Homem-Aranha: Longe de Casa é uma obra que se esforça para divertir o espectador. Em teoria, isto é admirável, já que provocar o sorriso no rosto de outra pessoa é sempre uma atitude nobre (mesmo considerando que o objetivo de uma superprodução como esta é um só: gerar centenas de milhões de dólares aos cofres da Sony e da Marvel). O problema é que, na ânsia de parecer bem-humorado aos olhos de um público mais jovem, o filme soa desesperado em suas constantes tentativas de arrancar o riso, tornando-se óbvio e malsucedido em diversas ocasiões. Sim, o bom humor é parte integral da persona do Homem-Aranha (e, como fã incondicional do personagem, reconheço isso sem dificuldade alguma), mas não a ponto de transformá-lo num Deadpool para crianças.
Escrito por Chris McKenna e Erik Sommers (que escreveram De Volta ao Lar ao lado de outros quatro roteiristas), Longe de Casa começa imediatamente após os eventos de Vingadores: Ultimato e mostra Peter Parker saindo de férias para relaxar um pouco – afinal, o garoto desapareceu por cinco anos e, assim que voltou, teve que participar de uma batalha grandiosa ao lado de dezenas de colegas. Ao chegar à Europa, no entanto, Parker é surpreendido pela chegada de Nick Fury, que o convoca para uma missão junto ao cientista Quentin Beck, também conhecido como Mysterio. Conforme a trama avança, os dois unem seus esforços para combater os “Elementais” (em outras palavras: uns monstros gigantes compostos por água, fogo, terra e ar). Mas é claro que a situação não termina por aí, já que logo o Homem-Aranha se encontrará no meio de ações… digamos, misteriosas demais.
Reconhecendo que o grande diferencial de Peter Parker é a imensa humanidade em suas atitudes (lembrem-se: ele é um super-herói que, mesmo voando pelos céus de Nova York e angariando uma base considerável de fãs, ainda é obrigado a lidar com dificuldades corriqueiras na vida de praticamente todos os adolescentes), Longe de Casa continua a retratar o Homem-Aranha como um personagem fascinante – mérito que se deve, em grande parte, ao desempenho de Tom Holland, que, exibindo timing cômico e espontaneidade em sua composição, faz Parker soar como o que ele é: um adolescente (e gosto particularmente de como a voz esganiçada de Holland sugere certa insegurança do garoto ao tomar suas decisões). Ao contrário de vários super-heróis, o Aranha frequentemente sente-se perdido e impotente em relação ao seu lugar no mundo, o que é interessante – mesmo que seu arco, aqui, nada mais seja que uma repetição daquele que acompanhamos no filme anterior (em De Volta ao Lar, Peter tinha que amadurecer e entender o real sentido de ser um Vingador, provando-se para Tony Stark no processo; em Longe de Casa, Peter tem que… amadurecer e entender o real sentido de ser um Vingador, estabelecendo-se como um sucessor para o Homem de Ferro no processo).
Aliás, a falta de imaginação não é o único problema do roteiro, que, em vez de construir três atos bem definidos e que se ligam de maneira orgânica, prefere investir numa estrutura frouxa, episódica e que consiste basicamente em um único tipo de situação: num momento, o Homem-Aranha terá que enfrentar um monstro e, ao mesmo tempo, desviar a rota que seus amigos seguem numa excursão; um pouco depois, outro adversário fará o herói mudar novamente o caminho do passeio escolar; mais à frente, algo similar voltará a acontecer; etc – e esta dinâmica repetitiva faz o filme soar quase como um videogame de duas horas, transformando cada sequência de ação em uma “fase” diferente. No meio disso tudo, a história tenta encontrar tempo para mostrar os colegas de Peter curtindo as férias pela Europa, o que poderia funcionar perfeitamente caso o roteiro não sentisse a necessidade de perder tempo com piadinhas sem graça e/ou com situações que pouco acrescentam à narrativa (toda a cena envolvendo um ônibus e um drone, por exemplo, poderia ser inteiramente descartada).
Não que o filme não tente provocar o riso. Aliás, como tenta. Evidenciando seu desespero assim que a vinheta da Marvel surge no começo da projeção (ao som de “I Will Always Love You”), Longe de Casa já começa fazendo graça com as mortes testemunhadas em Ultimato, impedindo o espectador de sentir o peso que a ausência de Tony Stark passou a causar em Peter. Isso, inclusive, acaba eliminando o drama de várias situações, já que, sempre que o filme está se encaminhando para um momento emocionalmente interessante (como o diálogo no qual MJ revela ter descoberto a identidade secreta do herói), logo vem uma piadinha que corta completamente o clima da situação. Assim, por mais que o roteiro se proponha a construir um arco de evolução para Peter Parker, a impressão que fica é a de que o filme em si não tem maturidade para lidar com os temas que pretende explorar, o que é uma pena (e este é só um dos motivos que fazem esta continuação empalidecer diante de Homem-Aranha 2, por exemplo).
Em compensação, Longe de Casa é favorecido pela simples presença de Jake Gyllenhaal, que transforma o Mysterio num dos pontos altos do filme: sim, as motivações por trás do personagem são simplórias e a cena que ilustra sua “virada” é sobrecarregada da mais pura exposição, mas até mesmo estes problemas merecem absolvição quando comparados à intensidade de Gyllenhaal, que confere sarcasmo, coleguismo e até mesmo jovialidade a Quentin Beck numa cena em que conversa com Peter a respeito dos dilemas habituais da adolescência – e, a partir do instante em que revela suas verdadeiras intenções, o personagem torna-se ainda mais interessante, permitindo que Gyllenhaal se divirta cada vez mais (e o fato de Mysterio ter como superpoder a habilidade de fazer as pessoas acreditarem em qualquer absurdo que surja na sua frente acaba soando como um comentário inesperado e eficaz sobre o contexto de fake news que infelizmente vivemos hoje). Já Zendaya ganha a oportunidade de injetar carisma e personalidade a MJ, representando uma evolução significativa em relação ao filme anterior.
Saindo-se um pouco melhor na condução das cenas de ação, que surgem bem mais dinâmicas do que em De Volta ao Lar e atingem um clímax particularmente satisfatório no terceiro ato, o diretor Jon Watts se destaca ao criar uma ou outra imagem eficiente, como aquela que traz o Aranha no topo de uma torre enquanto fogos de artifício explodem ao fundo – e a sequência que ilustra um “pesadelo” do personagem-título, em especial, é simplesmente fabulosa, surpreendendo o espectador ao abraçar níveis cada vez maiores de insanidade. Por outro lado, é triste ver um compositor talentoso como Michael Giacchino criando uma trilha genérica, esquecível e reduzida a dois ou três temas reciclados de seus trabalhos anteriores.
Assim, Homem-Aranha: Longe de Casa acaba se revelando um filme muito mais interessado em piadinhas e em sequências de ação do que nos conflitos pessoais de seu protagonista, apresentando-se, no fim das contas, como um passatempo moderadamente divertido, porém excessivamente preocupado e inseguro com sua capacidade de divertir.
Assista também ao vídeo SEM spoilers que gravei sobre o filme: