It A Coisa (capa)

Título Original

It

Lançamento

7 de setembro de 2017

Direção

Andy Muschietti

Roteiro

Cary Fukunaga, Chase Palmer e Gary Dauberman

Elenco

Jaeden Lieberher, Sophia Lillis, Jeremy Ray Taylor, Bill Skarsgård, Finn Wolfhard, Wyatt Oleff, Jack Dylan Grazer, Chosen Jacobs, Nicholas Hamilton, Jackson Robert Scott, Pip Dwyer, Stephen Bogaert, Stuart Hughes, Steven Williams e Ari Cohen

Duração

135 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Roy Lee, Dan Lin, Seth Grahame-Smith, David Katzenberg e Barbara Muschietti

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Um grupo de sete adolescentes de Derry, uma cidade no Maine, formam o auto-intitulado “Losers Club” – o clube dos perdedores. A pacata rotina da cidade é abalada quando crianças começam a desaparecer e tudo o que pode ser encontrado delas são partes de seus corpos. Logo, os integrantes do “Losers Club” acabam ficando face a face com o responsável pelos crimes: o palhaço Pennywise.

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It: A Coisa | Crítica

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Acho que um forte atestado a favor de um filme é a sensação de que, no futuro, ele será lembrado com respeito. E por que digo isso? Porque assim que saí da sessão de It: A Coisa, tive a plena convicção de que o longa provavelmente seria considerado um marco dentro do gênero “terror”: embora construa uma atmosfera que sempre mantém o espectador tenso e instigado, o que realmente torna esta obra memorável é a maneira criativa com que trata o conceito de medo – um conceito que parece óbvio em um projeto voltado para o Terror, de fato, mas que aqui ganha contornos simbólicos e enriquecedores de um ponto de vista temático. E digo mais: quando terminei de assistir a It, tive total certeza de que este seria o filme responsável por formar uma nova geração de crianças que morrem de medo de palhaços; o que é notável.

Baseado no livro homônimo que Stephen King escreveu em 1986 (e que foi adaptado para a TV em 1990 numa minissérie posteriormente relançada como um telefilme de três horas), It começa com uma cena aterrorizante onde o pequeno Georgie é atacado e raptado por um palhaço chamado Pennywise. Alguns meses se passam e a família do menino se muda para a cidadezinha de Derry, onde o adolescente Bill imediatamente entra para o “Clube dos Otários” formado pelos colegas Ben, Ritchie, Stan, Eddie, Mike e Beverly (esta última é a única menina). Na escola, o grupo é obrigado a encarar o bullying praticado pelo valentão Henry Bowers – e, como se não bastasse, Pennywise ainda volta para atormentar a vida dos garotos, o que inevitavelmente os obriga a superar seus medos particulares.

Resgatando com precisão o espírito e o estilo estético da década de 1980 (que parece despertar uma nostalgia ímpar no Cinema), It acerta ao manter a trama em 1989 e numa cidade pequena, pois é difícil acreditar que Pennywise assustaria tantas crianças numa megalópole e num tempo onde os canais de comunicação estão bem mais refinados. Neste sentido, o trabalho de reconstituição de época torna-se fundamental para que o universo da história soe convincente – algo que, felizmente, ocorre aqui: assim como a recente série Stranger Things, o filme é bastante eficaz ao trazer os anos 1980 de volta através de veículos, figurinos, objetos, gírias datadas e até mesmo de um cinema que ostenta Batman e Máquina Mortífera 2 em sua fachada. Por outro lado, um dos grandes méritos do longa neste sentido é a sua modéstia: mesmo ambientado numa época tão saudosa, a produção não se orgulha deste fato a ponto de escancará-lo com referências descartáveis, soando quase como uma obra realmente produzida naquela década.

Outro elemento que merece destaque é a direção de Andy Muschietti (também responsável por Mama, produzido por Guillermo del Toro): hábil ao envolver a narrativa numa atmosfera sempre tensa e opressiva, o cineasta revela uma disciplina notável ao empregar os planos holandeses de maneira lógica, usando estes ângulos inclinados a fim de ilustrar a insegurança que gira em torno dos personagens. Além disso, existem vários momentos onde Muschietti de fato faz o espectador sentir aquilo que os protagonistas estão tendo que suportar – tomemos como exemplo a cena em que uma fonte de sangue inunda o banheiro de Beverly (e que me lembrou A Hora do Pesadelo): quando o pai da garota chega perguntando o que houve e ela pede que olhe ao redor, o sujeito simplesmente não vê nada de errado e vai embora como se não tivesse ocorrido uma inundação de sangue ali. Em vez de cortar para um plano mostrando o banheiro limpo (leia-se: a visão do pai), Muschietti resolve preservar aquela aparência grotesca até o fim da cena, fazendo com que o público automaticamente compartilhe das mesmas visões de Beverly.

O mais interessante, porém, é a forma como Muschietti estabelece o tom da narrativa: por excelência, It é um filme de terror que traz várias sequências assustadoras e graficamente pesadas (aliás, quem tem dificuldade em ver crianças se machucando – como eu – certamente ficará chocado com o que é mostrado aqui). Em compensação, entre estas passagens o longa cria outras que remetem a obras mais leves e inocentes como Os Goonies e Conta Comigo (que também era baseado num livro de Stephen King), o que acaba servindo para referenciar ainda mais os anos 1980 e, ao mesmo tempo, desarmar as expectativas do público. Desta forma, o filme pode até incomodar e amedrontar, mas há também uma importante ingenuidade que serve como um contraponto perfeito ao terror propriamente dito – e, se tivesse caído nas mãos de um diretor menos competente, It certamente se perderia no meio deste caminho e se transformaria em uma colcha de retalhos que jamais consegue estabelecer um tom consistente para a história.

Trata-se de uma abordagem que, inclusive, tem tudo a ver com os temas que são discutidos no decorrer da trama e que surgem através de simbolismos sutis. Pois não se enganem: mais do que um filme de terror admirável, It também é uma obra que debate questões como o amadurecimento, a necessidade de superar medos particulares e a perversidade que pode haver nos mais velhos – e, como não li o livro, não sei se estes signos foram pensados por Stephen King, mas de todo modo é bom que eles existam no roteiro de Chase Palmer, Gary Dauberman e Cary Fukunaga (este último também se destacou ao dirigir a primeira temporada de True Detective e o estarrecedor Beasts of No Nation). Aliás, mesmo tentando evitar spoilers, pode ser que os detalhes contidos nos próximos parágrafos estraguem parte da experiência de quem ainda não assistiu ao longa, então sugiro que confira antes de prosseguir com a leitura.

Complexo, ambicioso e sutil ao lidar com os personagens e com os dramas de cada um, It é protagonizado por um grupo de crianças que contam com medos, traumas ou receios pessoais: Bill é gago (o que atrai provocações na escola onde estuda) e sofreu com o desaparecimento de seu irmãozinho; Beverly tem um pai que parece estar prestes a abusá-la sexualmente; Ben sofre bullying por estar acima do peso; Ritchie tem medo de palhaços; Eddie é hipocondríaco; Mike é negro tem visões que mostram familiares sendo queimados, o que sugere um racismo que assombra o menino; e Stan é judeu, o que significa que ele pode temer uma perseguição. Ao serem confrontados por Pennywise, uma figura que simboliza todas essas características, eles percebem que é preciso vencer estes medos para sobreviver – o que configura uma atitude que requer maturidade, indicando que estes garotos estão crescendo e… amadurecendo, é claro.

O que não quer dizer que os adultos entorno dos heróis sejam maduros ou confiáveis. Responsáveis pelo gerenciamento de Derry, os maiores de idade que surgem aqui são os verdadeiros culpados pelos problemas que assolam a cidade onde habitam, o que inclui uma série de personagens bizarros e autoridades que demonstram uma displicência absurda. Desta forma, é bastante apropriado que praticamente todos os adultos que aparecem em It sejam retratados como criaturas imperfeitas e duvidosas: o pai de Beverly é um agressor; a mãe de Eddie é superprotetora ao ponto de soar amedrontadora; o casal de velhinhos que vê Ben sofrer bullying resolve ignorar a situação com uma frieza horrorosa; e há também um farmacêutico que, após ser comparado a Clark Kent, afirma que Beverly é Lois Lane. Isso sem contar, é claro, que até mesmo os atos brutais do bully Henry Bowers ocorrem porque: 1) nenhum funcionário da escola se interessou em punir o valentão; e 2) seu pai é um sujeito terrivelmente hostil. Além de serem os responsáveis por tudo aquilo que há de errado com Derry, os adultos que moram na cidade contradizem a ideia que crianças costumam ter de que os maiores de idade são sempre indivíduos esclarecidos e infalíveis.

E é aí que entra Pennywise, que nada mais é do que a síntese de todo o horror ocorrido em Derry e que é primordialmente motivado pela imundice dos mais velhos (percebam que tudo o que escrevi nos dois parágrafos anteriores se reflete na identidade do palhaço). Concebido como uma criatura imprevisível, ameaçadora e cada vez mais perigosa, o monstro (podemos chamá-lo assim, certo?) torna-se ainda mais poderoso graças ao fabuloso desempenho de Bill Skarsgård, que consegue adicionar uma leve ingenuidade nos olhos de Pennywise e, com isso, quase leva o espectador a enxergá-lo como um ser inofensivo – isto é: até ele fazer sua primeira vítima (e o modo como ele seduz um menino talvez pareça com um pedófilo). Para completar, a performance física de Skarsgård é fundamental para que o palhaço ganhe uma vida ainda maior: seu sorriso é perturbador; o jeito como ele dança sem mover a cabeça é naturalmente impressionante; e o olhar estrábico que o ator mantém consegue ao mesmo tempo atrair suas futuras presas e romper a quarta parede estabelecendo uma conexão direta com o público.

Infelizmente, It não é perfeito: existem, sim, algumas burrices tipicamente cometidas por protagonistas de filmes de terror (como um personagem que desce num porão escuro quando obviamente há algo estranho ali) – e até mesmo a forma como o roteiro transita do segundo para o terceiro ato me soou meio abrupta. De qualquer forma, isto não diminui a força do filme, que é, ao lado do excelente Corra! e do bom Ao Cair da Noite, uma evidência de que 2017 está sendo mais um ano interessante para o Terror. Agora, resta esperar até que esta obra se consolide de vez como um clássico do gênero.

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