willem Dafoe, Alfred Molina, Jamie Foxx, Benedict Cumberbatch, Jon Favreau, Tony Revolori, Benedict Wong, J.K. Simmons, Charlie Cox, Martin Starr, J.B. Smoove, Angourie Rice, Arian Moayed, Thomas Haden Church, Rhys Ifans e Jake Gyllenhaal

Duração

148 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Kevin Feige e Amy Paschal

Distribuidor

Sony Pictures

Sinopse

O herói amigo da vizinhança é desmascarado e não consegue mais separar sua vida normal dos grandes riscos de ser um super-herói. Quando ele pede ajuda ao Doutor Estranho, os riscos se tornam ainda mais perigosos, e o forçam a descobrir o que realmente significa ser o Homem-Aranha.

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Homem-Aranha: Sem Volta para Casa | Crítica

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Para um filme centrado num herói cheio de problemas pessoais, que enfrenta cinco supervilões e que lida com conceitos como “multiverso”, realidades alternativas e tudo que envolve o já superlotado MCU (do inglês, Marvel Cinematic Universe), Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é uma obra surpreendentemente humana e intimista. Isto, aliás, é algo que sempre foi fundamental em toda a construção de Peter Parker desde sua criação em 1962 até sua transposição para outras mídias: se nos afeiçoamos ao personagem, é menos por suas ações espetaculares e mais pelo fato de ele ser um menino que enfrenta dificuldades com as quais podemos facilmente nos identificar (desde procurar um emprego até levar a tia no hospital) e cujas atitudes podem lhe trazer consequências reais (como perder o tio ou obrigá-lo a terminar um namoro).

E se pareço prolixo ao repetir algo óbvio, é justamente com o intuito de enfatizar o básico que ainda assim faltava a esta versão do MCU, aparecendo apenas pontualmente no simpático De Volta ao Lar e sumindo por completo no mediano Longe de Casa até enfim ser resgatado por Sem Volta para Casa.

Retomando a história exatamente do ponto em que a deixamos no filme passado, com Mysterio revelando ao mundo que Peter Parker era o herói, esta terceira parte da versão do Aranha estrelada por Tom Holland o traz com a vida virada de cabeça para baixo: sua privacidade foi reduzida a zero, a segurança de praticamente todos que o cercam está sob constante ameaça, J. Jonah Jameson passa dia e noite difamando-o no Clarim Diário, todas as “provas” plantadas contra ele por Mysterio parecem incontestáveis e até mesmo as entradas dele, da namorada MJ e do melhor amigo Ned no MIT foram rejeitadas graças às “controvérsias recentes” envolvendo o garoto. Precisando da ajuda de algum super-herói capaz de mudar o tempo e a realidade, Peter visita o Doutor Estranho a fim de pedi-lo para apagar da memória do planeta inteiro a informação de que ele é o Homem-Aranha – o problema é que, na hora do mago conjurar o feitiço, a boquinha incontrolável de Parker o levou a uma confusão que acarretou na abertura do multiverso e trouxe para o MCU todos os vilões que, em outras dimensões, conhecem a identidade secreta do herói (Duende Verde, Doutor Octopus, Homem-Areia, Lagarto e Electro).

Como é possível perceber só pelo breve resumo acima, Sem Volta para Casa tinha tudo para se transformar em uma bagunça generalizada – e só não o é graças a um pequeno milagre operado pelo diretor Jon Watts e pelos roteiristas Chris McKenna e Erik Sommers, que conseguem (re)introduzir vilões de universos diferentes e explorar os diversos dramas provocados por eles com uma coesão que faltou a Homem-Aranha 3 e, principalmente, O Espetacular Homem-Aranha 2. Na verdade, confesso que, durante toda a primeira metade da trama, julguei estar assistindo a um dos piores capítulos da série, já que tudo que me incomodava nos capítulos anteriores estava se repetindo: sempre que Watts chegava perto de criar uma cena emocionalmente eficiente, surgia a necessidade de enfiar uma piadinha sem graça envolvendo Flash Thompson, Ned Leeds ou Happy Hogan, quebrando a emoção que vinha sendo bem construída até então e desperdiçando todo o potencial dramático da premissa ao nos fazer acreditar que nenhum drama que saísse dela teria peso – o mesmo se aplicando às atitudes estúpidas de Peter, que pareciam existir apenas para provocar agonia no espectador.

Mas aí, quando tudo parecia perdido, surgem os braços de Otto Octavius em meio a uma autoestrada e, em especial, o Duende Verde de Willem Dafoe – e, se faço parecer que o filme melhorou graças à simples presença destes vilões conhecidos, esclareço que o mérito vai muito além de um mero fan service (embora, sim, Octavius repita uma ou outra frase familiar e a trilha de Michael Giacchino resgate ecos dos temas criados para aqueles personagens nos outros longas). Beneficiando-se do fato de suas origens já terem sido construídas por Sam Raimi e Marc Webb, não precisando perder tempo de tela recontando-as, Sem Volta para Casa incorpora os vilões à sua trama de forma orgânica e equilibrada (sem que um tome o espaço do outro), tratando seus retornos menos como um catalisador de nostalgia e mais como a chegada natural de indivíduos que terão seus próprios arcos, diálogos e funções narrativas desenvolvidas dali em diante – e não só o Octopus de Alfred Molina tem a chance de se salvar como até o Electro de Jamie Foxx põe um ponto final na crise de inveja que o motivou, sendo interessante como Jon Watts enfoca sua conversa com o Homem-Areia (na qual discutem os acidentes que os originaram) com absoluta casualidade.

Quando não estão compartilhando ideias e vivências individuais, contudo, os cinco vilões estão no mínimo servindo para avançar com a trama e – o mais importante – com a jornada de Peter Parker, já que o objetivo do herói a partir da segunda metade da trama se torna salvar aqueles personagens das mortes certas que terão caso retornem aos seus universos; o que funciona para estabelecer um dos aspectos basilares da persona do Aranha: sua moralidade, que aqui se faz presente no fato de ele acreditar (de forma até ingênua) que, por mais brutais que sejam, aqueles vilões ainda são dignos de empatia – e isto serve tanto para apresentar a discussão sobre “segundas chances” que a obra levanta quanto para exemplificar o bom-mocismo que, afinal, é o que transforma Peter em herói (e que será posto à prova pelo Duende Verde, como discutirei adiante), levando-o a um conflito moral inesperado com o Doutor Estranho, já que este não hesita em querer sacrificar os vilões em prol da salvação do multiverso. Aliás, é bacana que o mago vivido por Benedict Cumberbatch não se apresente como um “mentor” do Homem-Aranha (como tendia a ocorrer com o Tony Stark de Robert Downey Jr. e que fazia Peter soar como um mimado que tinha tudo na mão), chegando perto de ser enfocado até como antagonista por Jon Watts.

Watts, por sinal, demonstra uma clara evolução aqui: seja por estilo ou por um propósito claro de narrar algo imageticamente (o dolly zoom para ilustrar tanto a tensão dos personagens quanto o “sentido de aranha” em ação), o cineasta e o diretor de fotografia Mauro Fiore ocasionalmente surpreendem por nem sempre se limitarem ao bê-á-bá que definiu os filmes passados (nos quais a direção burocrática de Watts se limitava a apenas ilustrar o que estava descrito no roteiro) – e o momento em que acompanhamos Peter da cozinha à sala enquanto pressente algo errado com o Duende Verde é hábil ao prolongar um suspense a ponto de refleti-lo no espectador. Aliás, o cuidado do diretor nestas cenas é tão notável que me faz querer relevar toda a mediocridade das sequências de ação, que, infelizmente, se resumem à mesmice de todos os filmes do MCU, falhando em explorar as possibilidades visuais dos poderes dos personagens (algo que Sam Raimi tirava de letra) e tornando-se visualmente confusas graças ao excesso de cortes e à câmera inquieta – o que se complica ainda mais no terceiro ato, que, ambientado todo sob a escuridão da noite, dificulta até a simples tarefa de distinguir um herói/vilão do outro.

De todo modo, até mesmo esta pobreza nas sequências de ação acaba sendo reveladora em um filme de super-herói que surpreende por se mostrar muito mais interessado (e interessante) na intimidade, em menor escala, de seus personagens do que na pirotecnia em si. Neste sentido, é apropriado não só que boa parte da dinâmica entre os heróis e os vilões se passe num apartamentinho apertado, mas também que (e, a partir daqui, vale o alerta de spoilers!) o aguardado retorno das versões de Andrew Garfield e Tobey Maguire seja enfocado por Watts sob uma perspectiva despojada e, acima de tudo, casual, em nada remetendo, por exemplo, à imponência épica e majestosa que marcou a sequência dos portais no clímax de Vingadores: Ultimato. Aliás, a volta de Garfield e Maguire, como não poderia deixar de ser, representa um dos pontos altos de Sem Volta para Casa, já que, ao contrário do recente Ghostbusters: Mais Além (no qual os atores dos filmes clássicos retornavam nos 10 minutos finais para salvarem uma obra até então decepcionante), aqui as participações dos Aranhas anteriores ocupam todo o terceiro ato e têm a função clara de agregar ao arco do Peter de Tom Holland, colocando o protagonista nos eixos em vez de se resumir a um gatilho para os gritos empolgados dos fãs – e não é à toa que, assim como ocorre com os vilões, as conversas entre Holland, Garfield e Maguire soam não como uma forma de somente aludir a momentos icônicos dos outros filmes, mas como legítimas trocas de experiências entre três indivíduos com vivências diferentes.

Também não é coincidência que as duas melhores lutas da narrativa (aquela num prédio e o duelo final entre Peter e o Duende) sejam justamente as que contam com um envolvimento íntimo e emocional mais definido – afinal, é isto o que verdadeiramente importa para Jon Watts: mais significativo que o espetáculo em si é o drama de Peter tendo que sofrer as consequências de seus atos estúpidos para finalmente crescer como herói e aprender que, como disse tio Ben lá no primeiro Homem-Aranha de Sam Raimi, “Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”. Sim, o Peter Parker do MCU sempre esteve disposto a fazer o bem, mas faltava-lhe algo que o fizesse perceber aquilo que a tia May ensinou em Homem-Aranha 2: “às vezes, para fazermos o certo, temos que abdicar de tudo aquilo que conquistamos, até de nossos sonhos”.

E o fato de a vítima aqui ser justamente May ajuda não só a criar coesão com as atitudes do Duende Verde em 2002 (lá ele mandava a senhorinha para o hospital a fim de ameaçar Peter), mas também a posicioná-lo como o grande vilão de todas as três versões do Aranha (afinal, lembrem-se que foi um outro Duende quem matou Gwen Stacy no universo do Peter de Andrew Garfield), transformando o conflito final entre a versão de Tom Holland e o vilão do sempre brilhante Willem Dafoe (que aqui encarna magistralmente tanto a dor e o desnorteamento de Norman Osborn quanto seu sadismo) no clímax não de um, mas de oito filmes.

Que Peter termine optando por não se vingar do Duende Verde é um testemunho não só do bom trabalho feito por May ao ensinar-lhe o caminho certo, mas também do caráter de um super-herói que vem conquistando e mantendo nosso carinho ao longo de quase 60 anos e que finalmente se mostrou completo em sua versão para o MCU.

Uma questão mais delicada:

Já tinha acontecido com Vingadores: Ultimato e voltou a acontecer com Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Num país sem Ministério da Cultura, que deixou de investir no setor cultural e que deixou a cota de tela vencer sem renovação pelo Congresso, o mais novo longa da Marvel estreou em um número tão descabido de salas que somente uma palavra pode descrever sua estratégia de distribuição: monopólio. Desta vez, contudo, a situação é ainda pior: se o lançamento de Ultimato tomou 80% dos cinemas do Brasil para si (o que já era surreal), estima-se que o de Homem-Aranha tenha dominado nada menos que 96% do circuito nacional. Noventa e seis porcento!

Ou seja: se você buscar dez salas de cinema ao redor de todo o Brasil, terá não só garantia de que nove estarão passando um único filme, mas fortes chances de que a décima também esteja. E é claro que, embora se trate de uma tática obviamente predatória, muitos fanboys correrão para defendê-la com argumentos do tipo “oferta e demanda”, “dominou foi pouco” e “isso é ótimo porque tira de vez aqueles filmes brasileiros horríveis de cartaz” (curiosamente, costumam ser os mesmos que trazem palavras como “patriota”, “libertário” e “bitcoin” em suas bios).

Porém, o que estas pessoas não entendem (na maioria dos casos, parecem fazer questão de não entender) é que: 1) não há “oferta e demanda” quando somente um produto é ofertado no mercado (e há cidades inteiras nas quais o único filme em cartaz é Homem-Aranha); 2) não é apenas a produção nacional que sai prejudicada com o monopólio de uma obra norte-americana (vocês acham que Steven Spielberg ou Lana Wachowski são cineastas brasileiros ou independentes? Pois Amor, Sublime Amor e até Matrix Resurrecions tiveram suas salas limitadas por causa do longa da Marvel!); e 3) estrear e assistir a um filme no cinema é um direito básico tanto dos realizadores quanto do público.

“Para isso, existe o streaming!”, diriam alguns. Sim, mas não. Um(a) cineasta e sua equipe, por mais independentes que sejam, têm o direito de querer que suas obras sejam vistas em tela grande e um público, por menor que seja, tem o direito de querer conferir o título de sua preferência listado entre as “estreias da semana”. Para ambos os casos, há o direito de dispor de uma salinha que seja – um direito que é tolhido quando uma única produção se apropria de todo o circuito exibidor.

E se a sua reação ao ler o último parágrafo foi a de “Ah, mas não existe público que vá ao cinema agora e que queira assistir a algo que não seja Homem-Aranha”… bom, só posso dizer que lamento sua ingenuidade e que recomendo urgentemente que você tente sair um pouco de sua bolha.

Mas também, o que esperar de um país no qual a Secretaria de Cultura é administrada por um estorvo interessado em sufocar o setor cultural até que seu fim torne-se irreversível e presidido por um psicopata patético que, além de sanguinário, autoritário e criminoso, é movido por um desejo quase sexual de destruir a nação para a qual trabalha até que não sobre nem um último grão de pó?

O que esperar do Brasil de Bolsonaro e Mario Frias, não é?

Obs.: as críticas que escrevi sobre TODOS os filmes do Homem-Aranha podem ser lidas aqui.

Assista também aos vídeos SEM e COM spoilers que gravei sobre o filme:

 

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a COVID-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)

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