A ideia de refilmar uma obra não costuma me incomodar – afinal, existem certos filmes que podem até se beneficiar de novas roupagens, permitindo que os cineastas não apenas modernizem o que já havia sido feito como também corrijam uma ou outra falha que o original pudesse ter. Por outro lado, confesso que tenho certa resistência em relação à atual tendência da Disney de recriar alguns de seus clássicos, já que o simples ato de transformar um desenho em live-action traz alguns obstáculos difíceis de contornar: se a animação oferece aos realizadores a oportunidade de imaginar personagens, criaturas e mundos fictícios que se destacam justamente por serem caricatos, jamais tentando simular nenhum tipo de realismo, esta liberdade tende a se perder quando substituída por atores em carne-e-osso, já que estes são… realistas por natureza. Umas apostas obtiveram bons resultados (Mogli: O Menino Lobo; Christopher Robin); outras, nem tanto (Alice no País das Maravilhas; Alice Através do Espelho; A Bela e a Fera).
Dito isso, esta nova versão de Aladdin, comandada por Guy Ritchie, me surpreendeu ao abraçar sem reservas a atmosfera lúdica, caricata e multicolorida que já prevalecia na (ótima) animação que Ron Clements e John Musker dirigiram em 1992 – e, se não acerta sempre, ao menos representa uma experiência divertida o bastante para compensar seus eventuais tropeços. Escrito por John August e pelo próprio Ritchie, o roteiro lida basicamente com a mesma história que vimos no original (e que, por sua vez, inspirava-se num dos contos d’As Mil e Uma Noites): na cidade de Agrabah, localizada no deserto árabe, o ladrão Aladdin se apaixona por Jasmine, a filha do governante Sultão. Após perceber que dificilmente poderia se aproximar da jovem – afinal, como uma princesa andaria de mãos dadas com um ladrão? –, o personagem-título é requisitado para uma missão importante: encontrar a lâmpada do Gênio, capaz de realizar até três desejos feitos por seu amo. Ao mesmo tempo, Aladdin ainda terá que impedir os planos do vilão Jafar, que quer roubar a lâmpada e usá-la para destronar o Sultão.
Sem jamais sucumbir à tentação de transformar uma narrativa essencialmente infanto-juvenil em algo sombrio ou “adulto” (lembrem-se de Tim Burton, que tentou conferir ares mais pesados e grandiosos à história de Alice e falhou miseravelmente), Ritchie escancara suas intenções logo nos primeiros minutos da projeção, que engatam dois números musicais em sequência (Arabian Nights e One Jump Ahead) e combinam misticismo, bom humor e agilidade de maneira eficiente. Neste sentido, a designer de produção Gemma Jackson e o figurinista Michael Wilkinson acertam ao investir em cores múltiplas e saturadas que, além de plasticamente bonitas, tornam o resultado ainda mais lúdico (o momento em que dois personagens estão prestes a se casar, por exemplo, contrapõe o amarelo do pôr-do-sol às roupas azuis, verdes e vermelhas que compõem a cena). Aliás, para um filme dirigido por Guy Ritchie, Aladdin se mostra surpreendentemente contido: evitando os vícios que funcionaram bem em seus primeiros trabalhos (Snatch: Porcos e Diamantes; Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes) e comprometeram alguns de seus últimos (Rei Arthur), o cineasta conduz a narrativa com a leveza que se espera de uma aventura como esta.
Por outro lado, isso também é sinal de que a Disney provavelmente cerceou a visão de Ritchie, impedindo o diretor de usufruir de montagens entrecortadas, diálogos rápidos, movimentos de câmera dinâmicos e outros elementos que sempre fizeram parte de seu estilo habitual – e por mais que eu não seja particularmente fã de Ritchie, há um lado idealista meu que sempre acha uma pena quando um realizador (goste ou não goste) tem sua assinatura diminuída por um estúdio. Como se não bastasse, existem alguns momentos onde podemos sentir que o verdadeiro Ritchie está tentando alcançar alguma voz: em certo instante, há um efeito mais elaborado para ilustrar alguma ação do Gênio; mais tarde, um travelling brusco vai de um canto de Agrabah até o rosto do personagem-título, que encontra-se em outro ponto da cidade; logo em seguida, um plano em câmera lenta que mostra o macaquinho Abu voando por aí; etc – o problema é que, mesmo representando um pouquinho da identidade do diretor, esses trechos não combinam com a abordagem estética que permanece no restante da projeção, o que é sintomático.
Mas não é só: se a primeira metade de Aladdin exibe força e vitalidade, a segunda se concentra demais em situações que, honestamente, pouco acrescentam à trama, podendo ser encurtadas ou até mesmo descartadas – e as constantes piadinhas agravam esta sensação de inchaço, já que Ritchie faz questão de esticá-las a ponto de perderem completamente a graça (o momento em que Aladdin se reapresenta para Jasmine, desta vez fingindo ser o príncipe “Ali Ababwa”, é um exemplo disso). Além disso, o terceiro ato revela-se um imenso desapontamento, apresentando efeitos visuais cada vez mais irregulares (o uso de greenscreen, em especial, é pavoroso) e comprovando que, àquela altura do campeonato, o filme realmente já tinha perdido o fôlego há um bom tempo. Para completar, há também o detalhe mais óbvio: o fato de o roteiro basicamente repetir tudo que havia sido visto em 1992 – e por mais que August e Ritchie invertam a ordem de certos acontecimentos, isto não é o suficiente para trazer frescor à história.
Em compensação, Aladdin é favorecido pelo carisma surpreendente de seu elenco: eficiente ao encarnar a personalidade debochada e encrenqueira do personagem-título, Mena Massoud revela uma irreverência que leva o espectador a sempre simpatizar com o protagonista, ao passo que Naomi Scott vive uma Jasmine infinitamente mais ativa e forte do que a donzela em apuros que havia no original. Mas quem rouba o filme é mesmo Will Smith, que executa muitíssimo bem uma tarefa complicada (assumir um papel que, no passado, pertenceu ao brilhante Robin Williams), mantém o timing cômico afiado do início ao fim, exibe dinamismo em sua performance corporal e – o mais inesperado – confere peso às dores eventualmente sentidas pelo Gênio. Já Marwan Kenzari falha em transformar Jafar num vilão marcante, entregando-se ao over acting sem nunca resgatar a voz grave e ameaçadora da versão de 1992.
Encontrando espaço para incluir pequenas novidades em algumas das canções (notem o rápido beatbox no meio de Friend Like Me), o novo Aladdin reconhece a importância do original a ponto de fazer uma ou outra piada autorreferencial divertida (ao terminar seu número musical, o Gênio pergunta “Ué, vocês não vão aplaudir?“, dando a deixa para que o encantamento seja celebrado não só pelos personagens, mas pelo próprio público). Não é um filme que precisava ser feito, é verdade, mas… foi feito mesmo assim. E se não alcança o nível da animação original, tampouco a embaraça.