A esta altura do campeonato, é lugar-comum dizer que a série Velozes e Furiosos tornou-se infinitamente mais interessante depois que começou a abraçar o absurdo: no início, os primeiros filmes se concentravam em homens marrentos que viviam a subcultura do tuning e que matavam o tempo apostando corridas perigosíssimas; a partir do quinto capítulo (Operação Rio), no entanto, a saga da família Toretto tomou um caminho diferente e passou a se dedicar à ação em si, investindo cada vez mais na adrenalina, no bom humor e em perseguições/lutas/explosões divertidamente exageradas. E à medida que foi expandindo seu universo, a série foi ganhando cada vez mais e mais personagens – o que nos traz a este Hobbs e Shaw, o primeiro spin-off da franquia Velozes e Furiosos: novamente empregando o absurdo como fonte de suas sequências de ação, o filme… bem, pouco mais é do que uma bobagem inofensiva que diverte em alguns momentos, mas também cansa em outros.
Aliás, este é o tipo de projeto que dispensa um breve resumo de sua narrativa, já que esta é insignificante diante daquilo que realmente interessa ao longa – no caso, explosões, lutas corporais, perseguições, mais explosões, piadinhas, brincadeiras inteiras, mais explosões, frases de efeito, barulhos altíssimos e momentos em que os heróis surgem em poses viris. Ah, e mais explosões. Ainda assim, há um fiapo de história no roteiro de Chris Morgan e Drew Pearce: Brixton é um ser humano com implantes cibernéticos que deseja roubar um vírus para pôr seus planos em prática (é preciso dizer quais são estes planos? Não, né?). Quando Hattie, uma integrante do MI6, consegue recolher o vírus e fugir com ele, Brixton passa a persegui-la – e, para ajudar a espiã/derrotar o vilão/salvar o mundo, o agente Luke Hobbs e o mercenário Deckard Shaw são acionados pela CIA para entrarem nesta missão.
Dependendo exclusivamente do carisma de seus protagonistas, Hobbs e Shaw gira em torno principalmente das briguinhas entre os dois personagens-título – aliás, quando escrevi sobre Velozes e Furiosos 8, comentei que o filme “…abraçava um tom farsesco que é particularmente definido pelas hilárias alfinetadas entre os personagens de Dwayne Johnson e Jason Statham (quando o primeiro faz uma ameaça específica – e inacreditável – ao segundo, os dois começam a gargalhar perante o absurdo que acabou de ser dito)“. Assim, os melhores momentos deste spin-off são aqueles que se concentram nos diálogos entre Hobbs e Shaw, que parecem se xingar não porque se odeiam, mas porque estão dispostos a descobrir qual dos dois é capaz de inventar o insulto mais criativo. Por outro lado, às vezes o roteiro exagera ao prolongar as conversas além do necessário, criando diversas piadinhas forçadas (a sequência que se passa dentro de um avião, em especial, beira o insuportável).
Ainda assim, em seus melhores momentos, Hobbs e Shaw arranca um ou outro risinho de canto de boca – e isso se deve principalmente ao bom humor de seu elenco: estabelecendo com cuidado e logo de cara a diferença entre os dois protagonistas, quando o montador Christopher Rouse emprega o recurso da tela dividida para contrapor a rotina de um à do outro, o longa é beneficiado pelo carisma habitual de Dwayne Johnson, que retrata Hobbs como um sujeito praticamente indestrutível, ciente de sua indestrutibilidade e interessado em ostentá-la sempre que possível, enquanto Jason Statham estabelece Shaw como uma figura um pouco mais comprometida com a elegância e com métodos mais sofisticados (até mesmo sua forma de bater em seus inimigos é mais elaborada). Para completar, Vanessa Kirby se destaca ao conferir humor, leveza e autonomia à espiã Hattie, criando um bom contraponto com a personalidade exagerada dos dois protagonistas, ao passo que Idris Elba encarna um vilão bidimensional e que, mesmo soando como uma ameaça legítima, não gera uma impressão muito marcante.
Já como representante do gênero “ação”, Hobbs e Shaw tem seus altos e baixos: sim, há momentos que conseguem extrair graça a partir do absurdo, destacando-se o terceiro ato inteiro e, em particular, a sequência que traz quatro carros transformando um helicóptero em uma pipa (quando vocês virem, entenderão o que eu estou falando); no entanto, ao contrário do que realizou em seus projetos anteriores (Atômica e Deadpool 2), aqui o diretor David Leitch desaponta ao investir em uma série ininterrupta de cortes rápidos e movimentos de câmera excessivos que, no fim das contas, acabam prejudicando a compreensão de boa parte das lutas/perseguições/tiroteios. Como se não bastasse, Leitch peca ao esticar a narrativa além do necessário, fazendo o filme atingir inchados 132 minutos de duração e soar meio cansativo no processo.
Trazendo um subtexto sobre os riscos que a tecnologia oferece à sociedade que, de tão óbvio, não deveria nem ser considerado subtexto, Hobbs e Shaw ainda traz outros dois atores conhecidos em pontas absolutamente descartáveis (não direi quem são, mas… eles não precisavam estar aqui). Assim, o filme representa um passatempo divertidinho e inofensivo, mas que frequentemente perde o controle de seus absurdos.