Shane Black é um cineasta inquestionavelmente talentoso, mas que parece ter algum problema com blockbusters. Após anos à frente dos roteiros de filmes como Máquina Mortífera, Deu a Louca nos Monstros e O Último Grande Herói, Black teve sua primeira experiência na direção em 2005 com o ótimo Beijos e Tiros, onde deixou claro de uma vez por todas que as comédias buddy cop eram sua especialidade. Mas aí a Marvel resolveu chamá-lo para assumir uma de suas maiores franquias e o resultado foi o horrível Homem de Ferro 3, que não passou nem perto de encontrar o equilíbrio entre o peso que certas passagens da trama requeriam e o senso de humor debochado que Black costuma carregar. A sorte, portanto, é que o diretor retornou à boa forma e realizou o excelente Dois Caras Legais, que trazia Ryan Gosling e Russell Crowe numa divertidíssima aventura policial.
Assim, é uma pena que Shane Black volte a tropeçar nesta nova versão de O Predador, que mais uma vez expõe as claras dificuldades que o cineasta tem de dar continuidade a uma franquia já estabelecida e adicionar seu estilo particularmente escrachado ao mesmo tempo.
Roteirizado também por Black ao lado de Fred Dekker (que também co-escreveu Deu a Louca nos Monstros, além de ter sido o responsável pelo pavoroso RoboCop 3), este novo O Predador leva em consideração os dois primeiros filmes, de 1987 e 1990, e já começa com a chegada de mais um predador à Terra, que é imediatamente capturado e transportado para um laboratório. Mas é claro que as coisas não dão muito certo e o alienígena escapa para aterrorizar os seres humanos ao seu redor, o que leva o atirador Quinn McKenna e a doutora Casey Bracket a juntarem seus esforços aos de um grupo de soldados lunáticos. O que ninguém esperava, porém, é que um predador maior e mais forte surgisse para atormentar ainda mais a vida dos heróis, o que resulta em uma longa desventura que envolverá não só McKenna, mas seu filho Rory (que sofre de autismo).
Em seus primeiros minutos, O Predador até consegue gerar no espectador uma esperança quanto ao que verá nas quase duas horas seguintes: partindo do pressuposto de que o público já está familiarizado com a criatura-título e não precisa esperar até metade da projeção para enfim vê-la por completo (como ocorria no original), o filme começa com uma boa cena de ação que traz de uma única vez algumas das marcas registradas da franquia (desde a imagem do predador em si até o hábito que ele tem de suspender os corpos de suas vítimas). Infelizmente, não demora muito até que o roteiro de Shane Black e Fred Dekker se entregue ao nonsense total e crie algumas situações absurdas a ponto de se tornarem ridículas: ainda no primeiro ato, Quinn engole um artefato usado pelo predador a fim de escondê-lo (e nem preciso explicar como o item volta depois, certo?); mais tarde, o protagonista se desfaz das peças da armadura do alienígena enviando-as por correio para a casa da esposa; e em questão de um ou dois dias, o pequeno Rory aprende a dominar a tecnologia do vilão e utiliza seu capacete como fantasia para o Dia das Bruxas.
Enfiando personagens e situações paralelas demais em uma trama que não precisava se complicar tanto assim (e o terceiro ato, em especial, é um caos absoluto), o roteiro comete o erro de inventar um motivo bizarro e confuso para que os predadores venham à Terra – e duvido que alguém possa ver alguma coesão nas ações dos vilões. Se bem que é difícil cobrar muito de um filme que nos apresenta a três cachorros-predadores (que parecem saídos do Hulk de Ang Lee) e introduz a personagem de Olivia Munn não como uma cientista, mas como “uma mulher que veio ver umas coisas aí”. De qualquer forma, nada é tão frustrante quanto… a última cena, que introduz à força um conceito que merecia ser explorado com cuidado ao longo da narrativa inteira, mas que é reservado para uma futura continuação.
Mas o que realmente prejudica O Predador é a inconsistência do tom adotado por Shane Black, que parece dirigir três longas completamente diferentes sem jamais encontrar um equilíbrio entre eles: o primeiro é um filme de ação genérico que, similar às produções de baixo orçamento que o canal SyFy adora exibir, certamente seria lançado direto em home video em vez de construir uma carreira nos cinemas; o segundo é uma novela brega e cínica que não teme em usar o autismo de um garoto e o fato de seus pais serem divorciados com o intuito de criar um draminha barato; e o terceiro é uma comédia que tenta levar o espectador às gargalhadas através de piadas auto-depreciativas e situações constrangedoras – o que, como consequência, acaba servindo para ridicularizar o personagem-título e eliminar qualquer atmosfera de urgência que este deveria propagar. O problema é que, como em Homem de Ferro 3, Black não consegue balancear estes três climas distintos, fazendo o resultado final soar inconsistente e bagunçado.
Por falar em comédia, o filme faz questão de perder tempo concentrando-se num grupo de “lunáticos” que serve basicamente para disparar uma série de piadinhas tolas, dispensáveis e – em alguns casos – moralmente duvidosas: incluindo uma quantidade notável de comentários sexistas e imaturos direcionados à personagem de Olivia Munn, o longa demonstra um cinismo reprovável ao utilizar a síndrome de Tourette apenas para forçar Thomas Jane a dizer coisas como “Piroca! Cu! Boceta!” aleatoriamente. Afinal, por que eu deveria rir com a simples presença destas palavras em cena? Ou com uma piadinha que associa a aparência do predador aos dreadlocks de Whoopi Goldberg? Ou com um sujeito berrando “Eu quero te comer!” para uma mulher?
Ocasionalmente entretendo com uma ou outra imagem inspirada (como aquela que mostra, logo no início, o sangue de um soldado escorrendo em cima do corpo de um alienígena), O Predador é bem-sucedido em algumas de suas cenas de ação – e a longa sequência onde a criatura-título escapa do cativeiro e começa a matar todos ao seu redor, por exemplo, é dirigida por Shane Black com clareza e intensidade admiráveis. É uma pena, portanto, que até mesmo a ação perca o fôlego conforme a projeção avança, algo que se deve principalmente à artificialidade dos efeitos digitais e, claro, aos ridículos cachorros-predadores. Já a montagem de Billy Weber e Harry B. Miller III jamais consegue fugir das armadilhas naturalmente oferecidas pela estrutura problemática do roteiro (e há dois ou três núcleos de personagens diferentes que não funcionam bem em conjunto).
Transformando-se em mais uma continuação que não se igualou ao ótimo filme que John McTiernan realizou em 1987 (que, não à toa, contava com a ilustre presença de Arnold Schwarzenegger), este novo O Predador é uma obra que não sabe o que deseja ser e oscila desajeitadamente entre os aspectos mais marcantes da franquia e o senso de humor característico de Shane Black. Talvez seja a hora do diretor voltar ao que sabe fazer melhor e deixar os grandes blockbusters de lado.