A Favorita (1)

Título Original

The Favourite

Lançamento

24 de janeiro de 2019

Direção

Yorgos Lanthimos

Roteiro

Tony McNamara e Deborah Davis

Elenco

Olivia Colman, Emma Stone, Rachel Weisz, Nicholas Hoult, Joe Alwyn e James Smith

Duração

119 minutos

Gênero

Nacionalidade

Inglaterra

Produção

Yorgos Lanthimos, Ceci Dempsey, Ed Guiney, Lee Magiday

Distribuidor

Fox

Sinopse

Na Inglaterra do século XVIII, Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough (Rachel Weisz) exerce sua influência na corte como confidente, conselheira e amante secreta da Rainha Ana (Olivia Colman). Seu posto privilegiado, no entanto, é ameaçado pela chegada de Abigail (Emma Stone), nova criada que logo se torna a queridinha da majestade e agarra com unhas e dentes à oportunidade única.

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A Favorita | Crítica

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Yorgos Lanthimos é um diretor que se esforça para parecer estranho – e que, confesso, demorou a aparecer em meu radar: lembro de tê-lo descoberto apenas quando assisti ao ótimo O Lagosta, que me conquistou graças à maneira absurda com que o roteiro discutia seu temas (a obrigatoriedade do casamento; como o conceito de “alma gêmea” pode ser útil para o resto da Sociedade; o que diferencia o Homem do resto da Natureza) e ao bom humor que o cineasta fingia esconder atrás de uma abordagem excessivamente fria, insensível e distante. Já seu projeto seguinte, O Sacrifício do Cervo Sagrado, me levou a acreditar que Lanthimos precisava ser internado urgentemente, pois o desconforto e a insanidade presentes naquela obra eram notáveis.

Não é surpresa, portanto, que A Favorita seja um trabalho mais palatável e menos esquisito do que aqueles que Lanthimos comandou anteriormente, já que, além de ser o primeiro projeto que o grego dirige a partir de um roteiro que não é de sua autoria, o longa mal consegue conter seu desejo de abocanhar algumas indicações aos principais prêmios da temporada. Em compensação, o desempenho do cineasta segue elegante, divertido e adoravelmente irreverente, o que faz o filme sobreviver à necessidade de chamar a atenção do Oscar.

Roteirizado pela estreante Deborah Davis e por Tony McNamara, que realizou somente um longa (Ashby), A Favorita se passa no início do século 18 e adota como contexto a guerra entre Inglaterra e França, que fez parte de um longo conflito envolvendo diversos países da Europa e que começou motivado pela morte do espanhol Charles II (algo que não é mostrado aqui, já que o foco não é este). Embora a Rainha Anne, da Inglaterra, demonstre o desejo de encerrar o confronto com os franceses, suas ações acabam sendo manipuladas por Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough, que serve como conselheira (e amante) da Majestade. Depois que a criada Abigail começa a se aproximar da Rainha, porém, ela aos poucos se transforma na companhia preferencial de Anne; o que, claro, acaba servindo de obstáculo para as intenções de Sarah e ainda desperta um sentimento de inveja nela.

Não é a mais original das tramas, de fato, mas isso não é necessariamente um problema, já que o que importa mesmo é como o filme desenvolve sua premissa. Assim, A Favorita é particularmente eficaz ao estabelecer o comportamento das personagens e as relações entre cada uma delas, estruturando a narrativa através de oito capítulos e permitindo, com isso, que cada etapa da história seja tratada com cuidado: os primeiros trinta minutos, por exemplo, estabelecem o modo como Sarah é subordinada às ordens de Anne ao mesmo tempo em que manipula suas ações constantemente, ao passo que Abigail surge no cotidiano das duas e, a partir do segundo ato, substitui Sarah como a nova “favorita” da Rainha – e a inveja, aliada à frustração de ver seus interesses indo por água abaixo, induz a Duquesa a tomar certas atitudes contra sua rival, culminando em uma conclusão que funciona justamente porque o caminho que a antecedeu foi mostrado com clareza e as intrigas que fragmentam a convivência entre Anne, Sarah e Abigail foram apresentadas de maneira crescente.

Hábil ao empregar a guerra entre Inglaterra e França como pano de fundo para a trama propriamente dita, entrelaçando um conflito que ocorre entre três pessoas dentro de um castelo e um contexto histórico grandioso que poderia ser desenvolvido ao longo de um filme inteiro (e não deixa de ser interessante perceber como as ações de cada personagem estão diretamente ligadas à guerra em si), A Favorita é admirável em seu esforço de dar voz às mulheres, já que estas se mantêm no controle de tudo que acontece no decorrer da narrativa sem depender dos homens (que, por sinal, são frequentemente movidos pelas decisões tomadas por Anne, Sarah e/ou Abigail). Até mesmo quando uma das personagens (Abigail) se casa, isto ocorre graças à vontade de outra mulher (Anne) – ao mesmo tempo, quando a Rainha se espanta diante de um rosto retalhado, a Duquesa aponta o fato de que aquela mesma cicatriz seria motivo de orgulho caso estivesse no corpo de um homem.

Mas é impossível falar sobre as mulheres de A Favorita sem discutir as três (excelentes) performances por trás delas: certamente merecendo prêmios por seu desempenho aqui, Olivia Colman lida com uma personagem repleta de nuances distintas e se concentra em cada uma destas com uma atenção digna de aplausos, transformando a Rainha Anne em uma figura que leva o espectador a sentir raiva diante de seu comportamento prepotente, mas também pena diante de sua dor e de sua constante solidão. Enquanto isso, Emma Stone estabelece Abigail como a persona mais ambígua do trio: por um lado, suas insatisfações soam tão convincentes quanto o apego que ela parece sentir pela Rainha; por outro, a objetividade que define suas ações, a habilidade que tem de fingir emoções acaloradas (como um choro quase infantil) e o deboche que exibe diante de algumas pessoas tendem a levar o público a questionar quais são suas reais intenções. Para completar, Rachel Weisz converte a Duquesa em mais uma personalidade multidimensional, já que, ao mesmo tempo em que demonstra desprezo por certos sentimentos de Anne e assume controle de grande parte das vontades da Majestade apenas para se beneficiar no processo, Sarah parece acreditar na afeição que diz sentir pela Rainha – e, fora isso, é importante destacar o atrevimento que Weisz retrata a partir de sua performance corporal, destacando-se principalmente o momento em que a personagem volta depois de sumir por um bom tempo e começa a perambular pelo salão com uma irreverência hilária.

Fortalecido pela ótima montagem de Yorgos Mavropsaridis, que realça a similaridade entre certas situações através de montagens paralelas (pensem no momento em que Sarah cai de um cavalo e, ao mesmo tempo, um homem nu escorrega em um tomate) e sobrepõe imagens através de cortes de fusão inesperadamente poéticos (o desfecho do longa, que chega a mesclar três planos distintos, é um bom exemplo disso), A Favorita é beneficiado também pelo trabalho cuidadoso e elegante da designer de produção Fiona Crombie, que retrata o palácio no qual a trama se passa como um ambiente repleto de corredores apertados, claustrofóbicos e que, mesmo contando com seu glamour habitual, parece estar se desgastando aos poucos – e refletindo, com isso, as condições emocionais e físicas da Rainha. Já os figurinos provavelmente renderão a Sandy Powell o quarto Oscar de sua brilhante carreira (observem a atenção que foi conferida a cada detalhe das roupas, ajudando a recriar um período histórico de maneira fiel e cautelosa), ao passo que a fotografia de Robbie Ryan mergulha os cenários e os personagens em uma atmosfera sufocante e repleta de sombras que são pontualmente quebradas a partir de luz natural. Assim, quando Abigail está escondida em um salão, vê Anne e Sarah entrando para transar e decide sair de fininho, a ação torna-se plausível graças ao breu total que toma conta daquele cômodo – por outro lado, existem diversos instantes aleatórios nos quais o filme atira planos rodados com lente “olho de peixe” e travellings que seguem a movimentação corporal dos atores de maneira simétrica demais, resultando num exibicionismo gratuito que torna-se mais distração do que como complemento (e isto é culpa não apenas de Ryan, mas do próprio Lanthimos).

Este, inclusive, não é o único problema de A Favorita: obviamente produzido já pensando nas chances que terá durante a temporada de premiações, o longa acaba enxergando um limite para algumas de suas ambições e – o que é pior – acaba sendo dirigido por um Yorgos Lanthimos que parece não se sentir à vontade para criar imagens mais chocantes (no caso da violência) e/ou conceitos que sirvam como simbolismos (a exceção fica por conta dos coelhos). Além disso, a forma com que o cineasta enfoca o erotismo revela-se distante, inofensiva e até conservadora: percebam, por exemplo, como o relacionamento que Anne mantém com Sarah e, depois, com Abigail é retratado de maneira excessivamente pura e inocente, apenas sugerindo o sexo que acontecerá ou aconteceu.

A sorte, porém, é que isso não impede Lanthimos de exibir seu senso de humor rápido, irreverente e debochado, com direito a uma série de momentos impagáveis e que surpreendem o espectador justamente por fazerem parte de um contexto histórico aparentemente glamouroso. No fim das contas, dá para dizer que A Favorita é um filme bobão – e isto, acreditem, é um elogio.

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