O Beco do Pesadelo

Título Original

Nightmare Alley

Lançamento

27 de janeiro de 2022

Direção

Guillermo del Toro

Roteiro

Guillermo del Toro e Kim Morgan

Elenco

Bradley Cooper, Rooney Mara, Cate Blanchett, Toni Collette, David Strathairn, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Ron Perlman, Mark Povinelli, Mary Steenburgen, Peter MacNeill, Holt McCallany, Paul Anderson, Jim Beaver, Clifton Collins Jr., Tim Blake Nelson, David Hewlett, Lara Jean Chorostecki, Stephen McHattie e Dian Bachar

Duração

150 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Guillermo del Toro, Bradley Cooper e J. Miles Dale

Distribuidor

Universal Pictures

Sinopse

Quando o carismático, mas sem sorte, Stanton Carlisle se torna querido para a vidente Zeena e o seu marido mentalista Pete numa feira itinerante, ele ganha um bilhete dourado para o sucesso, usando o conhecimento adquirido com eles para ludibriar a elite rica da sociedade de Nova Iorque dos anos 1940. Com a virtuosa Molly lealmente ao seu lado, Stanton planeia enganar um magnata perigoso com a ajuda de uma psiquiatra misteriosa que pode vir a ser sua melhor adversária.

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O Beco do Pesadelo | Crítica

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Diretor que já nos anos 1990, em seus trabalhos iniciais (e de baixo orçamento), denotava voz e personalidade próprias, o mexicano conseguiu articular, ao longo das décadas seguintes, uma carreira consistente que fez jus à promessa inicial e que mostrava-se não só única, como também muito pessoal em sua maneira quase infantil de exercitar a imaginação visual do cineasta, criando narrativas que frequentemente soam lúdicas como um conto de fadas embora carregadas de sexo e, principalmente, violência gráfica – e sem que estes diminuíssem, em retrospecto, o caráter fabulesco das tramas (como atestam O Labirinto do Fauno e A Forma da Água). Além disso, del Toro teve a oportunidade de libertar sua “criança interior” em projetos voltados para o grande público e que, mesmo lidando com os interesses mercadológicos dos vários executivos ao redor, nem por isso sacrificaram a voz ou a imaginação do cineasta – ora no campo das adaptações de quadrinhos (Blade 2, os dois Hellboy), ora inspirando-se nos antigos tokusatsu centrados monstros gigantes (Círculo de Fogo).

E é por isso que me dói admitir que enquanto assistia a O Beco do Pesadelo, novo longa dirigido, escrito e produzido pelo mexicano, tive várias vezes a sensação de que, após sei lá quantos anos, estava finalmente começando a ficar cansado de Guillermo del Toro.

Baseado no livro O Beco das Ilusões Perdidas, escrito por William Lindsay Gresham em 1946 e adaptado pela primeira vez ao Cinema por Edmund Goulding no ano seguinte (com o título de O Beco das Almas Perdidas), este novo filme se estabelece basicamente como uma refilmagem da versão de 1947 e conta a história de Stanton Carlisle, um homem misterioso que, imediatamente após a morte do pai, decide vagar pela estrada em busca de um novo rumo. Tudo muda assim que Stanton se depara com um circo itinerante e se oferece para trabalhar para o dono Clem Hoately – que, para a sorte do protagonista, o contrata. A partir daí, Stanton se aproxima de dois integrantes da trupe, a vidente Zeena e seu marido Pete, que o ensinam uma série de truques para convencer o público de que é clarividente e, com isso, ganhar uns trocados através destes truques. Assim, após aprender o suficiente para poder tirar proveito de qualquer um que se interesse em seus “poderes”, Stanton começa a namorar outra integrante do circo, Molly, e com ela parte para Nova York a fim de tentar uma vida como vidente – desta vez, ludibriando os magnatas que o prestigiam em apresentações luxuosas. Para isso, o sujeito contará com a colaboração da ambígua psiquiatra Lilith Ritter, cujas estranhas intenções permanecem ocultas até o final.

Aliás, ambiguidade é algo presente em boa parte dos personagens de O Beco do Pesadelo e que apontam justamente para uma das influências mais óbvias deste trabalho de del Toro: o Cinema noir. Dos figurinos usados pelos atores (chapéus, sobretudos, vestidos e batons de femme fatale) à fotografia do sempre ótico Dan Laustsen (que mergulha os intérpretes e os cenários em sombras e fumaças, muitas vezes gerando a impressão de estarmos num sonho), o filme é eficiente ao estabelecer sua conexão com o noir especialmente ao retratar o caráter moralmente ambíguo, duvidoso, dos personagens – uma característica fundamental daquele gênero que muitos falham em compreender ao tentarem “se inspirar” nele e terminarem replicando apenas a estética daquele. Com isso, Bradley Cooper faz um ótimo trabalho ao conferir a dose certa de frieza a Stanton Carlisle, impedindo que seu carisma natural nos faça simpatizar em maior ou menor grau com ele (o que seria um erro crasso) – e, assim, o protagonista se revela interessante por deixar o espectador incerto quanto à dimensão de sua canalhice (que é demonstrada em doses menores ao longo de todo o filme, mas é exposta em sua totalidade no terceiro ato), ao passo que Cate Blanchett, com seu talento habitual, incute a arrogância que Lilith Ritter necessita para que desconfiemos dela, mas ainda assim subestimemos os limites de seu caráter (ou falta de).

O que é curioso, porém, é que esta relação de del Toro com o noir é apenas uma das prioridades de O Beco do Pesadelo – e, infelizmente, é daí que vêm as decepções do projeto como um todo, já que, no fim das contas, estes flertes com o gênero que mencionei no parágrafo anterior acabam constituindo um filme que, embora interessante e eficiente, soa perdido no meio de outro maior, que abarca intenções narrativas e estilísticas além das que já discuti, mas que nunca consegue fazê-las funcionar em harmonia, em conjunto. Na verdade, ao longo de (intermináveis) 150 minutos, Guillermo del Toro parece disparar para todos os lados, tomando tangentes que serão abandonadas logo em seguida e que, sinceramente, pouco acrescentam ao conjunto da obra e – o pior – carecem de uma unidade estilística, narrativa ou dramática. Com isso, o primeiro ato gasta um tempo considerável estabelecendo o funcionamento daquele circo e as relações entre Stanton e vários outros personagens (dando a entender que a “mística” daquele ambiente e daquelas pessoas pautará o teor da narrativa inteira) somente para… mudar completamente de rumo (no caso, a ambientação noir da Nova York dos anos 1940) – um rumo que parece interessante, mas que, novamente, se perde nas próprias tangentes, custando a achar um foco narrativo ou mesmo um propósito que as justifique.

Pois “propósito” é a palavra-chave para definir tudo aquilo que falta a O Beco do Pesadelo: quem me conhece ou lê o que escrevo sabe que não só não tenho problemas com obras que se resumem a um “exercício de estilo” como as considero fundamentais de uma forma ou de outra (isto é um outro jeito de dizer que discordo radicalmente daquele mantra bobo de que “o roteiro é a alma do filme”). O problema deste longa em questão, porém, vai além disso: não é só questão de “estilo sem substância” (o que, vale dizer, também considero que este filme seja); é questão de que os estilos (no plural) que O Beco do Pesadelo tenta conciliar (sem sucesso, como já falei, pois carecem de uma unidade que as faça funcionar em conjunto) me parecem jogados quase que ao acaso por del Toro, como se fossem resultantes não do ímpeto natural do cineasta de propor um exercício de estilo autêntico, mas da necessidade sentida por ele de lançar um longa novo (mesmo sem ter ideia ou objetivo que o motive) e de incluir tudo aquilo que o público espera encontrar em um “filme de Guillermo del Toro”, seguindo uma espécie de checklist de marcas registradas dele mesmo – todas conduzidas no piloto automático, sem (de novo!) um propósito.

Neste sentido, O Beco do Pesadelo me fez voltar a sentir um temor que A Colina Escarlate despertou em mim e que foi camuflado pelo êxito de A Forma da Água logo a seguir: o de que Guillermo del Toro pode estar começando a seguir os mesmos passos de Tim Burton nos últimos 30 anos. Ambos são cineastas obviamente talentosos e com traços estilísticos sólidos, evidentes, bem definidos. No caso de Burton, contudo, estas “marcas registradas” aos poucos deixaram de surgir em obras que as empregassem de forma consistente e passaram a se tornar meras muletas para um diretor que há muito carecia de inspiração, mas que já tinha criado para si uma “lista de afazeres”. Com isso, a maioria dos trabalhos que Burton dirigiu de meados dos anos 1990 para cá soam… estranhos: eles contêm os traços particulares do cineasta, mas estes parecem dispersos, “pendurados” no piloto automático por um autor que há muito virou uma caricatura dele mesmo.

Que não seja o caso de Guillermo del Toro.

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a COVID-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)

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