O Farol (1)

Título Original

The Lighthouse

Lançamento

2 de janeiro de 2020

Direção

Robert Eggers

Roteiro

Robert Eggers e Max Eggers

Elenco

Robert Pattinson, Willem Dafoe e Valeriia Karaman

Duração

110 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA/Canadá

Produção

Robert Eggers, Rodrigo Teixeira, Jay Van Hoy, Lourenço Sant’ Anna e Youree Henley

Distribuidor

Vitrine Filmes

Sinopse

Início do século XX. Thomas Wake (Willem Dafoe), responsável pelo farol de uma ilha isolada, contrata o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson) para substituir o ajudante anterior e colaborar nas tarefas diárias. No entanto, o acesso ao farol é mantido fechado ao novato, que se torna cada vez mais curioso com este espaço privado. Enquanto os dois homens se conhecem e se provocam, Ephraim fica obcecado em descobrir o que acontece naquele espaço fechado, ao mesmo tempo em que fenômenos estranhos começam a acontecer ao seu redor.

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O Farol | Crítica

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Robert Eggers foi, sem dúvida, uma das maiores revelações de 2015: pegando todo mundo de surpresa com o ótimo A Bruxa (seu longa de estreia tanto como diretor quanto como roteirista), o jovem cineasta se provou capaz de criar, naquele filme, uma atmosfera que mergulhava o público no terror psicológico experimentado pelos personagens (em especial, pela protagonista vivida por Anya Taylor-Joy) – e não é à toa que Eggers imediatamente se tornou uma das grandes promessas do Terror contemporâneo e que o filme em questão tenha se estabelecido como um dos exemplares mais marcantes do gênero na última década. Assim, é um alívio reencontrar Robert Eggers quatro anos depois de sua excelente estreia e constatar como suas ambições estéticas e narrativas permanecem vivas em seu segundo trabalho, este brilhante O Farol.

Produzido pela mesma A24 que lançou não apenas A Bruxa, mas também Hereditário, Midsommar, Ao Cair da Noite e A Ghost Story (outras obras que se mostraram capazes de envolver o espectador em um clima de horror não através de truques baratos, mas de atmosferas bem construídas), O Farol se concentra em Ephraim Winslow, um rapaz que há muito vem saltando de profissão em profissão e que agora decide se arriscar como ajudante do faroleiro Thomas Wake. Juntos pela primeira vez, os dois vão a uma ilha deserta para tomar conta de um farol – no entanto, não demora até que Ephraim e Thomas comecem a se atacar, já que o primeiro se sente desconfortável com a posição em que foi colocado e o segundo tende a tratar seu assistente da forma mais grosseira possível. Para piorar, como Thomas restringe o acesso ao topo do farol a ele mesmo e a mais ninguém (“A luz é minha”, diz ele ainda no primeiro ato), Ephraim acaba ficando obcecado em descobrir o que acontece naquele espacinho restrito, ao mesmo tempo em que começa a ser atormentado por um monte de visões terrivelmente perturbadoras.

Novamente criando uma atmosfera de terror que deixa o público inquieto desde o início da projeção, Robert Eggers procura extrair o horror não de situações isoladas, mas do contexto inteiro da história – e, neste sentido, tanto ele quanto a montadora Louise Ford acertam ao conferir um ritmo mais pausado (mas nunca entediante) à narrativa, já que isto mergulha o espectador na lógica fatigante do próprio Thomas Wake diante da passagem do tempo. Desta maneira, o diretor abraça sem reservas o caráter sombrio dos temas discutidos pelo roteiro (escrito por ele e por seu irmão, Max Eggers), mantendo uma tensão subjacente mesmo nos momentos mais cômodos da narrativa (se é que há algum momento que possa ser descrito como “cômodo” aqui). Além disso, Eggers demonstra inteligência na construção de cada choque que pretende causar: percebam, por exemplo, como a cena em que Ephraim faz algo a uma gaivota funciona justamente por ter sido antecipada pelo alerta dado por Thomas (“Dá azar maltratar uma ave do mar!”), deixando o espectador justamente por deixá-lo saber que, dali em diante, tudo se tornará ainda mais assustador do que já estava.

Fotografado por Jarin Blaschke numa razão de aspecto reduzidíssima (1.19:1) que reforça o sufoco vivido pelos personagens dentro de espaços apertados e, portanto, claustrofóbicos (há planos que trazem Ephraim e Thomas da cabeça aos pés e sentados a um ou dois metros de distância um do outro, o que diz muito sobre a dimensão minúscula da sala na qual eles se encontram), O Farol é beneficiado por um preto e branco que jamais tenta ser bonitinho de graça, sendo empregado justamente para disparar o contraste entre as duas matizes e para potencializar o caráter sombrio da atmosfera planejada por Eggers. Aliás, ao longo das duas horas de projeção, o cineasta surpreende o espectador com diversas imagens que oscilam entre o assustador e o surreal (às vezes, combinando ambos) e que, mesmo beirando a lisergia, dificilmente seriam tão impactantes caso fossem coloridas, surgindo de forma espontânea no meio de outras cenas e preparando o espectador aos poucos para a insanidade completa que virá no terceiro ato. Para completar, a construção sonora do filme enriquece a ambientação proposta por Eggers de maneira indispensável, prestando atenção a detalhes que podem parecer bobos, mas que acentuam a instabilidade de várias passagens (aqui, um ranger de uma tábua de madeira no chão; ali, o som das ondas rebentando na areia; acolá, os grasnidos das gaivotas ao fundo; etc).

Mas o mais importante é perceber como a atmosfera comandada por Robert Eggers não se resume a um exercício frívolo ou vaidoso – ao contrário: se revela fundamental para que possamos entender exatamente o que levou Ephraim Winslow ao estado psicológico no qual se encontra ao fim do filme. Até porque, antes de ser uma obra de terror ou suspense, O Farol é um estudo a respeito de como o tédio pode levar à paranoia e à obsessão (como diz Thomas Wake em determinado momento: “O tédio é capaz de transformar homens em vilões”). Assim, Eggers faz questão de estabelecer com cuidado os motivos que levaram Ephraim a um estado de caos interno, retratando como a monotonia de sua rotina fez com que esta se transformasse num sofrimento aparentemente interminável – e, depois que tudo isto fica claro para o espectador, torna-se compreensível (mas não menos surpreendente) que o protagonista passe a se confundir tanto em relação a si próprio.

O que nos traz, claro, à brilhante performance de Robert Pattinson: ainda subestimado por aqueles que insistem em lembrar de seus trabalhos apenas na série Crepúsculo (estas mesmas pessoas claramente não o viram em Cosmópolis, Z: A Cidade Perdida ou Bom Comportamento), o ator transforma Ephraim Winslow em um sujeito psicologicamente vulnerável e que sempre teve potencial para sucumbir à obsessão, soando como uma figura que já começou alquebrada, mas que conseguiu declinar mais ainda – e a entrega física de Pattinson ao papel é notável, retratando a paranoia e o pavor de Ephraim através do olhar frequentemente arregalado e da postura corporal incrivelmente agitada. Já Willem Dafoe se estabelece não só como um contraponto, mas como uma espécie de “escada” para que Ephraim mergulhe de vez nas sombras de seus delírios, saindo-se particularmente bem ao definir Thomas Wake como um chefe desumano, que adora usar sua posição hierárquica de forma abusiva.

E é revelador, portanto, que O Farol se recuse a abraçar elementos puramente fantasiosos para tentar justificar os acontecimentos mais absurdos da narrativa – mesmo parecendo prestes a fazê-lo em alguns momentos. Afinal, para quebrar um indivíduo a ponto de fazê-lo perder a noção de quem ele é, não são necessárias maldições sobrenaturais ou monstros que sejam mais do que alucinações; a paranoia e a instabilidade são dois fatores que, por natureza, podem se encarregar de fazer isto.

Neste sentido, O Farol não poderia se mostrar mais condizente com A Bruxa (e com os demais filmes de terror da A24), demonstrando como os maiores tormentos do ser humano são aqueles que existem dentro de sua cabeça.

Esta crítica foi escrita como parte da cobertura do Festival do Rio 2019.

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