Não Olhe para Cima

Título Original

Don’t Look Up

Lançamento

24 de dezembro de 2021

Direção

Adam McKay

Roteiro

Adam McKay

Elenco

Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Rob Morgan, Meryl Streep, Jonah Hill, Cate Blanchett, Tyler Perry, Mark Rylance, Timothée Chalamet, Ron Perlman, Ariana Grande, Scott Mescudi, Himesh Patel, Tawhid Rike Zaman, Melanie Lynskey, Michael Chiklis, Tomer Sisley, Paul Guilfoyle e Robert Joy

Duração

138 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Adam McKay e Kevin Messick

Distribuidor

Netflix

Sinopse

Dois astrônomos medíocres descobrem que em poucos meses um meteorito destruirá o planeta Terra. A partir desse momento, eles devem alertar a humanidade por meio da imprensa sobre o perigo que se aproxima.

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Não Olhe para Cima | Crítica

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Quando Não Olhe para Cima, novo trabalho do cineasta Adam McKay, chegou ao fim, meus sentimentos com relação à obra eram conflitantes: por um lado, o filme me manteve engajado e até entretido na maior parte do tempo; por outro, também me provocou um vazio que, além de inversamente proporcional à quantidade de personagens e assuntos que a narrativa busca discutir, seria mais esperado de um passatempo inofensivo que de uma obra que se pretende “relevante” do ponto de vista temático. Assim, quanto mais pensava no longa, mais chegava à conclusão de que, embora divertido e interessante, ele não havia me acrescentado em absolutamente nada e – o mais revelador – sequer havia me levado a refletir sobre as questões levantadas por McKay. Em vez disso, Não Olhe para Cima me trouxe somente um leve prazer por enxergar refletidas na tela todas as minhas convicções sobre Trump, Bolsonaro e os sociopatas/imbecis/ambos que os idolatram (literalmente) até a morte – mas sem jamais questioná-las, aprofundá-las ou mesmo desenvolvê-las por conta própria.

Escrito e dirigido por McKay, Não Olhe para Cima é um exemplo claro de como o contexto que envolve uma obra é capaz de reinterpretá-la ao seu próprio modo, já que, originalmente pensado como uma sátira à postura anti-Ciência da extrema-direita diante do aquecimento global (afinal, eles precisam continuar destruindo o planeta em prol dos lucros próprios e a última coisa de que necessitam é da conscientização da Humanidade acerca da poluição e do capitalismo), o filme calhou de ser rodado, finalizado e lançado em 2021, fazendo com que a “metáfora” do projeto (um cometa que vem em direção à Terra e cujos alertas da comunidade científica são menosprezados pelo governo norte-americano por razões eleitoreiras e industriais) acabasse redirecionada para a Covid-19 e para o negacionismo propagado por criminosos fascistoides e sanguinários como Donald Trump e Jair Bolsonaro durante a pandemia – e que, só no Brasil, resultou por enquanto em mais de 600 mil mortes e em uma infinidade de falas do presidente debochando das famílias enlutadas, negando a gravidade do vírus, apostando na contaminação em massa, desestimulando o uso de máscaras e o distanciamento social, boicotando a compra de vacinas, recomendado à população um remédio comprovadamente ineficaz e, mais recentemente, permitindo a morte de crianças pela doença. Isso sem mencionar as suspeitas de corrupção (superfaturamento e cobrança de propinas) acerca da compra de vacinas que a CPI da Covid levantou*.

Neste aspecto, levando em conta a natureza satírica do projeto e o histórico de Adam McKay (é dele, entre outras coisas, a comédia O Âncora), é revelador que o humor de Não Olhe para Cima seja mais periférico do que central, surgindo pontualmente para extrair um ou outro riso antes da história seguir em frente (as melhores tiradas da narrativa, aliás, giram em torno da personagem de Lawrence e da antipatia que causa nas autoridades que a cercam por tratá-las o tempo inteiro com irreverência). Ao contrário do que costuma-se ocorrer em sátiras, as tais “denúncias sociais” do filme soam mais eficazes menos quando surgem da exposição ao ridículo (como discutirei adiante) e mais quando McKay as retrata de maneira grave, direta e literal – e a sequência que traz os cientistas no salão oval tentando alterar a presidente e sua equipe sobre o cometa representa um dos melhores momentos da carreira do cineasta, criando uma incontrolável inquietação através da decupagem (câmera instável; cortes frequentes; planos que revelam detalhes aparentemente irrelevantes e que, por isso mesmo, ajudam a nos deixar perdidos e ansiosos) e da postura dos antagonistas, que despertam nervosismo graças não à sua “burrice”, mas à sua decisão consciente e arrogante de não levar aqueles cientistas a sério.

Mostrando-se mais contido em seu estilo habitualmente veloz, autoimportante e repleto de sacadinhas visuais (que funcionou no ótimo A Grande Aposta e se perdeu no mediano Vice), Adam McKay encontra nos personagens (e no elenco por trás destes) a maior força deste seu novo trabalho, já que a forma com que os desenvolve muitas vezes se mostra mais eficaz ao encontrar nuances políticas/sociais do que a trama em si: encarnado por Leonardo DiCaprio como um sujeito obviamente ansioso e inseguro, o astrônomo Randall Mindy ainda assim não hesita em se deixar deslumbrar pelos louros trazidos pela mídia e pela espetacularização de modo geral, chegando a apoiar momentaneamente causas estúpidas que vão contra suas intuições em prol do prestígio que estas lhe trazem (e é por isso que acho injusto compará-lo ao biólogo Átila Iamarino) – e, se ele ainda se redime no terceiro ato, é mais por perceber o resultado cataclísmico que sairá daquela empreitada do que por um apego a qualquer “princípio” moral.

Enquanto isso, Jennifer Lawrence situa Kate Dibiasky como a representação máxima do desgosto da comunidade científica ao perceber-se impotente, calada à força, diante da presidente Janie Orlean (“Eu não votei em você”, diz Dibiasky a ela). Presidente esta que é interpretada por Meryl Streep menos como uma figura simplesmente “burra” e mais como uma criatura realmente mal intencionada, menosprezando a palavra dos cientistas não por “patetice”, mas por acreditar que estes são insignificantes, dignos de deboche – e é importante que McKay e Streep comuniquem isto, pois evita a leitura recorrente (mas equivocada) de que Trumps e Bolsonaros são apenas “burros” ou “loucos” (não; eles são canalhas que cometem seus crimes por livre e espontânea vontade). O mesmo se aplica a Jason, o filho da presidente, que se revela uma criança grande, mimada e, sim, estúpida, mas cujas ações e falas escrotas se devem menos a uma “ignorância” e mais ao caráter desprezível do sujeito mesmo, que gosta de se aproveitar da posição de “filho da governante mais poderosa do mundo” para ser livremente babaca com os outros.

Porém, é da semelhança entre Orlean e Trump que nasce também a grande fragilidade de Não Olhe para Cima e aquilo que o torna – ao menos, para mim – tão… descartável: por mais que Adam McKay se esforce em traçar uma série de paralelos com a nossa realidade, compondo uma sátira que, como tal, eleva os componentes de seu “alvo” ao máximo do absurdo a fim de expô-los e/ou ridicularizá-los, o fato é que o próprio mundo real de 2016-2022 se tornou tão surreal que nada do que o filme cria é capaz de soar como uma versão “satírica” da contemporaneidade; apenas como uma mera reprodução automática da contemporaneidade em si. Assim, quando um militar de alta patente (vivido por Ron Perlman) surge, no terceiro ato, tentando acertar um cometa a tiros, minha reação diante daquilo não foi o riso (que McKay obviamente tentava provocar), mas a constatação de que aquela cena seria perfeitamente possível na (nossa) vida real.

Afinal, por que deveríamos achar que as ações da presidente Orlean seriam “inverossímeis” quando vivemos num país em que mais de 800 mil pessoas são afetadas por chuvas na Bahia enquanto o presidente (que recusou ajuda humanitária oferecida pelo governo argentino) está brincando de Hot Wheels?

E é aqui que alguém poderia argumentar que a culpa disso não é do filme, mas do contexto que o cerca – um argumento do qual discordo porque, se o objetivo de McKay é satirizar a política contemporânea, o fato de esta ser absurda por si só não é justificativa para o longa não funcionar como sátira daquela. Pois no fim das contas, o máximo que Não Olhe para Cima consegue fazer é reproduzir arquétipos, falácias e situações que passamos a testemunhar nos últimos anos e que qualquer espectador com o mínimo de bom senso ou caráter identificará como algo surreal – e o mais próximo que McKay alcança de um “pensamento crítico” aqui é… encarar as coisas que retrata como ridículas. Fora isso, o longa jamais consegue articular um comentário social por conta própria; não desenvolve nem aprofunda nada criticamente; não desafia nem sequer estimula a reflexão no espectador. Apenas reitera todas as convicções que já temos de antemão sem dizer absolutamente nada.

O resultado disso é, depois de um tempo, Não Olhe para Cima começa a soar menos como “crítica social” e mais como um joguinho do tipo “identifique as personalidades do mundo real representadas na obra” ou “encontre os eventos reais simbolizados na trama”. Não é à toa que, desde que o filme estreou na Netflix, a maioria dos comentários feitos sobre ele na Internet venha inspirando menos discussões sobre seus méritos/deméritos artísticos e mais threads de Twitter e posts de Buzzfeed sobre quem é fulano ou cicrano no filme (Orlean é Trump/Bolsonaro; o personagem de Jonah Hill é Carluxo (ok, impossível não lembrar mesmo); o bilionário de Mark Rylance é Elon Musk/Steve Jobs/Luciano Hang/Silvio Santos/blábláblá). Neste sentido, é sintomático que o longa tente abarcar tópicos demais (da responsabilidade da mídia corporativa na disseminação de fake news à polarização que nasce e se fortalece a partir destas, passando ainda pela efemeridade dos assuntos do momento e até mesmo pela cultura da futilidade), mas não consiga se aprofundar em quase nenhum deles, não sendo à toa que a segunda metade da projeção soe apressada ao passar de um a outro.

Se lançado uns anos antes, Não Olhe para Cima talvez funcionasse como uma sátira que levasse os problemas do mundo real ao limite do absurdo. Lançado no distópico período de 2016 até (espero) 2022, porém, acaba soando como uma mera ilustração de uma realidade que já sabemos ser bem mais surreal do que qualquer episódio dOs Simpsons ou esquete do Saturday Night Live poderia sugerir. Ao final, o máximo que o filme inspira no espectador é um curto e sincero:

Tá.

*Se faço questão de repetir algo que parece óbvio, é porque estamos em 2022, a eleição mais importante da História recente do Brasil está chegando e me sinto no dever de aproveitar toda e qualquer oportunidade que surgir para relembrar que precisamos tirar Bolsonaro do poder de uma vez por todas. O pesadelo tem que acabar.

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a Covid-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)

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