Manchester à Beira-Mar (1)

Título Original

Manchester by the Sea

Lançamento

19 de janeiro de 2017

Direção

Kenneth Lonergan

Roteiro

Kenneth Lonergan

Elenco

Casey Affleck, Lucas Hedges, Michelle Williams, Kyle Chandler, Kara Hayward, C.J. Wilson, Anna Baryshnikov, Tate Donovan, Erica McDermott e Heather Burns

Duração

137 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Matt Damon, Kimberly Steward, Chris Moore, Kevin J. Walsh e Lauren Beck

Distribuidor

Sony Pictures

Sinopse

Lee Chandler (Casey Affleck) é forçado a retornar para sua cidade natal com o objetivo de tomar conta de seu sobrinho adolescente após o pai (Kyle Chandler) do rapaz, seu irmão, falecer precocemente. Este retorno ficará ainda mais complicado quando Lee precisar enfrentar as razões que o fizeram ir embora e deixar sua família para trás, anos antes.

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Manchester à Beira-Mar | Crítica

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Pelo visto, 2017 está fazendo uma seleção curiosa de filmes para analisar por aqui: há menos de uma semana, quando escrevi a respeito do excepcional Capitão Fantástico, afirmei que uma das maiores virtudes daquela produção encontrava-se na sua capacidade de abordar o luto com uma leveza notável, mas que ainda assim era pontual o suficiente para não eliminar o impacto da situação vivida pelo protagonista e por sua família. Dizer o mesmo sobre Manchester à Beira-Mar não me parece correto, mas é interessante perceber que este longa gira em torno do mesmo tema e confere um grau de dramaticidade que, embora seja ainda maior, não chega a mergulhar o projeto num mar incômodo de morbidez – e felizmente, o resultado é dos mais satisfatórios.

Comandado por Kenneth Lonergan (que começou sua carreira no Cinema com argumento e roteiro de Máfia no Divã e inexplicavelmente escreveu o pavoroso As Aventuras de Alceu e Dentinho), Manchester à Beira-Mar nos apresenta a Lee Chandler, um zelador que leva uma vida complicada por conta de um passado nebuloso e aparentemente problemático. Depois que seu irmão Kyle falece em decorrência de insuficiência cardíaca, o protagonista é obrigado a voltar à cidade de Manchester para organizar todo o procedimento pós-morte (reconhecimento de corpo, verificação do testamento, planejamento do velório e etc). No meio disso tudo, Lee começa a desenvolver uma relação mais íntima com seu sobrinho Patrick, ao mesmo tempo em que precisa encarar algumas marcas dolorosas deixadas por tempos anteriores.

Beneficiado pelo trabalho da diretora de fotografia Jody Lee Lipes, que encontra na frieza de Manchester uma maneira de refletir a tristeza sentida pelos personagens, Manchester à Beira-Mar acerta ao tratar aspectos fundamentais da narrativa como se fossem um mistério a ser decifrado – e neste sentido, Lonergan e a montadora Jennifer Lame merecem elogios pela forma como inserem flashbacks ao longo da primeira metade da projeção, revelando aos poucos as circunstâncias que causaram a morte de Kyle Chandler e o porquê de tal evento provocar determinado impacto. Além disso, o próprio Lee também passa por um desenvolvimento que gradualmente expõe seus dilemas e traumas pessoais; e quando enfim descobrimos os motivos por que o personagem busca manter distância de sua terra natal, nossa reação enquanto público é de mais puro espanto – o que se deve ao roteiro e, mais uma vez, à montagem, que inteligentemente adiciona flashbacks que tocam nessa questão num momento-chave do filme.

O que nos traz à performance de Casey Affleck, que já é considerado um dos favoritos à próxima edição do Oscar: vivendo Lee como um sujeito de personalidade amarga e que parece estar sob domínio total da desesperança, o ator transmite uma espécie de morbidez interna através de seu olhar disperso e pouco expressivo, saindo-se bem ao adotar uma postura física arqueada que sugere um “peso” carregado nas costas do personagem. E se a voz é essencial para retratar a vulnerabilidade de Lee (que parece exalar uma sensação incômoda a partir do tom levemente fino, porém rouco em sua fala), seu temperamento irregular contribui para que o indivíduo se concretize como uma figura misteriosa e, até certo ponto, imprevisível – afinal, por mais fechado e introvertido que seja, ele sempre pode estar prestes a explodir e desferir socos desengonçados por razões banais, como um simples esbarrão. Para completar, a química entre Affleck e Lucas Hedges não poderia ser mais certeira, criando um choque entre as peculiaridades de Lee e a jovialidade de Patrick, que vive aquelas situações típicas de adolescentes (com a exceção de que o rapaz tem não uma, mas duas namoradas).

Por fim, o que realmente chama a atenção em Manchester à Beira-Mar é o tom que Kenneth Lonergan cria para a narrativa – e me atrevo a dizer que este é um dos projetos mais humanos que conferi nos últimos tempos. Em vez de se render às armadilhas do tema envolvido (morte em família é um assunto que poderia pender para o melodrama com facilidade), o diretor sabe abordar a questão sem exagerar na dramaticidade, soando realista ao se aprofundar nos problemas enfrentados pelos personagens sem jamais cair no novelesco. No entanto, se há sequências que vêm como verdadeiros choques (como o reconhecimento do corpo de Kyle Chandler e o já citado momento em que o passado de Lee é revelado), também existem alívios cômicos que funcionam por surgirem de maneira pontual e inesperada, servindo como uma forma de desarmar as expectativas do espectador e evitar que o drama comece a se tornar excessivo (e alguns dos instantes mais divertidos têm a ver com a vida sexual desajeitada de Patrick e suas conversas com o tio sobre o uso de preservativos).

Pontuado por uma trilha sonora que ressalta a dramaticidade enfrentada pelos personagens, Manchester à Beira-Mar deixa a desejar apenas em sua mixagem de som, que de vez em quando se mostra irregular na captura do áudio que sai da boca dos atores (notem que, durante uma conversa entre Lee e Patrick, a voz de Casey Affleck soa mais abafada que a de Lucas Hedges). E se elogiei fartamente a montagem no terceiro parágrafo, aqui retorno à mesma e aponto sua incapacidade de esconder alguns erros de continuidade, que surgem com certa frequência e quase sempre são perceptíveis.

De todo modo, estes pecados são ridiculamente minúsculos diante do poder de uma obra que compreende o ser humano como ele é, ainda mais quando está passando por momentos difíceis como a perda de um ente querido ou a volta de velhos demônios particulares.

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