Top Gun (1)

Título Original

Top Gun: Maverick

Lançamento

26 de maio de 2022

Direção

Joseph Kosinski

Roteiro

Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie

Elenco

Tom Cruise, Jennifer Connelly, Miles Teller, Jon Hamm, Glen Powell, Lewis Pullman, Ed Harris, Val Kilmer, Monica Barbaro, Charles Parnell, Jay Ellis, Danny Ramirez, Greg Tarzan Davis, Manny Jacinto, Jack Schumacher, Bashir Salahuddin, Jake Picking, Raymond Lee, Lyliana Wray, Jean Louisa Kelly, Chelsea Harris, Anthony Edwards e Meg Ryan

Duração

131 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Tom Cruise, Jerry Bruckheimer, Christopher McQuarrie e David Ellison

Distribuidor

Paramount Pictures

Sinopse

Depois de mais de 30 anos de serviço como um dos principais aviadores da Marinha, Pete “Maverick” Mitchell está de volta, rompendo os limites como um piloto de testes corajoso. No mundo contemporâneo das guerras tecnológicas, Maverick enfrenta drones e prova que o fator humano ainda é essencial.

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Top Gun: Maverick | Crítica

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Em 2016, ano em que completei 18 anos, fui obrigado a comparecer a um quartel militar e me apresentar para o exército, já que o alistamento ainda é compulsório no Brasil – o que é um absurdo*. A experiência em si beirou o insuportável, mas também foi reveladora: boa parte daqueles soldados, capitães, generais, etc (não todos, vale dizer) se comunicavam aos berros, vociferando não só palavras de ordem, mas ofensas, deboches e humilhações cruéis – e, sim, completamente desnecessárias – contra os jovens ali presentes. Ainda assim, confesso que identifiquei um caráter performático (e apelativo) naqueles arroubos de agressividade, como se os indivíduos em questão se comportassem de forma violenta e grosseira com o propósito único de… se provarem “mais homens” que seus colegas de quartel. Em outras palavras: havia ali uma disputa por status, uma briga patética para descobrir qual daqueles caras soava mais “másculo” aos olhos dos “parças”, como se o tamanho (físico ou metafórico) de seus pênis importasse mais do que suas patentes.

Não à toa, lembrei disso esta semana quando, em preparação para a estreia de Top Gun: Maverick, parei para assistir ao filme que o inspirou: segundo longa da filmografia do saudoso Tony Scott (irmão de Ridley), Top Gun: Ases Indomáveis foi lançado há 36 anos e ajudou a deslanchar não só a carreira de seu diretor, mas também a do astro Tom Cruise e, claro, a do produtor Jerry Bruckheimer, que acabara de emplacar os sucessos de Flashdance e Um Tira da Pesada e, nas décadas seguintes, viria a engatar uma série de outros projetos de grande orçamento (e de qualidades oscilantes) ao lado de cineastas como Michael Bay, Gore Verbinski, Joel Schumacher e o próprio Tony Scott. O que era interessante em Top Gun, contudo, era o fato de se tratar de uma obra que caminhava numa linha tão tênue que permitia leituras teoricamente opostas: por um lado, podia ser encarada exatamente como o que era – uma propaganda descarada e ufanista para o exército norte-americano, exaltando toda a “virilidade” de seus soldados –; por outro, era também dotada de uma surpreendente tensão que provinha justamente da masculinidade de seus personagens, que pareciam estar o tempo todo buscando se provar uns para os outros (e muito se fala sobre como parecia haver mais tensão sexual entre os soldados de Tom Cruise e Val Kilmer do que entre o protagonista e seu par romântico, vivido por Kelly McGillis).

Em outras palavras: era um filme heterotop que, ainda assim, parecia prestes a explodir de tesão pelos corpos sarados e suados que surgiam em cena e que entravam em conflito uns contra os outros – e, neste sentido, a escolha de Tony Scott para dirigir o longa não poderia ser mais apropriada, já que o (excelente) diretor conseguia imprimir uma estilização a seus trabalhos que, no caso de Top Gun, servia para tornar o filme ainda mais sexy (sim, a palavra é esta) de um ponto de vista puramente estético, realçando a temperatura alta e a beleza plástica não só das composições, mas dos personagens que nelas habitavam (e nem preciso mencionar a conotação fálica que os caças assumem a partir daí, certo?). Não estava precisamente entre os melhores trabalhos de Tony Scott, é verdade, mas era uma obra cuja abordagem sensual e fogosa sugeria uma ambiguidade que instigava o espectador a tentar “desvendá-la”.

Assim, não é surpresa que este Top Gun: Maverick já comece recriando a abertura do longa de 1986, já que as decisões estéticas de Tony Scott para aquele filme tornaram-se tão marcantes que dificilmente deixariam de ser emuladas aqui. O que talvez seja inesperado, portanto, é que esta continuação tardia parece ter absorvido a passagem dos 36 anos que a separaram do original – a ponto de que toda a sensualidade existente na abordagem de Scott foi drenada em prol de um direcionamento menos ambíguo e mais focado na ação, na aventura e, claro, nas maluquices que Tom Cruise insistirá em fazer por conta própria. Escrito a seis mãos por Ehren Kruger (Pânico 3), Eric Warren Singer (Trapaça) e Christopher McQuarrie (Jack Reacher e os dois últimos Missão: Impossível), o novo longa reencontra o piloto Pete “Maverick” Mitchell cerca de três décadas após os eventos do original e, desta vez, sendo convocado para treinar uma equipe de jovens pilotos e que serão mandados para uma guerra contra um exército de vilões sem rosto (e que o filme convenientemente identifica apenas como “uma nação inimiga da OTAN”).

Adotando a velha premissa dos “heróis do passado que agora ressurgem para treinar e passar o bastão a uma nova geração de benfeitores”, Top Gun 2 é um filme que exala o mesmo espírito intenso e rebelde do próprio Maverick no original, mas reflete também o incômodo do herói diante do envelhecimento e da obsolescência: se antes pilotar um caça era algo que só homens como Maverick eram capazes de fazer, agora a tecnologia avançou a ponto de drones executarem a mesma tarefa de forma automática, ao passo que o simples fato de o personagem-título estar três décadas mais velho do que em 1986 é o bastante para que toda uma geração de novos soldados o enxergue como uma peça de museu, como uma relíquia de tempos que há muito se foram e não voltam mais. Assim, o ímpeto desesperado de Maverick em “superar o impossível” torna-se um sinal não só de rebeldia, mas do desejo de provar para si mesmo que ainda é implacável como há 36 anos – algo que constatamos logo nos primeiros minutos da projeção, quando o protagonista pilota um caça hipersônico e faz questão de atingir – e superar – uma velocidade específica que os próprios militares por trás da operação julgavam impossível. Até o detalhe de Tom Cruise não parecer ter envelhecido um único dia nas últimas três décadas (e de continuar a ser um ator que sempre incute intensidade a cada sílaba que recita e a cada movimento de pálpebra que realiza) ajuda a sustentar esta leitura.

É apropriado, portanto, que agora o nome do protagonista surja estampando o subtítulo desta continuação, já que o filme como um todo busca absorver e refletir a percepção de Maverick com relação a si mesmo e, principalmente, seu desespero em manter-se “superando o impossível”. Neste sentido, outro aspecto fundamental para que o longa funcione dentro desta lógica é, obviamente, o fato de as cenas que se concentram nos heróis em seus caças representarem um verdadeiro espetáculo visual e sonoro: aproveitando-se da evolução tecnológica que ocorreu de 1986 para cá e que agora possibilita que os realizadores enfiem uma pesadíssima câmera IMAX dentro dos cockpits dos pilotos (registrando aquelas ações extraordinárias mais de perto), as sequências aéreas de Top Gun 2 revelam-se infinitamente mais interessantes e dinâmicas que as do original, permitindo ao espectador experimentar o mesmo deslumbramento que toma conta de Maverick ao atingir velocidades e alturas “impossíveis”. É como se o próprio longa mantivesse o espírito de quem não se conforma em não quebrar todos os limites possíveis e imagináveis; para Maverick – e para o filme –, voar tornou-se ainda mais excitante com a idade, já que agora é mais desafiador fazê-lo.

Infelizmente, se o caminho adotado por Top Gun 2 contém suas boas novidades, traz também sua parcela de desvantagens em comparação com a abordagem de Tony Scott para o original – e, se o filme de 1986 era intrigante por caminhar numa linha tênue que nos permitia enxergá-lo tanto como uma celebração heterotop quanto como uma narrativa homoerótica, esta continuação prefere seguir um caminho mais direto e que deixa suas intenções mais explícitas, carecendo de qualquer ambiguidade que o torne mais instigante ou fascinante. Muito disso talvez venha do fato de o diretor da vez, Joseph Kosinski (Tron: O Legado, Oblivion), ser um cineasta bem menos interessante e inventivo que Tony Scott; não é à toa que, nesta continuação, há uma cena envolvendo uma partida de futebol americano que foi obviamente encaixada para remeter àquela do vôlei na praia do original, mas que acaba soando tão estéril e frígida que parece incluída por mera obrigação (afinal, Top Gun sem uma cena de esporte numa praia não seria Top Gun). Mas o mais frustrante é que, ao castrar quase que completamente as tensões homoeróticas da obra, Kosinski acaba deixando ainda mais evidente – e irritante – a única faceta que sobrou: a de propaganda ufanista do exército dos Estados Unidos (os maiores destruidores de democracias alheias do mundo), celebrando, com isso, a imagem tola e antiquada de “machões viris” que o filme de 1986 colocava em dúvida.

Encontrando espaço para retornos de rostos conhecidos que soam menos como fan service e mais como sinceros reencontros com velhos amigos (vocês sabem de quem estou falando), Top Gun: Maverick é uma obra que perde um pouco do fôlego quando os personagens saem de suas respectivas aeronaves, saindo-se bem melhor ao se entregar ao espetáculo e às intensidades de Tom Cruise.

———

* Alistamento obrigatório já seria um absurdo em tempos normais. Agora que parte das Forças Armadas demonstra flertar com as ameaças golpistas de um corrupto neofascista, genocida e aspirante a autocrata que morre de medo de perder democraticamente as próximas eleições – spoiler: perderá –, é mais absurdo ainda. (Senti o impulso de escrever isso no texto, mas achei que seria desviar demais do assunto. Mas resolvi incluir por fora mesmo assim.)

Update 26/09/2022: Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme, meses após seu lançamento nos cinemas:

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde e, mais importante, vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República ou mesmo seu ministro da Saúde: vacine-se e proteja-se. #ForaBolsonaro)

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