Eu, Tonya (1)

Título Original

I, Tonya

Lançamento

15 de fevereiro de 2018

Direção

Craig Gillespie

Roteiro

Steven Rogers

Elenco

Margot Robbie, Allison Janney, Sebastian Stan, Paul Walter Hauser, Julianne Nicholson, Caitlin Carver, Bojana Novakovic, Bobby Cannavale, Dan Triandiflou, Ricky Russert, Mckenna Grace e Maizie Smith

Duração

119 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Margot Robbie, Steven Rogers, Tom Ackerley e Bryan Unkeless

Distribuidor

Califórnia Filmes

Sinopse

Desde muito pequena exibindo talento para patinação artística no gelo, Tonya Harding (Margot Robbie) cresce se destacando no esporte e aguentando maus-tratos e humilhações por parte da agressiva mãe (Allison Janney). Entre altos e baixos na carreira e idas e vindas num relacionamento abusivo com Jeff Gillooly (Sebastian Stan), a atleta acaba envolvida num plano bizarro durante a preparação para os Jogos Olímpicos de Inverno de 1994. Baseado em fatos reais.

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Eu, Tonya | Crítica

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Eu, Tonya é um filme que poderia facilmente descambar para o sentimentalismo barato: contando com uma protagonista que passou a vida inteira sendo maltratada pelas figuras brutais à sua volta, esta cinebiografia se concentra numa persona machucada e trágica que ainda foi obrigada a ver sua carreira promissora ir por água abaixo, o que por si só planta uma série de armadilhas dramáticas que talvez levassem o longa a sucumbir aos clichês e ao melodrama. Assim, é um alívio constatar como o diretor Craig Gillespie e o roteirista Steven Rogers conseguem escapar de quaisquer truques artificiais, criando uma narrativa que surpreende ao abraçar e refletir a insanidade do meio em que a personagem-título está inserida. E se existe o conceito de filme de superação, pode-se dizer que Eu, Tonya é… um filme de inferiorização?

Tomando como base várias entrevistas feitas com os nomes que surgem ao longo da projeção (incluindo a protagonista), o projeto logicamente reconta a trajetória de Tonya Harding, que despontou como patinadora na década de 1980 até que, em 1991, tornou-se a primeira mulher que conseguiu realizar um salto triplo. Por outro lado, essas conquistas são alegrias pontuais na vida de Harding, já que os abusos cometidos por sua mãe deixaram marcas permanentes e a agressividade de seu marido levou a patinadora à ruína – e embora não existam spoilers de uma história baseada em eventos reais, não vou contar o que acontece no final a fim de garantir o impacto naqueles que, como eu, não conheciam Tonya Harding.

Trata-se, como já dá para perceber, de uma tragédia. Assim, é uma surpresa que, em vez de enfocar o drama com obviedade, Craig Gillespie invista numa abordagem alucinada que de vez em quando me lembrou O Lobo de Wall Street e A Grande Aposta (que, por sinal, trazia Margot Robbie numa ponta divertida): acompanhando de perto a lógica intensa e surtada que imperava tanto nas ações dos coadjuvantes quanto na própria persona de Tonya Harding, o filme conta com um senso de humor mordaz que inclui sequências divertidamente absurdas, com direito a uma fantasia onde vemos a personagem-título se vingar de alguém usando uma arma de fogo. Além disso, é curioso (e meio bizarro) que, aqui e ali, o espectador se pegue rindo mesmo sentindo uma culpa iminente, já que o roteiro e a direção de Gillespie tratam até mesmo os abusos sofridos por Tonya com uma comicidade inesperada (percebam, por exemplo, a maneira súbita como a mãe da protagonista decide chutar a cadeira onde sua filha pequena está sentada).

O que não significa, por outro lado, que Eu, Tonya seja irresponsável ao ponto de ignorar as consequências do horror que retrata: em momento algum celebramos ou mesmo deixamos de repudiar a violência doméstica que Jeff Gillooly (o marido de Tonya) comete contra sua esposa – e isso é fundamental para que o tom da narrativa funcione, pois saber rir é tão importante quanto entender a hora de cessar o riso e encarar a gravidade de determinadas situações. Aliás, é admirável que tanto o roteiro quanto a direção estabeleçam um sentimento de urgência que vai crescendo progressivamente no decorrer da projeção, alcançando um clímax triste que se torna ainda mais chocante graças à irreverência que esteve nas quase duas horas anteriores.

Repleto de um dinamismo visual e sonoro que pode ser observado tanto nas cores vibrantes que os figurinos e a fotografia fazem questão de abraçar quanto na maneira como o design sonoro brinca com a diegese de certas músicas/sons, Eu, Tonya traz instantes onde a narração em off feita pela protagonista é complementada pelas frases que esta diz “ao vivo” durante a cena (um exemplo disso é a inspirada referência a Rocky IV). Igualmente eficaz é a decisão de intercalar a história principal com vários depoimentos fakes que mantém os atores em seus papeis – e, por conta disso tudo, a montadora Tatiana S. Riegel faz jus ao reconhecimento que vem recebendo nesta temporada de premiações, sendo particularmente fabuloso constatar como estes trechos encenados podem a qualquer momento interromper uma apresentação aparentemente impecável a fim de preparar o espectador para o desastre que ocorrerá a seguir. E se a seleção de canções confere uma aura ainda mais estilosa ao filme (não importa se é a trigésima vez que escutamos Spirit in the Sky, de Norman Greenbaum; reouvir esta música é sempre um prazer), Craig Gillespie volta a merecer aplausos pela forma como conduz as patinações feitas por Tonya Harding, que são dotadas de energia e, para variar, ganham força graças à fisicalidade de Margot Robbie.

O que nos traz, é claro, à protagonista e ao desempenho da atriz que a interpreta – e, como comentei anteriormente, a personalidade de Tonya Harding resume com precisão o tom que acompanha Eu, Tonya do início ao fim: dona de um comportamento que contraria o modo doce, lúdico e angelical com que o balé e a patinação no gelo costumam ser encaradas, a personagem que dá título à cinebiografia é encarnada por Margot Robbie (que, vale apontar, também produz o filme) com ferocidade, sarcasmo e intensidade, três características que obviamente provêm do âmbito do qual Tonya faz parte desde a infância (ao se aproximar de um jurado e exclamar “Suck my dick!“, a ação soa perfeitamente condizente com o que nos habituamos a ver até ali). Dito isso, quando a estrutura emocional de Harding começa a desmoronar, a partir do terceiro, percebemos que isto ocorre não só porque o mundo foi cruel com a patinadora, mas também porque esta não esperava que fosse incapaz de suportar o que estava acontecendo – e essa transição é ilustrada com brilhantismo por Robbie no instante em que, diante de um espelho, tenta simular um sorriso sem conseguir conter as lágrimas da derrota.

Mas é impossível discutir Eu, Tonya sem falar sobre Allison Janney, que certamente merece prêmios por seu trabalho como LaVona Fay Golden, a mãe de Tonya Harding. Mais do que uma criatura nojenta que maltrata até mesmo o canário que pousa em seu ombro, esta mulher é a razão que leva sua filha a ser do jeito que é, como se tivesse condenado Tonya para o resto de sua vida (algo que a própria diz em certo momento). E se no começo suas grosserias despertam algumas gargalhadas, aos poucos seus abusos vão soando cada vez mais repulsivos – quando finalmente conseguimos acreditar no “amor” que LaVona finge sentir pela filha, logo vemos essa sensação calorosa ser dolorosamente desconstruída. Para completar, Sebsatian Stan surge num papel que jamais remete àquele que viveu na série Capitão América, encarnando Jeff Gillooly como um sujeito bruto, porém ocasionalmente instigante que, entre um episódio de espancamento e outro, quase leva o espectador a gostar dele – até, claro, partir para a violência mais uma vez (ou seja: é como se o personagem fosse uma enganação constante tanto para Tonya quanto para o público).

Ainda que a parte final do segundo ato torne-se um pouco menos interessante do que deveria, introduzindo uma trama conspiratória que é desenvolvida de maneira excessivamente complicada, Eu, Tonya resgata com força total o fôlego que perdeu neste curtíssimo período e se estabelece como uma das melhores surpresas desta temporada – o que dói, porém, é saber que essa satisfação está enraizada numa história tão depressiva quanto a de Tonya Harding. E que o filme consiga criar humor em cima disso é uma proeza e tanto.

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