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Título Original

O Agente Secreto

Lançamento

6 de novembro de 2025

Direção

Kleber Mendonça Filho

Roteiro

Kleber Mendonça Filho

Elenco

Wagner Moura, Tânia Maria, Gabriel Leone, Carlos Francisco, Robério Diógenes, Hermila Guedes, Thomás Aquino, Isabél Zuaa, Igor de Araújo, Ítalo Martins, Roney Villela, João Vitor Silva, Kaiony Venâncio, Luciano Chirolli, Gregorio Graziosi, Joálisson Cunha, Maria Fernanda Cândido, Alice Carvalho e Udo Kier

Duração

158 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

Kleber Mendonça Filho, Wagner Moura, Emilie Lesclaux e Brent Travers

Distribuidor

Vitrine Filmes

Sinopse

Brasil, 1977. Fugindo de um passado misterioso, Marcelo, um especialista em tecnologia na casa dos quarenta, volta ao Recife em busca de um pouco de paz, mas percebe que a cidade está longe de ser o refúgio que procura.

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O Agente Secreto | Crítica

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O Agente Secreto não existiria da mesma forma se Kleber Mendonça Filho não tivesse feito todos os trabalhos que dirigiu anteriormente – em especial, Retratos Fantasmas (meu favorito de sua filmografia). Se hoje ele é capaz de realizar um filme que crie uma atmosfera tão particular a partir da ambientação específica de Recife, construindo uma “mística” em torno da cidade que vem do carinho que nutre por sua História (geral e pessoal) e das memórias de cada canto, pessoa e cinema de rua que visitou no passado, é porque o lindo documentário de 2023 certamente o preparou ao aperfeiçoar seu modo de olhar para a própria terra natal e para as lembranças que guarda desta. E se O Agente Secreto é a obra de ficção mais madura da carreira de Kleber – e acredito que seja mesmo –, isso é fruto de um refinamento artístico/autoral de anos, que percorreu todos os seus longas anteriores até culminar aqui.

E olha que nem sou fã incondicional da obra de Kleber. Embora tenha colocado seu trabalho anterior no topo da minha lista dos melhores filmes de 2023, considero a filmografia pregressa do recifense um tanto irregular: quando cria narrativas centradas em um(a) único(a) personagem (como em Aquarius e, de certa forma, no próprio Retratos Fantasmas), Kleber tende a alcançar melhores resultados, já que delimita bem as ideias que pretende elaborar a partir das particularidades dos protagonistas; quando desenvolve tramas espalhadas em vários núcleos de diversos personagens (como em O Som ao Redor e Bacurau), as coisas saem um pouco de controle. Pois talvez o fato de O Agente Secreto se encaixar no primeiro grupo ajude a explicar por que é um dos melhores de sua carreira.

Ambientado em 1977, quando a ditadura militar era comandada por Ernesto Geisel (e num período que os letreiros iniciais descrevem como uma época “de muita pirraça”, já ditando um tom meio irreverente que permeará o filme e os personagens nas próximas duas horas e meia), o roteiro do próprio Kleber acompanha Marcelo, um pesquisador de tecnologia quarentão que, após anos afastado, retorna a Recife com uma identidade falsa (por motivos que depois descobriremos) e com dois objetivos: 1) reaproximar-se do filho e 2) respirar um pouco depois da morte da esposa Fátima. Amparado por um grupo de “refugiados” (que não gostam de se identificar assim), Marcelo aos poucos descobre, no entanto, que a paz que procura está sob ameaça, já que dois assassinos profissionais vêm à cidade encarregados de matá-lo – e por razões que manterei temporariamente em segredo a fim de evitar spoilers (quando tiver de entrar em detalhes, avisarei antes).

O interessante, contudo, é que se geralmente o lado da ditadura que estamos mais habituados a ver/ouvir/ler sobre é o da repressão em si – as prisões, torturas e mortes nos porões do DOPS, a perseguição que levava tantos ao exílio e a censura contra artistas e veículos de comunicação –, O Agente Secreto prefere explorar problemáticas menos óbvias sobre o período. (Não que não haja narrativas que fujam deste escopo, como certos incautos costumam reclamar; basta procurar por elas – e, em 2 de abril de 2022, publicamos aqui uma lista com 25 filmes sobre a ditadura militar que retratam diferentes ângulos sobre o regime.) Embora longe de ignorar estes aspectos mais conhecidos, o que realmente interessa a O Agente Secreto é a facilidade com que a máquina repressiva do Estado era corrompida ou pelos próprios militares, ou pelos amiguinhos destes. Em outras palavras: ao contrário do que defendem uns imbecis por aí, a ditadura não só foi um tempo de desenfreada corrupção, como ainda a deixou de “presente” (junto à inflação galopante) para a democracia que veio a seguir.

Além disso, o filme demonstra como a ditadura pouco se importava com conceitos aparentemente tão caros, como “soberania nacional”, já que o principal vilão aqui é um sujeito cujos planos incluem a venda de uma empresa para o capital estrangeiro, ou mesmo com a ciência em si, uma vez que a real motivação para Marcelo ser perseguido – e aqui vem um detalhe sobre a trama que talvez configure um spoiler – é porque se atreveu a peitar um superior que queria encerrar o instituto de pesquisa em que o protagonista trabalhava. O que Kleber relembra, portanto, é que a ditadura militar não só era um aparato de terrorismo de Estado, como também era um balcão de negócios para quem se interessasse – fosse do Exército ou não. Tanto é que o vilão nem é um militar; apenas um chefe que se aproveita do poder e da proximidade com o regime para mandar perseguir um cara comum e que nem é envolvido com a luta armada (“Olha, eu sou mais comunista do que capitalista, mas não sou nem um nem outro”, diz Marcelo).

Não à toa, o protagonista em questão – ao contrário do que o título possa sugerir – surge não como uma figura de aura heroica ou grandiosa, mas, sim, como um sujeito simples, introvertido e delicado que permite a Wagner Moura compor uma das melhores performances de sua já brilhante carreira. Não que Marcelo não possa ser descrito como herói; apenas é um cara que não reivindica tal status para si, se apresentando como uma figura calma, introspectiva, que atravessa a projeção com um estoicismo notável (na expressão e em suas ações) e que, mesmo nos momentos de raiva e/ou frustração, evita ao máximo se entregar a rompantes de fúria. Além disso, Moura traz vulnerabilidade ao personagem ao retratar suas ansiedades através menos de explosões e mais dos detalhes de seu corpo, como uma gaguejada aqui ou uma tremida no canto do olho ali. (Há um outro momento, nos minutos finais do longa, em que a atuação de Moura chega a níveis extraordinários, mas… voltarei a isso adiante.)

Enquanto isso, Luciano Chirolli dá vida a um vilão que, curiosamente, funciona mais por ser cínico do que por ser intimidador, atravessando boa parte da narrativa com um sorrisinho dissimulado (daqueles que irritam por fingirem simpatia e/ou cordialidade) e transitando, na reta final, para uma expressão de rancor e frustração que soa bastante convincente. E se Alice Carvalho tem a chance de ilustrar em uma única cena a lealdade e, principalmente, o respeito intelectual de Fátima por Marcelo (e o faz com uma intensidade que só torna as reações da personagem ainda mais autênticas), os demais personagens que compõem o grupo dos “refugiados” demonstram a sensibilidade de Kleber ao perceber que, no mundo real, as pessoas extraordinárias geralmente são aquelas que… não imaginaríamos que o seriam; aquelas pelas quais cruzamos na rua sem supor que já viveram coisas espetaculares. Neste sentido, Tânia Maria merece ganhar o mundo após este filme, já que empresta a Dona Sebastiana um timing cômico que provém da espontaneidade com que recita suas falas (estas nunca parecem calculadas, mas, sim, coisas que por acaso vieram à mente da personagem e que saem de forma tão casual que, por isso, tornam-se hilárias) e uma força inesperada ao revelar-se dona de um passado infinitamente mais rico, valente e grandioso do que esperávamos.

Outro personagem fundamental, aliás, é Seu Alexandre, projecionista do Cine São Luiz inspirado numa figura real que, por sua vez, foi relembrada em Retratos Fantasmas e rendeu o momento mais emocionante daquele filme. Aqui interpretado por Carlos Francisco e transformado em pai de Fátima, Seu Alexandre reforça não só o vínculo afetivo entre o protagonista, sua esposa e o filho de ambos, como também a adoração de Kleber pelas histórias de Recife, pela atmosfera particular da cidade e pelos cinemas de rua que frequentou na juventude. Assim, ao retratar a capital pernambucana como um lugar tão vivo, com tanta personalidade que acaba virando quase um personagem à parte, o diretor leva o espectador a entender perfeitamente por que Marcelo decide voltar para lá, sentindo-se abraçado por tudo que envolve aquela terra. Se a memória afetiva do protagonista por Recife soa tão palpável, é porque tem origem, antes de mais nada, na do próprio Kleber, que a transpassa para a tela.

Não que eu tenha achado O Agente Secreto perfeito de ponta a ponta: ainda que a grande maioria das tentativas de humor sejam bem-sucedidas (principalmente as de Dona Sebastiana), há uma ou outra intervenção cômica que nem sempre funciona do mesmo modo. (Dito isso, embora minha primeira reação à subtrama envolvendo uma perna decepada não tenha sido das melhores – um componente de esquisitice que, a princípio, me pareceu meio abrupto –, confesso que tenho gostado mais da situação à medida que penso sobre ela, já que brinca com um teor de “lenda urbana” – narrada de forma absurda por um jornal local – que acaba ajudando a compor a “mística” daquele lugar). Ainda assim, admito que O Agente Secreto é um filme que foi me conquistando aos poucos (em especial, do meio para o fim), já que vários elementos que me soaram um tanto “jogados” ao fim se amarram de modo consistente.

E é justamente do meio para o fim que surgem os dois momentos que mais me deram nó na garganta em O Agente Secreto – e nem preciso dizer que, daqui em diante, haverá spoilers liberados: o primeiro envolve uma mensagem que o filho de Marcelo lhe deixa por escrito, afirmando que finalmente parece estar “conseguindo esquecer a mãe”, e o segundo consiste… no desfecho do longa, que costura algo que até então parecia “solto” na história (os constantes flashforwards que levam a pesquisadoras ouvindo, em 2025, as falas de Marcelo em um gravador). Ao trazer Wagner Moura interpretando, também, o filho adulto do protagonista, O Agente Secreto permite ao ator não só compor um personagem totalmente novo (com sotaque, emotividade e jeito de se expressar diferentes do anterior), mas também retratar a dor do sujeito ao não conseguir lembrar do pai e – pior – nem querer fazê-lo, já que acessar tal lacuna o massacraria ainda mais.

É um final inesquecível, mas doloroso, que de certa maneira acaba dialogando com o de Ainda Estou Aqui, outra obra que reforçava como que, ao matar um perseguido político, a ditadura arrancava não só uma vida, mas também as memórias afetivas que os familiares daquela vítima ainda viriam a criar se não a tivessem executado. A diferença é que, se o filme de Walter Salles se encerrava com uma vítima do esquecimento ainda sendo capaz de rememorar, o de Kleber Mendonça Filho termina reiterando a tragédia de um menino que teve tirada dele a mera possibilidade de um dia poder se lembrar bem do pai.

Visto no Festival do Rio 2025.

Assista também aos vídeos SEM e COM spoilers que gravei sobre o filme:

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