Deslembro-001 (1)

Título Original

Deslembro

Lançamento

20 de junho de 2019

Direção

Flávia Castro

Roteiro

Flávia Castro

Elenco

Jeanne Boudier, Sara Antunes, Eliane Giardini, Hugo Abranches, Julián Marras, Arthur Raynaud, Jesuíta Barbosa e Marcio Vito

Duração

105 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

Flávia Castro e Walter Salles

Distribuidor

Imovision

Sinopse

O Rio de Janeiro não é nada familiar para Joana (Jeanne Boudier), adolescente que teve o pai refém como prisioneiro político durante os anos de ditadura no Brasil. Ela passou quase toda a sua vida em Paris, cidade onde o resto de sua família se exilou. Tendo sido decretada a Lei da Anistia, a menina agora está, a contragosto, de volta a sua cidade natal. As memórias amargas de tempos difíceis vêm à tona, causando um forte desconforto.

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Deslembro | Crítica

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A imagem do Museu Nacional em chamas é um retrato muito preciso do que é o Brasil contemporâneo: um país que não se importa em preservar a própria História. Em vez de tratar sua memória com o cuidado necessário (afinal, é ela quem nos faz olhar para o futuro com mais experiência), o país decidiu largá-la para ser destruída. E não adianta: um país que não encara o passado é um país fadado a repetir seus erros – e, se agora o Brasil está flertando cada vez mais com os horrores de algumas décadas atrás, é porque estes não foram lembrados com a gravidade que deveriam. E por que estou dizendo isso? Porque Deslembro é um filme sobre isso.

Afinal, o tema em si é de extrema importância pessoal para a diretora/roteirista Flávia Castro, tanto que um de seus projetos anteriores, o documentário Diário de uma Busca, girava em torno justamente de seu pai, que desapareceu na época da ditadura militar. (Pausa para um parênteses: se você ficou incomodado ao ler a palavra “ditadura” aqui… bem, não sei nem o que te dizer. Apenas sei que o simples fato de alguém contestar o que aconteceu entre 1964 e 1985 demonstra como o Brasil vem se deteriorando de uns anos para cá.) Em Deslembro, somos apresentados à adolescente Joana, que, depois de passar mais de uma década exilada em Paris com sua família, retorna ao Brasil contra a sua vontade, pois sua mãe Ana sente saudades da terra em que nasceu e cresceu – apesar de toda a repressão sofrida por parte dos militares. Assim, por mais que tente levar uma vida normal, Joana não consegue fugir de um questionamento decisivo: qual foi o destino de seu pai, que sumiu após ser perseguido pela ditadura?

A história particular de Joana é, portanto, uma representação de boa parte dos ferimentos que os anos de chumbo causaram no Brasil e que jamais foram devidamente cicatrizados, transformando-se em dores crônicas e em traumas que viriam a se alastrar também nas gerações posteriores. Aliás, é triste que ainda hoje existam diversas criaturas (algumas delas ocupando cargos importantes no governo) que insistem em negar todo o horror provocado pela ditadura, chegando ao cúmulo de dizer que quem foi perseguido/torturado/morto naquele período mereceu o destino cruel que recebeu. Claro que essas pessoas também fazem questão de ignorar o sofrimento de famílias inteiras diante do sumiço de um ente querido – e isto é algo que Deslembro ilustra com competência, mostrando como a ausência do pai de Joana acaba criando uma série de problemas até mesmo em situações pequenas (quando a garota resolve embarcar numa excursão escolar para Ouro Preto e precisa de um atestado de óbito de seu pai, ela descobre que… não foi possível existir atestado de óbito algum, pois a morte do indivíduo jamais foi esclarecida).

Não que Joana tenha deixado de viver sua vida: conforme foi crescendo, a adolescente desenvolveu uma personalidade própria, se interessou cada vez mais por Música e Literatura, começou a experimentar… coisas novas e conheceu um rapaz que logo se tornou seu namorado. Neste sentido, Deslembro serve também como um belo retrato de todas as situações habituais da juventude – a diferença, neste caso, é que a protagonista em si tem que lidar com um trauma relacionado ao país em que nasceu. Como se não bastasse, Joana ainda é interpretada por uma atriz estreante, mas que desde já demonstra merecer atenção em seus futuros projetos: retratando as dores, as dúvidas e as indignações da menina com uma sutileza digna de nota, Jeanne Boudier se sai muitíssimo bem ao injetar energia, carisma e calor humano à jovem Joana – e gosto particularmente de como a atriz transforma o seu bilinguismo em uma espécie de “válvula de escape” (quando ela está falando em português e de repente se sente intimidada por algo, imediatamente alterna o idioma e passa a se comunicar em francês).

Contando também com a performance delicada e convincente de Eliane Giardini, que estabelece a avó de Joana como uma figura que servirá tanto para guiar a garota quanto para acolhê-la, Deslembro demonstra inteligência ao recriar os anos 1980 sem chamar a atenção para si, trazendo de volta as televisões de tubo, os programas que passavam naquela época e as músicas que mais tocavam nas rádios, porém evitando ostentar seus esforços para o espectador. Além disso, por mais que a história narrada por Flávia Castro se situe na década de 1980, o fato é que os temas abordados aqui merecem ser discutidos e revisitados para sempre – ainda mais hoje, já que o Brasil parece cada vez mais disposto a flertar com seu passado sombrio.

E não se enganem: se isso está acontecendo hoje, é porque a sociedade brasileira preferiu “não tocar no assunto” e deixar de lado as barbaridades cometidas ao longo de sua História. Joana não pode simplesmente esquecer seu pai, assim como o Brasil também não pode simplesmente esquecer os horrores da ditadura.

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