Lançado há poucos meses, Frozen: Uma Aventura Congelante já pode perfeitamente figurar não só na lista dos grandes clássicos da história da Disney, mas na de melhores filmes de 2014 – e acho difícil que saia dos dez finalistas. Dramaticamente ambicioso em sua maneira de enfocar a relação de amor não entre um casal de príncipes, mas entre duas irmãs, a animação se sai muitíssimo bem ao retomar uma série de elementos clássicos e conferir a eles uma roupagem extremamente contemporânea, dando um ar de novidade a uma história que tinha tudo para soar batida ou para cair no lugar-comum.
Escrito por Lee a partir do argumento assinado pela própria ao lado de Buck e Shane Morris e baseado no conto A Rainha da Neve, de Hans Christian Andersen – história que já foi adaptada para o Cinema em 2012 com a animação russa O Reino Gelado (que não vi) -, o roteiro nos apresenta às irmãs princesas Anna e Elsa, sendo que a segunda possui o dom de criar e manipular gelo, frio, fractais e etc. Após acidentalmente colocar Anna em perigo em virtude de seu poder, Elsa é obrigada a se isolar até o dia de sua coroação como rainha, afasando-se bruscamente de sua irmã cujas memórias envolvendo as habilidades especiais da mais velha foram apagadas. Porém, no dia da coroação, Anna tem um conflito com Elsa e a segunda acaba expondo seu poder, instaurando o pânico e causando um insuportável inverno para o povo de Arendelle. Disposta a reencontrar sua irmã, Anna parte em busca de Elsa, que vive na Montanha do Norte sob uma estrutura de gelo construída a partir de seu dom. No caminho, Anna consegue o apoio de Kristoff, sua rena Sven e do boneco de neve Olaf.
Cientes do que fazem, Lee e Buck conduzem a narrativa da película evitando qualquer erro em potencial e cometido de maneira frequente em algumas animações recentes, tornando Frozen um filme que acerta em praticamente tudo. É imperfeito? Lógico que sim, como um curto segmento supérfluo e sem-graça onde Anna, quando criança, reproduz os sonidos de um relógio acompanhando com os olhos o passar do tempo. Mas aí está. São apenas alguns segundos, nada que afete em absolutamente nada o saldo final do filme ou o torne menos admirável. Em alguns momentos, a película parece estar se encaminhando para falhar, introduzindo um coadjuvante que, a princípio, parece que tomará um caminho que o tornará apenas uma válvula de escape para besteiras; ameaçando expor clichês de histórias protagonizadas por princesas de forma irritantemente visível; aparentando seguir um caminho previsível ao extremo… Entretanto, o comando assumido por Lee e Buck somado ao roteiro da co-diretora claramente sabe o que funcionaria e o que representaria um erro, contornando todos os defeitos em potencial e tornando-se admirável ao abraçar a noção de se desenvolver uma narrativa.
Dito isso, o senso de humor de Frozen é, como foi dito no início do texto, acertadíssimo. Sem jamais desviar o rumo do desenvolvimento de sua trama para contar uma piada, Lee e Buck novamente se mostram competentes ao introduzir momentos cômicos que surgem orgânicos e que sempre aproveitam as condições da própria história e/ou dos personagens para se divertirem com isso. Sendo assim, ao se utilizar das condições dos personagens, a abordagem cômica da animação se revela absolutamente eficiente ao criar gags visuais envolvendo, por exemplo, a estética de Olaf. Abordando ainda a natureza psicológica de seus personagens, o senso humorístico do longa merece destaque também por jamais apresentar piadas previsíveis ou rasas, passando por tiradas espontâneas e inteligentes como a que envolve Olaf e o nome de Kristoff e Sven – quem viu sabe a que me refiro.
Povoado por figuras cativantes e simpaticíssimas, Frozen é beneficiado por seus personagens encantadores e abordados de forma ideal pelo roteiro. Anna é tida como uma jovem determinada a superar seus erros, ainda que jamais vise a perfeição. Notem, inclusive, que em momento algum a princesa aparenta ter inveja de sua irmã rainha; na verdade, ela encara a realidade com satisfação e alegria. Paralelamente, Elsa apresenta-se como uma figura cuja falta de liberdade gerada em razão de seu poder soa como algo verdadeiramente trágico, e seu dom de criar/controlar gelo/frio/fractais/etc é tratado como algo a ser temido pela própria personagem, conferindo a Elsa contornos que a assemelham à Vampira dos X-Men. Em alguns momentos dos dois primeiros atos da animação, Elsa quase aponta para uma possível vilania em virtude do seu desejo de liberdade. Com tudo que foi dito a respeito da rainha, Elsa torna-se multifacetada e talvez a personagem mais profunda e complexa do longa, ao mesmo tempo em que a relação entre ela e sua irmã é o grande pilar da trama. Ao mesmo tempo, Kristoff têm suas características básicas bem estabelecidas e sua química com Anna é acertada do início ao fim. Por sinal, sua rena Sven (cujo visual me remeteu à dupla de alces de Irmão Urso) também é capaz de criar uma simpatização entre o público e o animal. Mas simpático mesmo, é o boneco de neve Olaf, dono de um senso de humor absolutamente eficiente e protagonista dos melhores momentos cômicos do filme, além de contar com uma personalidade profundamente adorável. Finalizando, o antagonista Hans ganha o aprofundamento que lhe convém e o potencial (sem spoilers) triângulo amoroso entre ele, Anna e Kristoff traz consigo uma abordagem igualmente satisfatória.
Tecnicamente, Frozen acerta da mesma forma. Sua mixagem de som é impecável, os enquadramentos aplicados são absolutamente eficázes, sua montagem é hábil ao tornar o ritmo do filme ágil e, principalmente, seu estilo visual é arrebatador. Sua direção de arte é absolutamente espetacular, proporcionando paisagens fartamente encantadoras e cuja primorosa seleção de cores as tornam ainda mais lindas. Como se não bastasse, os diretores procuram usar as cores e o restante do visual para retratar o estado de espírito alcançado pelos personagens; vide a sequência onde Elsa se liberta soltando os cabelos e trocando o roxo e o preto pelo azul. As texturas das peles dos personagens são igualmente feitas com competência e seus movimentos são realistas, apresentando-se fluídos e orgânicos ao máximo possível.
No entanto, é provável que a maior qualidade de Frozen seja mesmo sua parte musical. Sendo beneficiadas pelo roteiro que as posiciona nos momentos corretos, as músicas da narração surgem absolutamente fantásticas devido a várias virtudes. As letras das canções, além de extremamente acertadas e bem elaboradas, sempre se utilizam do estado de espírito dos personagens para se criarem de forma absolutamente eficiente, além de trazerem consigo uma escolha e formação de palavras tão acertadas que acabam por torná-las ainda mais admiráveis. Pegue o brilhante pontuamento das condições dos personagens de acordo com determinado ponto do desenvolvimento da narrativa e some às incríveis vozes do elenco de voz que terá um espetáculo absoluto, contando ainda com um excepcional timming dos dubladores. As sequências musicais da película são tão encantadoras e majestosas artisticamente que acaba ficando fácil para o espectador torcer para que tais cantorias jamais terminem, tamanho o poder evocativo delas. Letras lindas, vozes fantásticas, encaixe na trama primoroso, visual arrebatador… é difícil dizer qual o fator principal responsável pelo sucesso das músicas. As sequências de For the First Time in Forever e, principalmente, Lei It Go merecem desde já entrar na lista dos melhores momentos do Cinema em 2014 e dos melhores momentos da história da Disney.
Divertido, belo, encantador, primoroso e incrível, Frozen mostra que a Disney de fato vem se tornando cada vez mais competente em suas animações computadorizadas, não dependendo mais do apoio da Pixar para alcançar resultados memoráveis. Como já foi dito no parágrafo inicial, dificilmente surgirão novos filmes para tirarem a nova produção da Disney da lista dos dez melhores longas-metragens do ano, sendo que estamos diante de um novo clássico do estúdio e que com certeza sobreviverá por décadas assim como os grandes títulos da empresa, além de funcionar maravilhosamente tanto para o público adulto quanto para o infantil.