A entrada dos Estados Unidos no século 21 não poderia ter sido mais constrangedora. Se aproveitando dos atentados de 11 de setembro de 2001 e do medo que estes causaram na população norte-americana (e em boa parte do mundo, principalmente no Ocidente) diante do terrorismo islâmico, o infame George W. Bush – que, vale lembrar, estava com a popularidade em baixa e precisava desesperadamente de alguma coisa que pudesse elevá-la – resolveu usar o contexto estabelecido pela tragédia para… invadir o Iraque (que nada tinha a ver com os ataques promovidos pela Al-Qaeda), alegando que o então presidente Saddam Hussein tinha posse de armas de destruição em massa e que isto representava um risco a ser eliminado em prol da segurança do mundo inteiro. E não demorou até que a tal “Guerra ao Terror” revelasse sua verdadeira natureza: a de mera desculpa para que Bushinho explorasse os poços de petróleo iraquianos – mesmo torturando e matando centenas de milhares de inocentes no caminho.
Aliás, se olharmos para trás e considerarmos que os Estados Unidos (em coalizão com o Reino Unido, na época de Tony Blair) não só invadiram o Iraque como tiraram Saddam do poder e o enforcaram em seguida, percebemos o quão lamentável foi a década de 2000 em termos de políticas norte-americanas, não sendo à toa, portanto, que ainda hoje o Cinema siga retratando as barbaridades ocorridas naquele período. Neste sentido, a importância de um filme como O Relatório é inquestionável: escrito e dirigido por Scott Z. Burns, o longa conta a história real de Daniel J. Jones, um investigador do Senado que, trabalhando para a também senadora Dianne Feinstein, decide coletar o maior número de informações possível a respeito das torturas cometidas pela CIA durante a administração Bush. Depois de quase uma década (já no governo Obama), Jones finalmente termina o relatório – mas é claro que um monte de fatores ainda tentariam impedi-lo de expor estas denúncias ao público.
Assim, O Relatório se estabelece como um thriller político que, por natureza, lida com assuntos que merecem ser tratados com atenção – afinal, as torturas praticadas durante a Era Bush representam uma prova definitiva não só do sadismo institucionalizado naquele governo, mas também de como seres humanos ditos “civilizados” podem se rebaixar ao mais vil dos comportamentos por pura diversão (os agentes da CIA retratados aqui gostam de violentar seus prisioneiros). Neste sentido, a direção de Scott Z. Burns merece pontos por abordar o tema de maneira clara, mas nunca sensacionalista: ao longo da projeção (em especial, do primeiro ato), acompanhamos uma série de sequências que mostram as táticas de tortura empregadas pelos carrascos; mas fica sempre claro que o objetivo destas sequências é denunciar a violência, não explorá-la.
Por outro lado, Burns falha em construir a atmosfera de tensão que se espera de um thriller político: ao contrário de obras como Todos os Homens do Presidente, Zodíaco, Spotlight ou The Post, que levavam o espectador a sentir-se aflito e muitas vezes inquieto diante das investigações feitas pelos protagonistas, O Relatório se mantém estável e comedido do início ao fim, como se Burns tentasse fabricar tensão em vez de gerá-la de forma autêntica. Além disso, a maior parte da narrativa é inteiramente dominada por diálogos expositivos, explicando tudo para o espectador através de um didatismo excessivo – e isto acaba enfraquecendo o ritmo do filme, já que a maioria das cenas se resume aos personagens conversando sempre de maneira óbvia. De todo modo, nem o mais artificial dos diálogos se compara ao desfecho da história, que, por sua vez, surge açucarado e bobinho em seus esforços dramáticos.
Prejudicado também pela linha cronológica confusa que tenta estabelecer, não demonstrando muita clareza em suas passagens de tempo e indo/voltando neste de maneira quase aleatória (um problema que também se deve à montagem de Greg O’Bryant), O Relatório ao menos traz duas atuações centrais fortíssimas: Adam Driver transmite com eficiência toda a determinação de seu Daniel J. Jones, que se recusa a desistir de sua missão não por ter levado 10 anos para cumpri-la, mas por uma questão de puro compromisso com a ética, ao passo que Annette Bening encarna bem as incertezas da senadora Dianne Feinstein, dividida entre a pressão presente em seu ofício e a necessidade moral de fazer prevalecer sempre a verdade.
Para finalizar, não deixa de ser curioso que O Relatório chegue aos cinemas na mesma época em que Segredos Oficiais se encontra em cartaz, já que ambos giram em torno de protagonistas que lutam para divulgar arquivos que podem ser comprometedores para o governo Bush, mas cujas informações precisam ser de conhecimento público. E ambos alcançam resultados mais ou menos similares, se revelando apenas razoáveis, mas quase complementares.