King Richard (2)

Título Original

King Richard

Lançamento

2 de novembro de 2021

Direção

Reinaldo Marcus Green

Roteiro

Zach Baylin

Elenco

Will Smith, Aunjanue Ellis, Saniyya Sidney, Demi Singleton, Tony Goldwyn, Jon Bernthal, Dylan McDermott, Mikayla LaShae Bartholomew, Danielle Lawson, Layla Crawford, Andy Bean, Rich Sommer, Kevin Dunn, Craig Tate, Vaughn W. Hebron e Jessica Wacnik

Duração

145 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Will Smith, Tim White e Trevor White

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Destinado a fazer de suas filhas futuras campeãs de tênis, Richard usa métodos próprios e nada convencionais, seguindo sua visão clara que construiu para as filhas Serena e Venus. Determinado, o pai das garotas vai fazer de tudo para fazer com que elas saiam das ruas de Compton para as quadras do mundo todo.

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King Richard: Criando Campeãs | Crítica

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Venus e Serena Williams são irmãs com um ano de diferença de idade. Criadas em uma casa apertada com os pais e outras três crianças num bairro pobre e violento de Compton, na Califórnia, as duas estavam determinadas a alcançar um objetivo em comum: o status de campeãs absolutas de tênis. Com isso, as duas passaram a treinar exaustivamente e a se revelar verdadeiros fenômenos do esporte, impressionando praticamente todos que se aproximavam delas e/ou se ofereciam para treiná-las. Aliás, o talento mútuo de ambas foi tão avassalador que nem a teimosia e a intransigência de seu pai, Richard, ao assessorá-las conseguiu diminuir seu brilho: o sujeito foi estúpido ao tirar as meninas dos torneios juvenis (dificultando o desenvolvimento de suas carreiras) e arrogante a ponto de espantar basicamente todos os possíveis treinadores/patrocinadores que se aproximavam, mas, no fim das contas, tanto Venus quanto Serena terminaram cada uma no topo da Associação de Tênis Feminino por semanas.

Duas personalidades de capacidades excepcionais e cujas histórias poderiam facilmente render um filme sobre suas vidas – e, se digo “poderiam”, é porque King Richard toma a decisão de adotar como protagonista não Venus ou Serena, mas… seu pai.

Dirigida por Reinaldo Marcus Green (Monstros e Homens), esta biografia faz um bom trabalho ao apresentar seus conflitos e ao construir uma “história de superação” sem soar descaradamente como um caça-Oscars (embora obviamente não deixe de sê-lo), fazendo as dores e as ambições dos personagens parecerem naturais em vez de fabricadas sob demanda com o intuito apenas de levar o espectador às lágrimas (embora a trilha de Kris Bowers irrite ao mastigar cada mínima sensação que o público deve ter a cada passagem da narrativa). Assim, ao longo da projeção, somos levados a torcer pelo sucesso das irmãs Williams e a lamentar as eventuais derrotas daquela família – e admiro a não só a eficácia, mas a coragem do filme de romper com a tradicional obrigação de encerrar-se com a vitória do(a) protagonista, tornando o desfecho  da história ainda mais inesperado (e dramático) graças à sensação de infalibilidade que manteve acerca daquelas personagens ao longo das mais de duas horas anteriores. Da mesma forma, embora o tema central da obra não seja o racismo presente na estrutura das relações sociais, o roteiro do estreante Zach Baylin consegue encaixar alguns momentos pontuais que apontam a discriminação velada que compõe, por exemplo, a dinâmica entre Richard e os treinadores que busca e que o rejeitam por suas filhas “não se encaixarem no padrão requisitado” – um apontamento que a narrativa não se vê forçada a parar para fazer.

Da mesma forma, o elenco cumpre bem suas funções mesmo presos a personagens que nem sempre (ou quase nunca) o roteiro favorece ou sabe exatamente como abordar: se por um lado é uma pena constatar como Venus e Serena Williams jamais têm voz própria em um projeto que em boa parte deveria ser sobre elas, por outro é importante ressaltar que as pequenas atrizes que as interpretam (respectivamente, Saniyya Sidney e Demi Singleton) são bem-sucedidas em expressar, no pouco espaço que lhes é concedido, as ambições que têm de decolarem no esporte, as dores que sentem por ver o sonho continuamente atrapalhado pelo pai e as frustrações que eventualmente colhem em função disso. Enquanto isso, Aunjanue Ellis, que interpreta a mãe Brandy, desempenha o importante papel de representar uma barreira contra a irresponsabilidade e a estupidez que Richard faz respingar em Venus e Serena (um papel que se torna ao mesmo tempo ingrato, já que nenhuma das correções que Brandy coloca para o marido tem qualquer consequência prática para ele ou – pior – para a narrativa). E como é bom ver Jon Bernthal vivendo um personagem que foge dos tipos durões e psicopatas que o ator costuma encarnar na maioria das ocasiões recentes, permitindo-lhe injetar calor e empatia ao treinador Rick Macci.

O que nos traz ao indivíduo que dá título ao filme e ao ator que o interpreta. Assim como todo o longa ao seu redor, Will Smith encarna Richard Williams em uma performance que, embora pronta para ser indicada a prêmios, jamais parece criada sob o pretexto único e exclusivo de abocanhá-los (como ocorria no pavoroso Beleza Oculta, por exemplo), ilustrando com cautela não só a postura física combalida do sujeito (resultado do desgaste para com o próprio corpo) e o sofrimento que julga necessário guardar em prol dos “ensinamentos” que pretende transmitir às filhas – e, se coloco “ensinamentos” entre aspas, é porque honestamente não acho que dê para classificar o que Venus e Serena recebem de seu pai como aprendizado e nem acredito que as intenções do sujeito fossem positivas. Na verdade, o intuito de Richard não parece ser o de ensiná-las qualquer coisa, mas o de transformá-las naquilo que ele planejou que fossem (independente da vontade individual delas) para depois se congratular por tê-las colocado no “caminho certo” (repito: mesmo que não fosse o caminho que elas escolheram em primeiro lugar).

Isto, contudo, não me incomodaria se King Richard entendesse as atitudes abusivas de seu protagonista como tais (e, sim, são abusivas: ele convence as filhas a dedicar suas vidas a se tornarem as melhores tenistas do mundo sem se preocupar se o objetivo de vida delas era este; ele as abandona na porta de uma lojinha porque elas comemoravam uma vitória num torneio juvenil; ele escolhe apoiar exclusivamente em Venus e jogar Serena para escanteio, separando as duas irmãs; etc). Em vez disso, porém, o que o filme faz é apresentar os momentos nos quais Richard é grosseiro, intransigente ou estúpido, mas sem jamais concluir que estas atitudes eram resultantes de desvio de caráter e prejudiciais às vidas pessoal e profissional das filhas. Ou seja: é como se o longa percebesse a babaquice do protagonista (tanto que há Brandy para protestar contra ele), mas nunca o repreendesse por esta – e isto se torna ainda pior quando constatamos o esforço da obra em nos convencer de que os erros de Richard foram responsáveis pelo sucesso de Venus e Serena, não sendo à toa que, nos tradicionais letreiros que surgem ao final da projeção e que abreviam o que aconteceu com o biografado nos anos seguintes à história contada ali, as frases que destacam os feitos das duas irmãs sejam pontuadas por um “Assim como Richard previu”.

Que King Richard tente creditar o sucesso de Venus e Serena ao seu problemático pai é algo que só consigo atribuir ao puro machismo. Que o personagem em si jamais faça por merecer tamanho crédito (ou, ora, um filme inteiro para enaltecê-lo) torna tudo ainda mais problemático, já que, na ânsia de encontrar alguma coisa para celebrar no protagonista, o longa acaba tratando ações escancaradamente abusivas e condenáveis como algo a se “admirar”, como combustível romântico para o talento das filhas.

Há também a fragilidade narrativa intrínseca ao fato de Richard ser um personagem com pouco potencial para sustentar o protagonismo de uma obra (ainda mais em comparação às suas filhas) – e não é à toa que, em vários momentos, sentimos o desespero gritante do roteiro em encontrar algum detalhe/conflito interessante na vida do sujeito que justifique toda a atenção dada ao seu arco, agarrando-se em pequenas situações dramáticas que, sejamos francos, nada acrescentam à trama ou aos resultados de Venus e Serena (todo o embate entre Richard e uma gangue local, culminando num quase assassinato que deixa o protagonista nitidamente abalado, serve apenas para dispersar o foco da narrativa e fazer a projeção atingir excessivos 145 minutos de duração).

E é isso que King Richard falha em perceber: seja por seu caráter duvidoso ou pelo fato de ser um protagonista simplesmente desinteressante, Richard Williams empalidece diante das duas extraordinárias atletas que criou – e que ambas recebam créditos de produtoras executivas desta cinebiografia, mostrando-se cientes da forma com que esta retratou seu pai, é algo que me dá um aperto ainda maior no coração, pois deduzo que Venus e Serena não se identificaram como vítimas de um homem cujos abusos autoritários nada têm de romântico ou motivador.

No aguardo do filme sobre Joe Jackson.

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a COVID-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)

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