À l'abordage (1)

Título Original

À l’abordage!

Lançamento

4 de agosto de 2021

Direção

Guillaume Brac e Catherine Paillé

Roteiro

Guillaume Brac

Elenco

Eric Nantchouang, Salif Cissé, Édouard Sulpice, Asma Messaoudene, Ana Blagojevic, Lucie Gallo, Martin Mesnier, Nicolas Pietri, Cécile Feuillet e Jordan Rezgui

Duração

96 minutos

Gênero

Nacionalidade

França

Produção

Grégoire Debailly

Distribuidor

Mubi

Sinopse

Félix e Alma se conhecem em uma noite de verão em Paris. Ele decide surpreendê-la no lugar onde a família dela está de férias no sul e chama o melhor amigo para uma aventura transformadora.

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À l’abordage! | Crítica

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De certa maneira, À l’abordage! é o filme perfeito para marcar este período no qual, depois de dois longos anos de uma pandemia que ainda não acabou (pelo contrário: continua se manifestando com força), ao menos podemos encontrar espaço para retornar a algumas atividades com mais segurança e, principalmente, reencontrar alguns rostos queridos dos quais tivemos que ficar distantes por tanto tempo. Em uma viagem que dura breves 96 minutos, o francês Guillaume Brac (Um Mundo Sem Mulheres, Contos de Julho, A Ilha do Tesouro) leva o espectador a redescobrir e a se reapaixonar por um dos maiores prazeres que a vida pode oferecer e que, graças a esta maldita pandemia, fomos obrigados a perder por tempo o suficiente para que sentíssemos genuína dor em função disso – e para que tornasse ainda maior a empolgação de reencontrá-lo após dois anos.

E que prazer tão magnânimo é este a qual me refiro? Simples: o de poder encontrar um amigo, dar uma volta com ele e passar horas batendo papo, gargalhando, afogando mágoas, compartilhando experiências, planejando viagens que provavelmente nunca acontecerão, etc.

Produzido em parceria com o Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática de Paris, que ofereceu a alguns de seus alunos a oportunidade de estrelarem o projeto dirigido por Brac, À l’abordage! é um filme pequeno em escala e em verba de produção (como já deve ter dado para perceber pelo detalhe de produção que contei no início do parágrafo) – e, talvez justamente por isso (por não lidar com valores exorbitantes e equipes gigantescas), o diretor se sinta livre o bastante para empregar seu minimalismo como uma forma de olhar para dentro dos sentimentos mais íntimos de seus personagens, contrapondo o tamanho “pequeno” da produção ao turbilhão de emoções que desperta no espectador a partir de seus irresistíveis personagens. Inclusive, nem acredito que valha muito a pena tentar elaborar um resumo da trama de À l’abordage!, já que, na prática, o interesse do filme é menos contar uma história e mais se concentrar nos momentos (quase) isolados que marcam a viagem de dois amigos, Félix e Chérif, e um motorista, Édouard, que sem querer lhes dá carona até uma comuna no Sul da França a fim de deixá-los passar uma semana de férias e permitir que Félix possa reencontrar Alma, uma jovem com quem ficou por uma noite alguns dias antes – e que, no entanto, não se mostra muito satisfeita com a chegada-surpresa do protagonista.

Diretor cujo estilo particular costuma ser marcado mais pela simplicidade do que por traços que chamem a atenção para si, Guillaume Brac é um cineasta preocupado mesmo com os pequenos acontecimentos do agora e com as trivialidades que constituem o cotidiano dos personagens que retrata, transformando a câmera em À l’abordage! em uma janela através da qual observamos os anseios, os prazeres e as frustrações de três jovens comuns cujos problemas/dilemas internos são absolutamente compatíveis, afinal, com a idade e com a situação (férias de verão) na qual se encontram. (Neste aspecto, fica fácil entender por que muitos frequentemente comparam Brac ao mestre Éric Rohmer.) No entanto, a sutileza (do roteiro à mise-en-scène) da abordagem de Brac não o impede de salpicar uma série de pequenas discussões dentro dos diálogos que concebe: há o fato de Félix e Chérif serem negros em meio a um país notoriamente racista, tornando as intenções dos brancos ao seu redor temerárias; há o fato de os homens na narrativa (em especial, Félix) esconderem, por baixo de uma capa de virilidade e autocontrole, uma fragilidade emocional notória que resulta em explosões desproporcionais; há o fato de Alma se aproveitar de sua condição privilegiada para tratar Félix com desprezo quase absoluto, sem se importar com seus sentimentos.

Tudo isso, porém, o filme inclui no meio de conversas que essencialmente não giram em torno destes assuntos, mas que acabam tangindo-os por serem… naturais, inevitáveis e, de certa forma, esperadas em qualquer conversa que ocorra no século 21.

Mas há outra coisa igualmente esperada, inevitável, e que À l’abordage! discute de maneira incisiva do início ao fim: a completa imprevisibilidade da vida, que se torna ainda mais inequívoca – e assustadora – na juventude, quando acreditamos já saber tudo de que precisamos saber sobre a vida e constantemente quebramos a cara ao descobrir que nada sabíamos. Antes de receber Félix e Chérif, Édouard esperava encontrar duas garotas (com o propósito óbvio de tentar algo com elas), se frustrou, mas acabou virando amigo dos dois caras; Félix esperava iniciar um relacionamento com uma garota com quem ficou por uma noite (uma expectativa ingênua que, claro, é habitual nesta idade), se decepcionou, mas, no processo, aprendeu a valorizar ainda mais sua amizade com Chérif. Que, ao contrário de Félix, embarcou na viagem com as piores expectativas possíveis e nela acabou encontrando algo (a amizade com a mãe solteira Héléna e sua filha bebê, Nina) que não só o fez sentir-se minimamente importante (ao contrário do que a vida e seu antigo emprego faziam), mas que também o fizesse… amar e ser amado.

Porque a vida tem destas: às vezes, arranca algo de nosso caminho – e nos frustra terrivelmente com isso – para depois compensá-lo com outra coisa infinitamente mais valiosa. E é claro que, na juventude (quando ainda não somos vividos o bastante), o choque da desilusão soa muito mais dilacerante, assim como o entusiasmo da surpresa é capaz de nos levar a um imensurável estado de graça.

Se À l’abordage! encanta, é em função da amizade de três jovens que, por conta da idade e de tudo que ainda não viveram, extraem o máximo possível de vitalidade e encantamento dos pequenos momentos que experimentam juntos – e é apropriado, portanto, que boa parte da projeção se dedique a somente mostrá-los pelo tempo que Guillaume Brac julgar necessário (independente se estes “contribuem” para levar a narrativa adiante, já que isso simplesmente não importa neste caso).

São momentos de alegria como os experimentados pelos protagonistas de À l’abordage! que, afinal, tornam a vida digna de ser vivida.

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