Não sei se chegaria a dizer que detestei Quase Deserto, novo trabalho de José Eduardo Belmonte (Se Nada Mais Der Certo, Alemão, Uma Família Feliz). É um filme que já chama atenção por fazer parte da Première Brasil, mas se tratar de uma co-produção entre Brasil e Estados Unidos, e que parte de uma premissa curiosa: em Detroit no auge da pandemia de COVID-19, dois imigrantes – um argentino e outro, brasileiro – sem documentações se deparam com um homicídio e acabam salvando a única testemunha, uma moça com uma condição especial que diminui suas habilidades de socialização, mas em compensação lhe permite enxergar o que ninguém mais vê. A partir daí, os três se metem numa sequência de confusões e seus caminhos se cruzam com os de uns caras barra-pesada (mais Sessão da Tarde, impossível, hein?).
Sim, é interessante ver como a narrativa localiza os dois personagens latinos e, a partir destes, escancara todas as contradições de uma sociedade que se julga a “terra da liberdade” quando, na prática, não passa de um império decadente que, mesmo definhando, não abre mão da própria egomania e do hábito de tratar imigrantes como uma massa de alienígenas que vieram para parasitar empregos, moradias, estilos de vida, etc. Aliás, a Detroit vista em Quase Deserto é um lugar que expõe a deterioração dos Estados Unidos de tal forma que nem a autoestima daquela nação aguenta mais, sendo curioso que, em dado momento, um norte-americano demonstre dificuldade em entender “como um brasileiro pode querer vir para cá”.
O problema, por outro lado, é que na maior parte do tempo o discurso de Quase Deserto se limita a 1) frases de efeito tão básicas que parecem focadas em conscientizar um público pré-escolar (“Os imigrantes, que tanto fizeram por nosso país”) e 2) composições visuais tão óbvias que beiram o ridículo (há uma cena em que um personagem diz que “Os argentinos são como pulgas: estão por todo lado” e, ao fundo, vemos um discurso de Trump rolando na tevê). Mas o pior, contudo, é a absoluta falta de controle de Belmonte sobre o tom da narrativa, oscilando loucamente entre um humor ingênuo (e, francamente, sem graça, sendo notório que em certo momento um personagem dê um soco no outro e se machuque ao forçar demais o punho duas vezes seguidas na mesma cena) e uma atmosfera tensa e pesada (que, no entanto, é sempre anulada pelas piadinhas bobas que aparecem para cortar o clima).
Nem a presença de Angela Sarafyan (que vocês conhecem por Westworld e, mais recentemente, Superman) ajuda muito, já que os personagens no geral pouco oferecem aos seus intérpretes e mudam de personalidade dependendo das necessidades imediatas do roteiro. O mesmo se aplica a Vinícius de Oliveira e Daniel Hendler, que tinham tudo para ancorar a narrativa com carisma e/ou humanidade, mas que terminam desperdiçados em papeis aborrecidos. Já Alessandra Negrini só aparece em uma cena apenas para que a produção possa inclui o nome da atriz nos pôsteres e, assim ajudar a vender o filme.
Com um desfecho “fofinho” que, na tentativa de homenagear os imigrantes, acaba apenas suavizando a realidade difícil que enfrentam, Quase Deserto é uma bobagem que não chega a ser torturante, mas é embaraçosa o bastante para configurar, no mínimo, uma decepção.


