Ford vs Ferrari é um filme que parece fazer questão de contrabalancear cada um de seus acertos com pelo menos um tropeço. Sim, há momentos em que os esforços do diretor James Mangold (Cop Land; Os Indomáveis; Logan) alcançam resultados admiráveis, conferindo peso e dinamismo às esperadas cenas de corrida; por outro lado, existem também várias outras sequências que se dedicam ao aspecto humano de seus personagens e que, por serem construídas de forma artificial, acabam evidenciando o caráter de isca de Oscars da produção como um todo.
Enfocando um dos eventos mais famosos da História do automobilismo (e que já foi retratado no Cinema em As 24 Horas de Le Mans, que Steve McQueen estrelou em 1971), Ford vs Ferrari se passa na década de 1960 e começa nos apresentando ao engenheiro e designer Carroll Shelby, que logo é contratado pela Ford para ajudá-la a ingressar no ramo das corridas de Fórmula 1 e tirar a rival Ferrari do topo do pódio. Trazendo para sua equipe o piloto e também engenheiro Ken Miles, Shelby aos poucos consegue montar um grupo de colaboradores com o qual possa confiar – o que não significa, no entanto, que a missão será particularmente fácil, já que a mentalidade excessivamente comercial de seus patrões não demora a motivar uma série de conflitos internos. Além disso, Miles também não tem a menor paciência para engravatados desesperados por dinheiro e publicidade, o que só torna a jornada até a emblemática corrida em Le Mans ainda mais complicada.
Hábil ao retratar como os trajetos dos pilotos podem ser dificultados por falhas técnicas aparentemente bobas (como uma porta emperrada, por exemplo), Ford vs Ferrari ganha fôlego sempre que se concentra nas corridas propriamente ditas, que, por sua vez, são conduzidas por James Mangold de maneira intensa, mas visualmente clara e organizada – aliás, a montagem Michael McCusker Andrew Buckland (sim, dois profissionais) merece pontos por adicionar velocidade às corridas sem se converter em uma série de cortes ininteligíveis, ao passo que a mixagem e a edição de efeitos sonoros mostram-se elementos fundamentais para o sucesso destas cenas, já que conferem “peso” físico a todos os detalhes das ações percorridas pelos personagens (até os mais discretos, como um ronco de um motor). Ao mesmo tempo, de vez em quando Mangold demonstra elegância ao construir pequenos momentos de revelações particulares para os personagens, como aquele em que Ken Miles, esperando Carroll Shelby citá-lo como alguém especial durante um discurso, se frustra ao perceber que os créditos todos foram para Henry Ford II, o CEO da empresa.
Por outro lado, Ford vs Ferrari tropeça na maior parte de seus demais esforços dramáticos, apresentando-se esquemático e artificial em algumas das cenas mais importantes da narrativa – e muito disso se deve ao fato de Mangold encarar os personagens com um ar exagerado de solenidade, em alguns momentos parecendo prestes a gritar “Ei, vejam como estes dois caras são inspiradores!” para o espectador (a mesma lógica se aplica aos vilões, que se resumem à velha caricatura do “empresário malvado que trata todo mundo com arrogância e menosprezo”). Em contrapartida, nos momentos em que Mangold tenta evitar a cafonice, os resultados também não são dos melhores, sendo particularmente notável, por exemplo, que um acontecimento trágico nos minutos finais da projeção seja retratado pelo diretor de maneira fria, distante e sem impacto emocional algum. Além disso, não deixa de ser sintomático que o ponto alto de um filme tão interessado em dramas e conflitos internos seja justamente uma cena dedicada ao humor (no caso, aquela em que Shelby e Miles saem no braço e terminam a briga de forma divertidamente amigável).
Ainda assim, Ford vs Ferrari é bem-sucedido ao definir as personas de Carroll Shelby e Ken Miles, estabelecendo ambos como figuras contrastantes, porém complementares: por um lado, Shelby é um homem que se dedica inteiramente ao trabalho e cujas frustrações certamente o levam a uma amargura quase constante, tornando-se impulsivo não por acaso, mas por enxergar suas atividades como uma causa particular; por outro, Miles se vê dividido entre a função de pai e a de piloto, nutrindo uma paixão irrestrita por corridas, mas sendo obrigado a perceber que isto pode lhe custar a segurança que precisa para se dedicar à esposa e ao filho, que ama incondicionalmente. Neste sentido, é curioso que, mesmo assim, tanto Shelby quanto Miles dividam uma característica em comum: os impulsos raivosos, se mostrando propensos a explosões em diversos momentos.
O que não significa, no entanto, que os atores por trás destes personagens realizem os melhores trabalhos de suas respectivas carreiras – tampouco realizam os piores, apenas… se mantêm na média: Matt Damon é bem-sucedido ao ilustrar como os tropeços de Carroll Shelby tendem a torná-lo mais amargurado e menos otimista acerca do que está ao seu redor, enquanto Christian Bale concebe Ken Miles como um sujeito que, mesmo instável, exibe um pouco de ingenuidade em seu olhar, o que é admirável ainda que a performance do ator repita boa parte daquela que ele mesmo havia apresentado em O Vencedor. Por outro lado, se Caitriona Balfe é hábil ao se estabelecer como uma espécie de âncora entre Ken e o mundo real, Jon Bernthal aos poucos é esquecido pelo próprio filme depois de ter um começo promissor, ao passo que Tracy Letts e Josh Lucas surgem como verdadeiras caricaturas (Lucas que, inclusive, se limita a reciclar exatamente a mesma composição que havia adotado em Hulk, há 16 anos).
Atingindo exageradas duas horas e meia de projeção e tornando-se cansativo no processo, Ford vs Ferrari é um retrato eficiente a respeito de como o interesse único e exclusivo de grandes empresários por dinheiro e propaganda eventualmente acaba sacrificando a liberdade artística de seus contratados. Um filme competente, portanto – ainda que custe a se livrar da imagem de ter sido concebido mesmo para chamar a atenção dos principais prêmios da temporada.