A Própria Carne topo

Título Original

A Própria Carne

Lançamento

30 de outubro de 2025

Direção

Ian SBF

Roteiro

Ian SBF, Alexandre Ottoni e Deive Pazos

Elenco

Jorge Guerreiro, Pierre Baitelli, George Sauma, Luiz Carlos Persy, Jade Mascarenhas, Camillo Borges, Frederico Vasques, Daniel Moragas e Eber Inácio

Duração

96 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

Ian SBF, Alexandre Ottoni, Deive Pazos e Carolina Alves

Distribuidor

Sinopse

Três soldados desertores durante a Guerra do Paraguai, em 1870, cada um lutando pela sobrevivência à sua maneira, encontram uma casa isolada na fronteira, habitada apenas por um fazendeiro misterioso e uma jovem. O que parecia ser um refúgio seguro se transforma em um pesadelo aterrorizante quando os soldados descobrem que a casa esconde segredos macabros, confrontando-os com um destino ainda mais horrível do que a guerra da qual fugiram.

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A Própria Carne | Crítica

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Sou um grande admirador do Jovem Nerd. Valorizo imensamente o trabalho que Alexandre Ottoni e Deive “Azaghal” Pazos prestaram à criação de conteúdo no Brasil ao longo das últimas duas décadas. Se hoje trabalho no jornalismo cultural, tenho meu próprio veículo, escrevo meus textos e gravo meus vídeos (num canal que já passa dos 10 mil inscritos, algo que eu julgava impossível até pouco tempo), é porque em 2009 tornei-me ouvinte assíduo do Nerdcast e adquiri um monte de interesses que, nos anos seguintes, se afloraram e me levaram a outras fontes que, 16 anos depois, culminaram… aqui. Além disso, como também considero o Porta dos Fundos um divisor de águas na Internet brasileira, respeito muito a contribuição do diretor Ian SBF neste processo. Pode-se dizer, portanto, que há em nossa websfera um “antes e depois” de Jovem Nerd e Porta dos Fundos.

E é por isso que me dói que A Própria Carne seja tão fraco.

Não que a premissa do roteiro de SBF, Ottoni e Pazos não seja interessante: em 1870, durante a sangrenta Guerra do Paraguai, três soldados brasileiros decidem fugir e, no caminho da floresta, encontram uma casa isolada e próxima à fronteira. Ao baterem à porta, os desertores são recebidos por um velho fazendeiro e uma jovem caladona, que logo concordam em deixá-los se recolherem num quartinho dos fundos. No entanto, aos poucos a situação se revela mais estranha do que parecia a princípio, já que os anfitriões testam os hóspedes com conversas estranhas, insinuações macabras e… bom, um interesse peculiar por carne humana. (Há ainda alguns segredos escondidos naquela casa, mas os manterei em sigilo para evitar spoilers.)

O problema é que, na prática, A Própria Carne não se contenta “apenas” com a própria premissa, já que a sensação que fica ao fim da projeção é a de que, no processo criativo que levou SBF, Ottoni e Pazos a criarem o roteiro, os três se empolgaram com cada ideia que lhes vinha à mente, mas não ponderaram sobre quais realmente mereciam ir para a versão final. O resultado, portanto, é uma narrativa tão sobrecarregada de pequenos conceitos, referências a obras ou gêneros específicos, subtextos salpicados e deixas para “expandir o universo” em outras obras (não à toa, já tem livros e quadrinhos sobre o filme sendo produzidos) que acaba não conseguindo comportar nada disso em 96 minutinhos.

Assim, quando chega o clímax e certo personagem menciona rapidamente que há um “ritual” prestes a acontecer, a única reação que resta ao espectador é um sincero “Como assim?!”, já que em momento algum a trama nos preparou para aquela informação (ou para um cenário que envolvesse algo místico/simbólico/sei-lá-o-quê). Da mesma forma, se a longa cena em que o fazendeiro faz um discurso sobre a cor da pele de um dos desertores sugere um subtexto sobre o racismo em uma época em que o abolicionismo ainda custava a se concretizar, na prática tudo que a obra desenvolve a partir disso – e recomendo que quem não assistiu ao filme pule para o próximo parágrafo, já que as informações nas próximas linhas talvez revelem demais – é… uma alusão à imagem de um escravo aprisionado nos minutos finais.

Mas o que mais enfraquece A Própria Carne, contudo, é mesmo a incapacidade do filme em criar uma atmosfera de tensão realmente sólida. Neste sentido, tanto o roteiro quanto a direção se fragilizam mutuamente: o primeiro por abusar de verborragia e exposição puras (o que talvez venha do fato de Ottoni e Pazos estarem mais habituados a criarem histórias para podcasts e audio dramas), construindo o suspense mais pelo que os personagens dizem e menos pela progressão dos fatos/eventos que compõem a narrativa, e o segundo por filmar o roteiro de modo tão protocolar que se contenta em apenas ilustrar o que nele é descrito, soando mecânico demais para articular um horror que pareça inspirado, dinâmico ou impactante o bastante (neste aspecto, a trilha de Bruno Gouveia irrita desde o início, surgindo tão esporrenta e onipresente que se torna desesperada em seu esforço de provocar tensão).

Em compensação, até aprecio o fato de A Própria Carne de fato “bancar” seus aspectos gore sem medo de expor os personagens aos seus limites: quando o velho fazendeiro ameaça submeter os soldados à atrocidade X ou Y, em geral estas intimidações ultrapassam o status de meras bravatas e se concretizam de verdade, indo até o fim sem poupar os personagens dos banhos de sangue que promete. Por outro lado, é uma pena que a direção de Ian SBF fique sempre presa a uma mentalidade de Internet (herança, é claro, dos tempos de Porta dos Fundos) e pareça mais adequada a uma websérie do que a um trabalho cinematográfico, anulando a atmosfera da história ao rodar tudo em planos fechadíssimos, praticamente estáticos, que se prolongam por vários minutos no rosto de um ator (enquanto este faz um monólogo interminável) e que, além de desperdiçarem os ótimos trabalhos de figurinos e direção de arte, ainda tornam tudo visualmente aborrecido, travado, monótono.

O mesmo se aplica, aliás, à composição de praticamente todos os personagens, já que, embora Jorge Guerreiro, Pierre Baitelli e George Sauma sejam bastante razoáveis ao trazerem verdade, convicção e timing a diálogos que poderiam facilmente sucumbir à canastrice, não dá para dizer que os três soldados sejam figuras particularmente interessantes ou com personalidades marcantes. Já os vilões são duas caricaturas em um filme que não parece entendê-las ou admiti-las como tais, sendo louvável o empenho de Luiz Carlos Persy em emprestar instabilidade ao fazendeiro (e acho bacana a iniciativa de trazer o ator para frente das câmeras, já que estamos mais acostumamos a ouvi-lo – em seus trabalhos na dublagem – do que vê-lo). Dito isso, não há muito que Persy possa fazer com um personagem que se resume a uma única nota e que fala tanto, mas tanto, que se torna chato em vez de ameaçador. Já Jade Mascarenhas… bom, olha para a câmera, com olhar de baixo para cima, e gargalha com uma expressão maníaca – e isso é tudo que tenho a dizer sobre ela.

Para completar, A Própria Carne consegue a proeza de perder pontos no plano que encerra a projeção, já que – e agora, sim, spoiler à frente – os realizadores introduzem do nada um componente de horror cósmico à la H.P. Lovecraft que em nenhum momento tinha sido sequer sugerido pelo longa, sendo enfiado à força aparentemente com o intuito de ser explorado numa eventual continuação/spin-off/material adicional. Afinal, vai que a HQ produzida a partir deste filme compensa, né?

Visto no Festival do Rio 2025.

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