Estrelas Além do Tempo poderia ser um dos melhores longas desta temporada de premiações: baseado em eventos verídicos que ocorreram durante os anos 1960, a história gira entorno de Katherine, Dorothy e Mary, um trio de mulheres negras que trabalharam na NASA no ápice da Corrida Espacial e que certamente contribuíram para que o Homem chegasse à Lua. A princípio, é difícil não admirar uma obra que traz à tona três figuras ocultas importantes e que nem sempre são creditadas da forma como merecem. É uma pena, portanto, que o cineasta Theodore Melfi converta essa ótima premissa em um filme artificial e que parece ter sido feito apenas para conquistar algumas indicações ao Oscar (uma tarefa lamentavelmente bem-sucedida).
Inspirado na biografia Hidden Figures, escrita por Margot Lee Shetterly, o roteiro concebido por Melfi ao lado de Allison Schroeder não tarda até começar a atirar frases de efeito tolas (“Essa é a NASA: rápida com foguetes; lenta com avanços“; “Podemos dizer que estamos vivendo o impossível“; “O que nos faz trabalhar na NASA não é o fato de usarmos saias, mas de usarmos óculos“) e criar aquelas “cenas inspiradoras” que só existem mesmo em mundos fictícios (como a que envolve Mary dentro de um tribunal). Além disso, toda a discussão que gira entorno da aceitação das mulheres negras em meio a um âmbito sexista e racista se resume a diversos diálogos pavorosos que vão de “Direitos civis nem sempre são civis” até um “Como você pode estar desejando estes homens brancos?” que é correspondido com “São direitos iguais, então posso ver beleza em todas as cores” – e quando certa pessoa surge dizendo “Uma engenheira mulher? Nós somos negros, querida. Nós não conseguimos esse tipo de coisa, entenda isso“, confesso que fiquei mais desapontado pela falta de criatividade do que pela artificialidade da fala.
Sem jamais desafiar de verdade o espectador (que jamais teme pelo destino das personagens), Estrelas Além do Tempo peca ainda mais quando começa a usar e abusar de um único tipo de estrutura para todas as cenas: dois ou mais indivíduos começam a duvidar ou subestimar o trio de protagonistas até que estas de repente surpreendem os que não acreditavam nelas. O problema é que este padrão se mantém incessantemente, fazendo com que o filme soe repetitivo e leve demais para chamar a atenção do espectador. Contudo, a mesma obviedade existente no roteiro também se encontra na direção de Theodore Melfi, que se sente na obrigação de subitamente saltar de primeiros planos para um plano geral assim que uma das personagens afirma “Não há banheiro para mim aqui“, apenas martelando o fato de que ela se sente oprimida e esmagada por todos à sua volta. E se a sequência que vem logo após esta parece ter saído de uma novela no estilo soap opera, a questão entorno da segregação racial é tratada de modo igualmente superficial: não basta trazer uma imagem com dois bebedouros, um para negros e outro para brancos (o que, de fato, existiu). Não; para Melfi, é necessário incluir uma mãe que arranca seu filho do bebedouro assim que um negro surge ao lado.
Já o elenco faz o possível com o material limitadíssimo que tem em mãos, se esforçando para tentar acrescentar alguma profundidade a caricaturas unidimensionais: Kirsten Dunst vive a bruxa cínica e malvada; Kevin Costner é o anjo quase infalível; Octavia Spencer é a rabugenta (e sua indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante é algo que ainda não consegui compreender); Janelle Monáe é a mais descolada do trio de protagonistas; Jim Parsons serve somente para pôr com força uma pilha de papeis sobre a mesa de Katherine apenas para explicitar seu desprezo (ao menos, o ator é hábil ao afastar a imagem forte que carrega do Sheldon de The Big Bang Theory); e Mahershala Ali é reduzido a meia dúzia de sorrisos (o arco que envolve seu personagem, diga-se de passagem, é apresentado de maneira terrivelmente en passant). A única que se destaca é Taraji P. Henson, que interpreta Katherine com firmeza e evoca a carga dramática certa quando ela explica o porquê dela se ausentar constantemente no local de trabalho.
Em contrapartida, não há como negar que Estrelas Além do Tempo é bem-sucedido no que diz respeito aos seus valores técnicos e estéticos: por um lado, o design de produção elaborado por Wynn Thomas reconstrói a década de 1960 com eficácia, exibindo um cuidado na concepção de carros e televisores que parecem pertencer àquela época; por outro, Thomas e a figurinista Renee Ehrlich Kalfus também acertam ao priorizar cores fortes e vibrantes, acrescentando uma aparência lúdica que faz com que o passado ilustrado aqui soe ainda mais impactante e cheio de vivacidade. Do mesmo modo, a seleção de canções corrobora para que o clima sessentista torne-se mais convincente, imergindo o espectador num universo ao mesmo tempo realista e imaginativo ao passo que a fotografia de Mandy Walker investe num tom dessaturado que cria um contraste interessante com as cores mais intensas.
Contando com uma trilha incidental apenas razoável e que poderia não representar um desapontamento se não tivesse sido feita por três compositores (entre eles o renomado Hans Zimmer), Estrelas Além do Tempo tem tudo para ser o Jogo da Imitação de 2017: um filme que provavelmente encantará multidões, mas que usa um tema relevante (no caso, a luta pela aceitação de mulheres e negros) apenas para tentar ganhar alguns prêmios.