Foram 16 anos desde a primeira vez que Hollywood tentou realizar sua própria versão de Godzilla – e o resultado foi um desastre absoluto. Assistindo a esta nova versão, dirigida por Gareth Edwards (Monstros), fica a dúvida: o que acontece com o personagem sempre que ganha um filme em solo norte-americano? Será que há alguma maldição que impede os Estados Unidos de fazerem uma boa adaptação do “Rei dos Monstros”? Seja como for, é uma pena que esta tentativa recente acabe representando mais uma decepção – e, se o longa de Roland Emmerich ao menos arrancava uma ou outra risadinha involuntária, este trabalho de Edwards provoca apenas… o tédio.
Desperdiçando o conceito simbólico que sempre tornou Godzilla uma figura particularmente interessante (lembre-se que, no original de 1954, o monstro era criado pela explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, transformando-se em uma representação do medo que os japoneses sentiram após a tragédia causada pelos Estados Unidos), o roteiro de Max Borenstein prefere contar uma historinha genérica e esquecível sobre criaturas gigantes que começam a ameaçar a Humanidade e que, mais tarde, vêm a ser enfrentadas por aquela que dá título ao filme. Em outras palavras: não há floreios temáticos/políticos/culturais aqui; o que interessa mesmo é a briga entre os monstros – e se a premissa soa tola, ao menos poderia funcionar caso o projeto assumisse e abraçasse esta tolice.
Mas não: em vez disso, Borenstein e Edwards preferem levar excessivamente a sério uma premissa simplória por natureza e conferir um ar de autoimportância a tudo que os personagens fazem e/ou falam, tornando o filme ridículo em vez de divertido (neste momento, dá até saudades de Círculo de Fogo, no qual Guillermo del Toro conseguiu levar os fãs de tokusatsu à catarse sem comprometer o entretenimento em si). E o mais estranho é que, mesmo gastando um tempo terrível com detalhes bobos e deixando para mostrar o Godzilla em ação lá pros 45 do segundo tempo, o longa é incapaz de conferir densidade aos personagens, confundindo “profundidade dramática” com “encheção de linguiça” e criando um blábláblá interminável, mas nunca interessante.
Os personagens de Godzilla, por sinal, são figuras unidimensionais que mal servem para avançar com a trama (afinal, os monstros executarão suas ações independente de qualquer interferência por parte dos humanos): o protagonista é um militar engenhoso… e só, tornando-se ainda mais irritante graças à atuação inexpressiva de Aaron Taylor-Johnson (nem de longe tão Kick-Ass) é um sujeito austero e engenhoso (bem, mais ou menos, graças à incoesão do roteiro); sua esposa, vivida por Elizabeth Olsen se preocupa com as pessoas que estão ao seu redor… e só; o cientista interpretado por Ken Watanabe passa o filme inteiro encarando a câmera com um olhar misterioso… e só; e o engenheiro personificado por Bryan Cranston fica o tempo todo alertando seus colegas para o desastre que acontecerá, porém é visto como louco por todos aqueles que o cercam… e só.
Aliás, é difícil decidir quem foi o maior subestimado por este filme: Cranston ou o próprio Godzilla (ou talvez tenha sido Sally Hawkins, que mal abre a boca ao longo das duas horas de projeção). Descartado ainda no primeiro ato, o ator (brilhante na série Breaking Bad) se vê preso a um personagem que nem precisava estar presente na história, já que pouco acrescenta a ela. O que nos traz ao monstro-título: espremido numa narrativa que inclui várias outras criaturas gigantescas (e visualmente genéricas), Godzilla é tratado pelo filme como… apenas mais um kaiju, demorando quase uma hora para finalmente ser apresentado e parecendo mais um artifício a ser utilizado nos momentos convenientes (quando o roteiro precisa de algo para derrotar outros monstros, basta atirar o Godzilla na história que o problema estará resolvido). Além disso, é decepcionante perceber que, se somarmos todas as suas aparições no longa, estas não somam nem oito minutos.
E o mais triste é que existem, sim, algumas ideias neste novo Godzilla que poderiam ter dado certo se Gareth Edwards não exagerasse na dose: o esforço de esconder o monstro até o final, por exemplo, talvez fizesse bem ao clímax, já que este viria após uma longa construção de suspense – o problema é que Edwards confunde “construção de suspense” com “expectativas repetidamente frustradas”, reduzindo as aparições do Godzilla a pouquíssimos minutos e culminando num terceiro ato que, em termos de ação, decepciona ao investir numa fotografia empoeirada e em câmeras tremidas que sempre impedem o espectador de entender o que está acontecendo. Aliás, a estratégia cloverfieldiana de mostrar a ação a partir do ponto de vista dos humanos se revela mais uma ideia interessante (e que rende um ou outro momento inspirado) que Edwards desperdiça ao transformar em problema, servindo apenas para atrapalhar ainda mais a compreensão espacial/geográfica da ação e sacrificar o entretenimento de ver os monstros saindo no tapa.
Contando com uma boa trilha musical de Alexandre Desplat, que ajuda a conferir alguma personalidade ao projeto, o novo Godzilla até consegue criar dois ou três momentos empolgantes (como aquele em que o monstro-título finalmente começa a usar suas rajadas radioativas), mas estes duram alguns minutos no meio de intermináveis duas horas de projeção. E espero, portanto, que a qualidade dos próximos “filmes de monstros” que virão a partir daqui melhore um pouco – caso contrário, King Kong estará encrencado.