Pequeno Segredo

Título Original

Pequeno Segredo

Lançamento

10 de novembro de 2016

Direção

David Schürmann

Roteiro

David Schürmann, Heloisa Schürmann, Victor Atherino e Marcos Bernstein

Elenco

Mariana Goulart, Julia Lemmertz, Erroll Shand, Fionnula Flanagan, Maria Flor, Marcello Antony e Thaís Comim

Duração

107 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

David Schürmann, Vilfredo Schürmann e João Roni

Distribuidor

Diamond Films

Sinopse

Baseado em fatos reais, o filme gira em torno da família Schurmann, conhecida por seus cruzamentos marítimos. Por muito tempo, eles guardaram a comovente história da adoção de uma menina. Kat (Mariana Goulart) é uma jovem frágil, mas de muita personalidade. Ela vive com os pais, Heloísa (Júlia Lemmertz) e Vilfredo (Marcello Antony), que a adotaram de um casal de amigos. O filme centra sua história na infância da menina e na fase em que seus pais biológicos (vividos por Maria Flor e Erroll Shand) se conheceram.

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Pequeno Segredo | Crítica

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Conhecidos como a primeira família brasileira a cruzar o mundo num veleiro, os Schürmann visitaram algumas das localidades mais remotas do planeta e, na década de 1990, adotaram Kat, uma neozelandesa que sofreu durante anos em função de complicações que prefiro manter em sigilo para evitar spoilers (mesmo que estejamos falando sobre uma história real). Trata-se, em suma, do tipo de trama que, ao ser transportada para o Cinema, corre sérios riscos de cair no melodrama e precisa contar com um diretor habilidoso o bastante para escapar de armadilhas novelescas – o que, lamentavelmente, não parece ser o caso de David Schürmann, que, ao levar para as telonas a trajetória de sua família, transforma Pequeno Segredo num exercício de sentimentalismo dos mais irritantes.

Do primeiro ao último minuto, o realizador usufrui de recursos tolos e que remetem de imediato às telenovelas da Globo, empregando planos deselegantemente fechados que soam mais adequados à linguagem televisiva e incluindo, ao transitar entre cenas distintas, trechos que duram consideráveis minutos onde a câmera simplesmente está apontada para alguma paisagem específica. Sim, é verdade que de vez em quando surgem algumas imagens visualmente belas (o instante que traz certo personagem sentado numa sacada de frente para o pôr do sol poderia ser um novo wallpaper do Windows XP), mas não há como perdoar uma sequência de pesadelo tão boba quanto aquela que interliga duas tramas paralelas e que antecede de forma atroz um plot-twist que vem a seguir (neste ponto – e em muitos outros –, Schürmann precisa aprender algumas lições com Kleber Mendonça Filho e seu Aquarius).

Embalado por uma trilha sonora insuportável que carrega em corais excessivos para retratar pureza e exagera nos toques de piano durante um diálogo entre Heloísa Schürmann (mãe adotiva de Kat) e sua sogra neozelandesa, Pequeno Segredo é repleto de momentos estúpidos que parecem ter saído de uma novela mexicana das mais clichês, trazendo um curto trecho onde certa pessoa cheira uma rosa como maneira de representar sua serenidade (cena esta que ganha uma rima visual no terceiro ato) e chegando ao cúmulo de trazer um discurso altamente teatral e ridículo que explica “o que é amar”. E se as conversas que retratam o cotidiano dos personagens parecem ter sido escritas pelos integrantes do Hermes & Renato (“Na escola, estão chamando Kat de ‘cotonete de girafa’“), as relações entre os indivíduos cometem o erro de ignorar momentos que seriam importantes para que seus arcos dramáticos contassem com algum impacto ou coesão.

Sendo assim, quando a brasileira Jeanne conhece o neozelandês Robert, logo depois ela já surge perdidamente apaixonada pelo sujeito e, em seguida, aparece grávida; isso sem contar que, pouco depois, chegamos a um conflito onde o estrangeiro pensa em retornar à sua terra natal, num dilema que se resuma a duas ou três cenas patéticas de tão superficiais. O que dizer da avó biológica que Kat, cujas atitudes ultrapassam os limites da sanidade mental e são solucionadas após um diálogo imbecil? E quando Kat começa a se interessar por uma menina, esta convenientemente decide defendê-la das “garotas metidas” do colégio – que, vale lembrar, só passam a agir como verdadeiras idiotas depois que a filha adotiva dos Schürmann narra isso ao público, o que não me parece muito apropriado. Aliás, nem preciso dizer que as duas subitamente estabelecem uma amizade inabalável, certo?

Por sinal, isso nos traz ao aspecto mais delicado e decepcionante de Pequeno Segredo: sua estrutura. Tropeçando desde seus minutos iniciais ao apresentar nada menos que três narrações em off feitas por personagens variados v que, para piorar, são gradualmente esquecidas no decorrer da projeção –, o filme começa a contar duas histórias diferentes que não aparentam ter conexão alguma, soando ainda mais deslocadas graças à montagem irregular que jamais consegue estabelecer qualquer fluidez ou dinamismo no decorrer da narrativa. E quando o longa finalmente consegue justificar o porquê das tramas ocorrerem paralelamente, já é tarde demais – embora esta explicação venha num dos poucos momentos onde David Schürmann mostra-se criativo e inspirado, ilustrando uma reviravolta que poderia ter sido brilhante caso contasse com uma execução mais cuidadosa. E mesmo assim, não faz muito sentido pensar que certos personagens passaram tanto tempo sem sofrer nenhum tipo de envelhecimento físico notável. Ou seja: trata-se de mais um daqueles casos onde uma ideia genial é desperdiçada graças a um desenvolvimento falho e medíocre.

Acertando pontualmente ao empregar espelhos para criar uma espécie de “reflexo” do conceito básico de plano e contra-plano, além de adotar o conceito para retratar vaidade num trecho onde as colegas bailarinas de Kat surgem refletidas num espelho sem que a personagem em questão transpareça na imagem projetada (indo na contramão do recente Demônio de Neon, no qual Nicolas Winding Refn acreditava tanto no recurso que acabava martelando-o a ponto de torná-lo óbvio demais), Pequeno Segredo conta com um elenco que, apesar das tentativas, jamais consegue reparar os danos criados pelo roteiro: Mariana Goulart nunca soa convincente ao compor Kat e sempre parece estar lendo suas falas ao vivo; Julia Lemmertz parece estar envergonhada por participar de um projeto desses e se esforça para conferir alguma dignidade às piores cenas do filme (como o já mencionado monólogo envolvendo o significado do amor); o neozelandês Erroll Shand também faz o que lhe é possível, mas seu papel o transforma numa figura limitada; Fionnula Flanagan, ainda que talentosa, sofre na pele de uma personagem que nada mais é do que uma caricatura terrivelmente vilanesca; Maria Flor é prejudicada pelo arco dramático mais superficial de todos; e Marcello Antony e Thaís Comim… bem, pouco têm a fazer além de reagir a um ou outro acontecimento doloroso experimentado por Kat.

Pecando ao ignorar quase que completamente a jornada que os Schürmann pelo mundo em seu veleiro e vergonhoso ao estender ao longo de quase um minuto uma sequência em câmera lenta que traz duas personagens dançando, Pequeno Segredo é uma obra que deve ser especialmente evitada por diabéticos, pois a quantidade de açúcar que envolve a produção é das mais nocivas. E de que adianta elogiar uma metáfora relativamente intrigante como a que envolve uma borboleta se, logo em seguida, os créditos finais fazem questão de explicá-la, detonando qualquer sutileza que poderia haver nesse simbolismo (interessante, à primeira vista)?

O que me leva à dúvida: quais foram os motivos que levaram à eleição deste longa como o representante do Brasil na corrida pelo Oscar? Ok, podemos até tentar acreditar que as questões políticas que envolveram o maravilhoso Aquarius não foram responsáveis por sua triste derrota e que, de fato, a comissão formada pela Secretaria do Audiovisual não teve nenhuma preferência pelo último trabalho de Kleber Mendonça Filho; porém, não consigo admitir que nove pessoas tenham realmente entrado no consenso de que, numa lista com dezesseis títulos, o melhor era este desastre chamado Pequeno Segredo.

E compará-lo com Aquarius é mais que uma vergonha; é um tremendo de um insulto.

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