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Título Original

If Beale Street Could Talk

Lançamento

7 de fevereiro de 2019

Direção

Barry Jenkins

Roteiro

Barry Jenkins

Elenco

KiKi Layne, Stephan James, Regina King, Teyonah Parris, Colman Domingo, Brian Tyree Henry, Ed Skrein, Emily Rios, Michael Beach, Aujanue Ellis, Ebony Obsidian, Dominique Thorne

Duração

117 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Barry Jenkins, Adele Romanski, Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Sara Murphy

Distribuidor

Sony Pictures

Sinopse

Baseado no célebre romance de James Baldwin, o filme acompanha Tish (Kiki Layne), uma grávida do Harlem, que luta para livrar seu marido de uma acusação criminal injusta e de subtextos racistas a tempo de tê-lo em casa para o nascimento de seu bebê.

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Se a Rua Beale Falasse | Crítica

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A julgar pelos dois longas que realizou até agora (Moonlight e este Se a Rua Beale Falasse), Barry Jenkins demonstra ser um diretor sensível que busca entender (e expôr) o que se passa na cabeça de uma pessoa inserida num contexto dramático. Em seu projeto anterior, o cineasta contava a história de um menino que tinha imenso potencial, mas que foi simplesmente destruído pela intolerância que lhe era direcionada – e a delicadeza de Jenkins ao comandar aquele filme se refletia não apenas ao enfocar a tragédia enfrentada pelo protagonista, mas também nos momentos mais reconfortantes da obra (me refiro às passagens ambientadas na praia e, claro, ao desfecho).

E foi com alívio que descobri que Se a Rua Beale Falasse faz mais do que jus ao projeto que alavancou a carreira de Jenkins, aprofundando-se em uma trama emocionalmente promissora de maneira sincera e delicada.

Roteirizado a partir do livro homônimo que James Baldwin publicou em 1974, o longa acompanha o casal Tish Rivers e Fonny Hunt, que se conhecem desde pequenos e assumiram um casamento quando chegaram à vida adulta. Após Tish anunciar que está grávida (o que gera atritos entre as mães de ambos os cônjuges), seu marido resolve intensificar seu trabalho a fim de proporcionar, para a esposa e para o filho, uma vida estável. O problema, porém, é que tudo desmorona depois que uma vítima de estupro confunde Fonny com o autor do crime, levando a polícia a prendê-lo simplesmente por ele ser… negro – e isso leva a família de Tish a buscar todas as provas possíveis para comprovar a inocência do sujeito. Afinal, seu filho não merece crescer com o pai encarcerado injustamente.

Voltando a sugerir um interesse pessoal por narrativas estruturadas de maneira elegante e elaborada (lembrem-se de Moonlight, onde cada um dos três atos servia para encobrir uma etapa diferente da vida de Chiron), Se a Rua Beale Falasse é montado por Joi McMillon e Nat Sanders de forma não linear, mantendo-se no presente e saltando ocasionalmente ao passado. Por sorte, essa decisão jamais soa dispensável ou gratuita, já que os momentos em que os flashbacks são inseridos acabam servindo para reforçar algo que estava sendo discutido na cena anterior – e o mais importante é que, além de aproveitar esses “ganchos” dramáticos de forma engenhosa, a montagem e o roteiro se mostram hábeis ao desenvolverem essa não linearidade sem deixar o espectador confuso em relação à ordem cronológica dos acontecimentos, estabelecendo com clareza uma lógica que permanece do início ao fim.

Conduzindo a história com a delicadeza típica de alguém que sabe dar atenção a cada demonstração de carinho (por mais sutil que possa parecer), Barry Jenkins mostra-se engenhoso ao desenvolver uma trama repleta de amores, brigas familiares e injustiças sem sucumbir às tentações do melodrama, desenvolvendo cada etapa da narrativa de maneira suficientemente impactante, mas nunca artificial ou novelesca. E o mais curioso é perceber que, se Moonlight revelava um pessimismo notável ao contar uma história trágica, Se a Rua Beale Falasse surpreende ao indicar que existe ao menos uma “luz no fim do túnel” para a situação de Fonny – o que, claro, não elimina o fato de que sua prisão foi um absurdo. Aliás, o leve (e pontual) otimismo que Jenkins exibe ocasionalmente não o impede de criar várias sequências pesadas como aquela em que a mãe de Fonny, ao descobrir que será avó, começa a falar um monte de coisas reprováveis a respeito de seu filho e da família de Tish, resultando em uma cena que se torna ainda mais tensa graças à agressão física que vem a seguir.

As tragédias que são ilustradas em Se a Rua Beale Falasse refletem – como não poderia deixar de ser – questões que infelizmente ainda se encontram no mundo de hoje: para começar, a prisão de Fonny serve como um exemplo inequívoco do racismo que existe não apenas na polícia, mas na sociedade como um todo, já que, mesmo sem ter cometido o crime pelo qual foi acusado, acabou indo parar na cadeia graças à cor de sua pele – e não adianta negar o papel determinante que isso desempenha na visão da polícia quando, em certo momento do filme, um guarda se aproxime de uma confusão na qual Fonny esteve envolvido e comece a provocá-lo de maneira obviamente racista. Ao mesmo tempo, o roteiro revela uma complexidade inesperada ao lidar com a questão do estupro em si, pois a família de Tish passa a se esforçar para convencer a vítima de que não foi Fonny quem a violentou – o que gera uma pergunta importante: até que ponto vale a pena questionar o depoimento de uma pessoa que foi estuprada e relembrá-la do trauma que ela carregará para sempre?

Mas é impossível falar sobre Se a Rua Beale Falasse sem discutir seus elementos técnicos, que, como em Moonlight (lembrem-se do azul naquele filme), se baseiam fortemente nas cores e em como estas são empregadas como ferramentas narrativas/dramáticas. Investindo em itens verdes e azuis de maneira recorrente, a figurinista Caroline Eselin e o designer de produção Mark Friedberg tratam o amarelo como real símbolo da união entre Tish e Fonny, o que se torna evidente ainda nos minutos iniciais da obra: na cena inicial, a mulher está usando roupas amarelas ao passo que seu companheiro esconde, por trás de uma jaqueta azul, uma camiseta da mesma cor; já na sequência seguinte, quando Tish visita Fonny na prisão, este encontra-se sentado na frente de uma parede amarela (em outras palavras: a presença da amada continua a ser sentida mesmo naquele confinamento). E isto se aplica também ao presente – embalado em uma caixinha amarela – que Fonny oferece a Tish em certo instante; o que, no entanto, não condiz muito com o comportamento da mãe do rapaz, que, mesmo vestindo roupas amarelas, faz de tudo para se opor a qualquer atitude tomada pelo filho.

Mas o centro de Se a Rua Beale Falasse consiste mesmo na interação entre Tish e Fonny – algo que não funcionaria deste jeito se os atores por trás de ambos não fizessem jus ao roteiro que têm em mãos. Estabelecendo Tish como uma jovem insegura e tímida, mas que aos poucos começa a ser preenchida pelo jeito confiante e carinhoso de seu namorado, KiKi Layne se sai particularmente bem ao retratar como a protagonista enxerga em seu companheiro alguém que complemente sua persona individual, algo que se contrasta à dor que ela sente ao vê-lo sendo preso injustamente (e isso não a impede de tomar providências para impedir que essa injustiça prossiga). Já Stephan James é bem-sucedido ao conferir carisma, bom humor e magnetismo a Fonny, mas também é hábil ao conferir tons cada vez mais sofridos ao personagem à medida que a narrativa avança – e permitindo, com isso, que a aflição que ele sente ao ser separado de sua esposa (e de seu filho) torne-se inegável.

Fica bem claro, portanto, que a personalidade de um complementa, enriquece e auxilia a do outro. E isto se transforma no pilar que define a relação entre Tish e Fonny: ambos se amam tanto porque enxergam, entre si, uma harmonia. Em um filme de romance, é fundamental que o espectador acredite no romance em si – e este, felizmente, é o caso de Se a Rua Beale Falasse. Para completar, Regina King estabelece Sharon Rivers como uma mãe carinhosa que está disposta a se unir às causas da filha, demonstrando perseverança ao lutar para conseguir algo que comprove a inocência de Fonny e garanta a satisfação de Tish.

Levando o espectador a sair da sala de cinema com a plena convicção de ter se apegado àqueles personagens, Se a Rua Beale Falasse é um filme sobre amor. A frase anterior pode ter soado cafona, mas este é um adjetivo que não se aplica ao trabalho de Barry Jenkins.

Visto no Festival do Rio 2018.

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