Avatar 2

Título Original

Avatar: The Way of Water

Lançamento

15 de dezembro de 2022

Direção

James Cameron

Roteiro

James Cameron, Rick Jaffa e Amanda Silver

Elenco

Sam Worthington, Zoë Saldaña, Britain Dalton, Sigourney Weaver, Jamie Flatters, Trinity Jo-Li Bliss, Stephen Lang, Jack Champion, Cliff Curtis, Kate Winslet, Edith Falco, Joel David Moore, CCH Pounder, Giovanni Ribis, Brendan Cowell, Jemaine Clement, Bailey Bass, Filip Geljo, Duane Evans Jr., Dileep Rao e Matt Gerald

Duração

192 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

James Cameron e Jon Landau

Distribuidor

Disney

Sinopse

Após formar uma família, Jake Sully e Ney’tiri fazem de tudo para ficarem juntos. No entanto, eles devem sair de casa e explorar as regiões de Pandora quando uma antiga ameaça ressurge, e Jake deve travar uma guerra difícil contra os humanos.

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Avatar: O Caminho da Água | Crítica

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13 anos se passaram desde que Avatar chegou aos cinemas, revolucionou a indústria em função da maneira com que (re)utilizava a tecnologia 3D como elemento de linguagem cinematográfica e causou um impacto responsável por fazê-lo alcançar o posto de maior bilheteria de todos os tempos, ultrapassando, inclusive, o recorde até então pertencente ao Titanic que o mesmo James Cameron realizara 12 anos antes. De lá para cá, muitas coisas mudaram: a forma com que o Cinema passou a empregar o 3D, de modo geral, não fez jus à promessa aventada em 2009; a tendência das superproduções hollywoodianas passou a ser pautada pela febre dos “universos estendidos” instituída pela Marvel (com diferentes franquias se encontrando em filmes-evento que, por sua vez, se desdobravam em mais dezenas de outros longas/séries por ano); e, por incrível que pareça, boa parte dos entusiastas da tal “cultura pop” decidiram se voltar justamente contra… Avatar, contestando, em retrospecto, o impacto e a relevância daquele que foi (e ainda é) um dos principais pilares do “Cinema espetáculo” no século 21.

O mais curioso, porém, é que um dos “argumentos” mais utilizados para desdizer o legado daquele filme (depois, é claro, das frequentes comparações com Pocahontas) reside no fato de que o universo e os personagens nele apresentados não se mantiveram presentes nos cinemas (ou mesmo em rodas de conversas nerds) ao longo dos anos posteriores, limitando-os basicamente a uma experiência isolada em 2009. Ou seja: aparentemente, a decisão de não converter Avatar instantaneamente em uma franquia que se desdobrasse em dezenas de continuações e spin-offs é um motivo para duvidar de sua relevância cultural – o que só reafirma o quanto a indústria da “cultura pop” vem habituando seus públicos a enxergarem propriedades intelectuais menos como obras de Arte e mais como números em uma planilha de Excel.

Pois uma das vantagens de Avatar ter passado mais de uma década ausente, sem sentir-se forçado a voltar para novas produções ou a construir um fandom para chamar de seu, é que quando finalmente temos a chance de nos deparar com uma continuação (tardia) para aquele longa, esta não chega carregando o peso da nostalgia sobre os ombros. Em outras palavras: não há a obrigação de tratar cada elemento do longa de 2009 revisitado aqui como algo sagrado, como uma relíquia cujas poeiras são tiradas após muito se acumularem, apenas por puro fan service. É o que percebi quando, em dado instante deste O Caminho da Água, um acontecimento trágico é registrado ao som dos mesmos acordes graves, sombrios, que surgiam numa cena-chave do original – acordes estes que retornam aqui não para provocar arrepios de nostalgia na plateia, mas para atender a um propósito narrativo/emocional claro (estabelecer uma coesão dramática entre os dois momentos).

Esta segurança ao lidar com a própria “mitologia” (sem apelar constantemente para o fan service), porém, é apenas um dos elementos que fazem com que Avatar: O Caminho da Água soe quase como um “retorno à normalidade” – afinal, se há algo que infelizmente passamos a ver com bem menos frequência desde 2009 são blockbusters hollywoodianos que, dirigidos por artistas com vozes próprias e pulsos firmes, consigam imprimir identidade autoral às suas narrativas populares. Em vez disso, o padrão destas superproduções passou a ser ditado por franquias e “universos estendidos” preocupados mais com quantidade do que com qualidade, tratando os diretores contratados para estes projetos menos como autores e mais como paus-mandados de executivos interessados apenas em garantir que os diferentes “episódios” destas séries se mantenham esteticamente nivelados, sem se permitirem sair da fórmula e do lugar-comum que criaram para si, perdendo gradualmente o encanto na hora de confeccioná-los (e já discuti isso várias vezes ao escrever sobre os capítulos do Universo Cinematográfico Marvel, por exemplo).

Pois se há algo que definitivamente não se perdeu nestes 13 anos que separam Avatar 2 de seu antecessor, foi o fascínio de James Cameron pelo universo que concebeu. É apropriado, portanto, que Jake Sully (Worthington) abra a projeção dizendo, numa breve narração em off, que “A coisa mais perigosa de Pandora é se apaixonar por ela” – uma afirmação que Cameron comprova nos 192 minutos seguintes não só ao conduzir as ações mais tensas da história ressaltando o impacto de cada uma delas, mas também ao envolvê-las numa construção tão cuidadosa que torna patente o amor (sim, esta é a palavra) do cineasta por cada vestígio do que apresenta em cena.

Cameron, aliás, é um cineasta que entende algo que escapa a vários realizadores e mesmo entusiastas: o Cinema, como indica a própria raiz etimológica da palavra (“cinématographe”), é a Arte das imagens que se movimentam – e, consequentemente, a força de uma obra cinematográfica consiste, em maior parte, naquilo que é composto em cena, sendo injusto, portanto, desmerecer totalmente um filme em função de um roteiro pouco elaborado (uma crítica bastante recorrente aos trabalhos anteriores do diretor, por sinal). Assim, levando em consideração que as narrativas hollywoodianas atuais frequentemente se complicam e se enrolam graças às constantes cobranças por “roteiros complexos”, a postura de Cameron ao contar suas histórias soa quase como uma resistência – e acho particularmente ousada a decisão de pausar o avanço da trama durante boa parte do segundo ato a fim de dedicar-se exclusivamente… a cenas dos personagens descobrindo a aldeia do povo do mar, se encantando com as maravilhas do oceano e brigando por motivos estúpidos (pode não desenvolver tanto a história, mas certamente diz muito sobre os indivíduos e seus arcos).

O que Avatar 2 compreende, contudo, é que não adianta criar um mundo fabuloso, envolto num design de produção fantástico (obra da dupla Dylan Cole e Ben Procter), se o diretor e o diretor de fotografia não se interessarão em mostrá-lo, mergulhando-o numa paleta sem vida e em sombras que impossibilitarão que enxerguemos aquelas criações (sim, Pantera Negra 2, estou falando com você). No caso de James Cameron e do diretor de fotografia Russell Carpenter (que trabalhou com o cineasta em True Lies e Titanic), o que eles querem é que o público contemple, com clareza, todas as proezas conquistadas aqui – e, mesmo quando as sequências se passam no escuro, há um cuidado para iluminá-las de modo que permita, ao espectador, observar o que ocorre. Aliás, assim como acontecia no original, o uso da tecnologia 3D desempenha o papel fundamental de envolver a plateia no universo apresentado na tela, adaptando-se aos desafios impostos pelo recurso e explorando bem a profundidade de campo e os diferentes níveis dos espaços e de seus ocupantes.

São decisões como estas que explicam o deslumbramento manifestado – e causado – pelas várias sequências ambientadas abaixo do mar, que, além de representarem uma proeza técnica (afinal, os realizadores levaram a performance capture para debaixo d’água), se permitem durar o tempo necessário para absorvermos sua beleza e ainda refletem, nos personagens, o encantamento diante daquelas imagens. Pois é aí que Cameron nos faz sentir (ou, ao menos, entender) a força divina que os Na’vi veem manifestada por toda a Natureza daquele planeta e que eles creditam à deidade de Eywa – e confesso que, de todos os momentos marcantes de Avatar 2, aquele que mais me emocionou foi, também, o mais inesperado: quando Sully encontra Kiri (Weaver), sua filha adotiva, chorando à beira da água e lhe pergunta o motivo das lágrimas, a menina responde com um singelo “Eu ouço o coração de Eywa” (no que o protagonista, com um afeto simplesmente lindo, pergunta com real interesse: “E como é o coração dela?”).

O que nos traz ao centro temático e dramático desta continuação: sua preocupação ainda maior que a do original com as ameaças ecológicas trazidas pelo Homem, ressaltando com mais ênfase a conexão existencial entre os Na’vi e os demais seres que povoam Pandora. Mais importante, contudo, é que Cameron sabe que expor seu discurso nas palavras ditas pelos personagens (ou descritas pelo roteiro) não basta, utilizando-se, assim, da tecnologia e dos recursos fornecidos pela linguagem cinematográfica a fim de comunicar suas ideias – e, com isso, o diretor não só encontra razões dramáticas/narrativas fantásticas para justificar o subtítulo do longa (O Caminho da Água), associando-o à nossa passagem pelo mundo e às ligações entre os Na’vi e a Natureza, como também aproveita-se da boa e velha empatia para mergulhar (literalmente) o espectador no ponto de vista… de uma baleia, nos levando a ver o que ela vê através de uma câmera subjetiva (e mais: fazendo questão de incluir legendas que traduzem os sons emitidos pelo animal, entendendo estes como dialetos). Pois ao tratar a criatura com tamanha pessoalidade (e carinho, por que não?), torna-se fácil, para o espectador, entender por que o povo da água sente a morte daqueles seres marítimos como se perdessem parentes seus – afinal, de certa forma, é exatamente o caso.

Embalado por sequências de ação que fazem jus aos melhores momentos da carreira de James Cameron e que ocasionalmente surpreendem com imagens mais pesadas do que Hollywood costuma permitir (há um instante envolvendo um braço decepado que, admito, me pegou completamente desprevenido), O Caminho da Água é uma continuação que faz jus a esta nomenclatura, expandindo o universo de Avatar a ponto de estabelecer não só ambientes novos e riquíssimos, mas também diferenças significativas nos variados designs dos Na’vi – e a ambição de Cameron lhe permite encontrar espaço para apontar até mesmo o racismo que existe entre as civilizações de Pandora, com o povo da água (com seu tom mais esverdeado, suas guelras que lhes possibilita respirar no mar e suas caudas grossas que remetem a barbatanas) ridicularizando os dedos que os protagonistas têm a mais (uns têm quatro em cada mão e pé; outros têm cinco) e a incapacidade destes de permanecerem na água por muito tempo. Por outro lado, admito que Spider (Champion) é um personagem que me intriga mais no conceito do que na execução, ao passo que Zoë Saldaña, desta vez, pouco tem a fazer como Neytiri, que é reduzida basicamente ao papel de esposa (e mãe dos filhos) de Jake.

Corajoso ao criar um terceiro ato repleto de consequências reais (e que não funcionariam da mesma forma se não fosse o apego que estabelecemos pelos personagens ao longo das quase três horas anteriores), Avatar: O Caminho da Água é um tipo cada dia mais raro de superprodução: uma continuação que, mesmo prometendo ser prosseguida por pelo menos mais três Avatares já engatilhados, se permite fechar nela mesma, funcionando não como trailer de duas/três horas para uma produção seguinte, mas como um filme por conta própria. Não à toa, quando Cameron parece prestes a deixar uma ponta solta, em aberto, para ser amarrada num próximo longa, o próprio Jake Sully se vira para a câmera e diz “Então, vamos resolver isso agora logo” – e até a decisão de não eliminar certo personagem, deixando-o pronto para ser reutilizado nas continuações, faz sentido como forma de pontuar um arco que vinha se desenrolando aqui.

E espero que as futuras continuações façam jus aos dois belos capítulos que vimos até agora. Se o nível for mantido nestas sequências, James Cameron pode estar prestes a criar uma das séries mais ambiciosas e consistentes em sua (altíssima) qualidade que já assistimos – e conquistar tal proeza em meio à febre dos “universos estendidos” tornaria o feito ainda mais louvável.

Como é bom estar de volta a Pandora.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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