Bingo (1)

Título Original

Bingo: O Rei das Manhãs

Lançamento

24 de agosto de 2017

Direção

Daniel Rezende

Roteiro

Luiz Bolognesi

Elenco

Vladimir Brichta, Leandra Leal, Cauã Martins, Ana Lúcia Torre, Tainá Müller Emanuelle Araújo, Augusto Madeira, Pedro Bial, Soren Hellerup e Domingos Montagner

Duração

113 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

Caio Gullane e Fabiano Gullane

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Cinebiografia de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo no programa matinal homônimo exibido pelo SBT durante a década de 1980. Barreto alcançou a fama graças ao personagem, apesar de jamais ser reconhecido pelas pessoas por sempre estar fantasiado. Esta frustração o levou a se envolver com drogas, chegando a utilizar cocaína e crack nos bastidores do programa.

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Bingo: O Rei das Manhãs

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Augusto Mendes é um sujeito que carrega as artes cênicas em seu sangue: filho da veterana Marta Mendes, o ator ganha a vida estrelando pornochanchadas e fazendo pontas em novelas da Rede Mundial, a maior emissora do Brasil. Após tentar investir na comédia contra a vontade de seus empregadores e brigar com estes, Augusto resolve migrar para a TVP e acaba sendo aprovado num teste para se tornar Bingo, um palhaço que já era famoso nos Estados Unidos e que estava prestes a chegar nas telinhas tupiniquins. O que ninguém espera é que Mendes acabe elevando o personagem a um status invejável que o diferencia de suas versões exteriores, conquistando uma popularidade inesperada e criando momentos que entram para a História da televisão brasileira. Fora dos palcos, porém, o ator passa a se aventurar cada vez mais num mundo de álcool, drogas, prostitutas, mentiras e atos irresponsáveis; o que inevitavelmente destrói a vida pessoal do indivíduo.

Agora, basta trocar “Augusto Mendes” por “Arlindo Barreto”, “Marta Mendes” por “Márcia de Windsor”, “Rede Mundial” por “Rede Globo”, “TVP” por “SBT” e “Bingo” por “Bozo” para compreender as intenções do diretor Daniel Rezende e dos demais envolvidos em Bingo: O Rei das Manhãs. Roteirizado pelo mesmo Luiz Bolognesi de Bicho de Sete Cabeças, este é um filme que funciona como retrato biográfico, mas também tem a liberdade de inventar algumas particularidades que, mesmo inexistindo na vida real, sempre fortalecem a trama do ponto de vista dramático.

Esta é, inclusive, a maior virtude de Bingo, que se vê à vontade para inserir alguns eventos que claramente não ocorreram de fato sem ter que se preocupar com possíveis objeções. Por um lado, o longa é bastante respeitoso ao ilustrar a trajetória de Arlindo Barreto, mostrando a fase que veio antes da fama colossal e pontuando objetivamente seus dias de ascensão, queda e redenção. Além disso, o filme resgata vários instantes que se tornaram icônicos na tevê brasileira, desde o “Fale mais alto” que levava o palhaço a subir num degrau até a apresentação de Gretchen com a música Conga Conga Conga (e só o fato da figura do Bozo ser substituída pela de Bingo já cria um exercício de imaginação divertido). Em compensação, tanto o roteiro de Bolognesi quanto a direção de Daniel Rezende concebem alguns momentos que podem não ser verídicos, mas que exercem um desempenho narrativo eficiente (como a sequência onde uma criança entristecida telefona para Bingo no meio do show).

Diga-se de passagem, Bingo é o tipo de filme que certamente fracassaria se caísse em mãos menos competentes: certamente beneficiado pela excelente carreira que construiu como montador de Tropa de Elite, Cidade de DeusA Árvore da Vida e outros títulos, o cineasta Daniel Rezende desenvolve uma narrativa fluída e um ritmo enérgico que parece se espelhar na vivacidade de Augusto Mendes. Mas o mais importante é que o diretor acerta em cheio ao estabelecer o tom da narrativa, alternando com precisão entre momentos alegres que trazem o protagonista brilhando no palco e passagens tensas como aquelas onde Augusto desenvolve problemas com seu filho. Neste sentido, Rezende se sai bem ao criar imagens fortes que tornam algumas sequências ainda mais impactantes do que elas já seriam naturalmente (um bom exemplo é o contra-plongée que revela gotas de sangue escorrendo do nariz de Bingo até o chão). Além disso, a ideia de um palhaço triste, deprimido e possuído pelas drogas é, por si só, estarrecedora.

Fortalecido por uma trilha sonora intensa e que não faz questão de berrar “Anos 1980!” nos ouvidos do espectador a cada minuto, Bingo também faz um ótimo trabalho ao reconstituir o período em que se passa sem apelar para recursos óbvios a torto e a direito: se os programas ficcionais que são exibidos nas televisões de fato parecem ter saído diretamente da década de 1980, o trabalho de maquiagem e penteado resgata alguns estilos característicos daquela época ao passo que o diretor de arte Cassio Amarante se diverte remetendo ao auditório colorido onde Bozo fazia suas apresentações. Para completar, a fotografia de Lula Carvalho demonstra sabedoria ao empregar tons quentes e nostálgicos nas sequências que mostram a vida pessoal de Augusto a fim de reservar as cores mais fortes (como azul e vermelho) para os momentos onde Bingo está no palco. A mesma eficácia pode ser observada na direção de Daniel Rezende, que constrói um plano-sequência irrepreensível no terceiro ato e exibe uma inteligência digna de nota numa cena onde algo terrível acontece no fundo (desfocado) graças à irresponsabilidade do protagonista (que dorme em primeiro plano).

Ainda assim, a verdade é que Bingo dificilmente teria o mesmo êxito se o palhaço que dá título ao filme não fosse cativante – e se o personagem já entrou para o hall das figuras cativas do Cinema nacional, isto se deve ao brilhante desempenho de Vladimir Brichta (que merece prêmios por seu trabalho aqui). Dono de uma comicidade que está presente sempre que possível, o ator estabelece perfeitamente a diferença entre Augusto Mendes e Bingo: se o primeiro é um sujeito dividido entre o amor que sente pelo filho e o orgulho que cresce junto com sua popularidade oculta, o segundo é uma figura irresistível que imediatamente se transforma num poço de bom humor (e, às vezes, o ego se une à vida profissional de maneira inesperada, dando origem a uma sequência quase assustadora onde o protagonista “manda um recado” para a Rede Mundial). Por fim, a talentosa Leandra Leal surge como o contraponto ideal para Vladimir Brichta, oferecendo uma personalidade excessivamente fria e correta que muitas vezes parece esconder uma propensão à indecência (sem contar, é claro, que a atriz merece elogios pelo sotaque paulista que simula adequadamente).

Beneficiado por alguns diálogos bem humorados que sempre despertam o riso (as alfinetadas de Augusto são hilárias, com destaque especial para “Até audiência, para subir, tem que ter tesão“), Bingo escorrega apenas em seu terceiro ato, que, mesmo concluindo a história apropriadamente, é desenvolvido de maneira apressada (a redenção do protagonista talvez não seja tão cuidadosa quanto sua ascensão e queda). Além disso, existem duas sequências onde o personagem-título tem ilusões revelando seus maiores desejos naqueles momentos específicos; e se a primeira funciona relativamente bem, a segunda soa exagerada e dispensável.

De todo modo, não há nada que comprometa os muitos méritos de Bingo: O Rei das Manhãs, que poderia cair nas armadilhas do melodrama com uma facilidade impressionante, mas que acaba triunfando graças à cautela da produção. E se os saudosistas dos anos 1980 terão a oportunidade de voltar àquele tempo, os mais jovens conhecerão a louca e fascinante história da versão brasileira do palhaço Bozo.

Ou Bingo.

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