É curioso que Ghostbusters: Mais Além chegue aos cinemas brasileiros exatamente na mesma data de Noite Passada em Soho: se o último trabalho do britânico Edgar Wright se revela um eficiente alerta sobre os riscos da nostalgia (capaz de nos levar a romantizar um passado muitas vezes ainda mais problemático que o presente com o qual nunca estamos satisfeitos, embora nossa memória afetiva tente nos convencer do contrário) e sobre a importância de seguir em frente com a evolução (social, cultural e humana) em vez de ficar parado no tempo, este novo capítulo da série Caça-Fantasmas se apresenta como uma obra basicamente regada a saudosismo – o que tem a vantagem de despertar no espectador uma gostosa sensação de familiaridade, mas também o empecilho de estagnar a franquia no mesmo ponto em que ela estava (e está) há quase 40 anos, bloqueando toda e qualquer tentativa de fazê-la andar para frente.
Se estabelecendo praticamente como um projeto de família, já que o diretor e co-roteirista Jason Reitman é filho do mesmo Ivan Reitman que comandou os dois primeiros exemplares da série lá em 1984 e 1989 (e que aqui assina como produtor), este Caça-Fantasmas: Mais Além (me perdoem, mas não conseguirei adotar o “Ghostbusters”; serei como aqueles que até hoje se referem a Star Wars como Guerra nas Estrelas) se estabelece como uma continuação direta daqueles longas, ignorando, com isso, o divertidinho reboot comandado por Paul Feig em 2016 e que substituía os protagonistas homens por quatro mulheres (o que foi mais que o suficiente para que as alas mais reacionárias e misóginas daqueles que se intitulam “fãs” – leia-se: os famosos nerdolas – entrassem em parafuso e esperneassem nas redes sociais, levando a atriz Leslie Jones a sair do Twitter após uma enxurrada de ataques racistas). Aqui, acompanhamos a pequena Phoebe Spengler, neta do já falecido doutor Egon que, depois de voltar à fazenda do avô e encontrar uma série de apetrechos que serão imediatamente reconhecidos pelos fãs da franquia (o carro Ecto-1, a antiga logomarca, as armadilhas para fantasmas), descobre que uma nova invasão de fantasmas está prestes a acontecer, cabendo a ela, ao irmão Trevor e ao amigo “Podcast” (pois é) salvarem a Humanidade.
Adotando a tática de O Despertar da Força de trazer protagonistas novos descobrindo e reverenciando os elementos icônicos do passado da franquia à qual pertencem, Caça-Fantasmas: Mais Além é tomado por um sentimento de nostalgia tão generalizado que muitas vezes parece nem saber direito para onde é direcionado, sendo ao mesmo tempo curioso e estranho que o saudosismo sentido por Jason Reitman remeta não só aos filmes que seu pai dirigiu, mas a todos os anos 1980 de modo geral (o que posiciona o longa ao lado de Stranger Things e It: A Coisa como parte desta onda de produções que esbanjam uma quase melancolia por não viverem mais aquela década).
O problema desta abordagem, contudo, é que ela falha em perceber que o sentimentalismo pode até funcionar quando busca gerar saudade por uma época específica, mas não quando tenta se encaixar como parte de uma franquia como Os Caça-Fantasmas – que, afinal, sempre foi uma série irreverente em seu humor e centrada em personagens dos quais gostávamos, mas com os quais não precisávamos nos emocionar por eles. Assim, quando chega o terceiro ato e um certo personagem surge em cena fazendo total uso da persona debochada e soberba que construiu ao longo das décadas (fui sutil?), o bom humor de sua performance soa totalmente incompatível com o tom emotivo que antecedeu sua aparição por quase duas horas.
Para piorar, chega um momento em que o já escasso interesse de Jason Reitman e do co-roteirista Gil Kenan em criar qualquer novidade se perde por completo, sendo frustrante como, do meio para o fim, o filme se contenta em apenas reaproveitar os mesmos conceitos, os mesmos vilões e até a mesma concepção visual do longa de 1984 (ao menos, a versão de Paul Feig era mais inventiva ao elaborar os novos gadgets das heroínas e ao adotar uma paleta mais colorida). Como se não bastasse, a forma com que Reitman conduz o ritmo da narrativa (em especial, na primeira metade) se mostra tão aborrecida que torna-se difícil acreditar na paixão que ele tinha por aquela história como um todo (por momentos isolados, sim; pelo todo, não), confundindo “criação de expectativas” com “prolongação de tempo” e tornando a primeira hora de projeção bem mais monótona do que ele mesmo gostaria que fosse. Em compensação, Reitman acerta quando tem a oportunidade de reempacotar os aspectos mais clássicos da franquia em uma embalagem nova, desde a frase “Who You Gonna Call?” dita num contexto totalmente inesperado (e, por isso mesmo, engraçado) até o ressurgimento do marshmallow Stay Puft (que, em vez de gigantesco, agora retorna multiplicado em centenas de monstrinhos numa cena cujo humor quase perverso me lembrou um pouco Joe Dante).
Aliás, estes bons instantes de humor acabam compensando o equívoco representado por toda a construção em torno de “Podcast”, que, interpretado por Logan Kim, é preso a uma única, sem graça e repetitiva piada relacionada ao fato de apresentar um podcast amador (inclusive, já é o segundo filme este ano que é parcialmente estragado por um podcaster independente). Isto é mais do que compensado, contudo, pela ótima Mckenna Grace, que vive a protagonista Phoebe e lhe confere não apenas carisma e simpatia, mas uma importante convicção que torna sua persona “criança genial” convincente em vez de forçada (como costuma acontecer neste tipo de filme). Já Carrie Coon encarna Callie Spengler como uma mulher resiliente e cuja personalidade ativa e bem-humorada a torna ainda mais interessante, ao passo que Paul Rudd… bem, é Paul Rudd (e isso basta para render pelo menos um risinho aqui e outro ali). Mas o grande atrativo de Mais Além, como não poderia deixar de ser, está em seu terceiro ato, que, assumindo de vez o teor de fanfic do projeto, consegue emocionar ao “passar o bastão” de uma geração à outra e ainda termina numa dedicatória tocante a Harold Ramis que me pareceu sincera em vez de meramente oportunista.
Trazendo uma cena pós-créditos que é hábil ao desenvolver e aprofundar um velho personagem (que prefiro manter em sigilo) com uma eficácia que os dois originais jamais haviam conseguido, Caça-Fantasmas: Mais Além é uma obra tão solene e sentimental que ao final, quando o marcante e divertido tema de Ray Parker Jr. embala os créditos, torna-se difícil conciliá-lo ao clima quase melancólico que o antecedeu por duas horas. O que diz muito sobre as virtudes e as fraquezas deste novo Ghostbusters.
Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme: