Licorice Pizza (2)

Título Original

Licorice Pizza

Lançamento

17 de fevereiro de 2022

Direção

Paul Thomas Anderson

Roteiro

Paul Thomas Anderson

Elenco

Alana Haim, Cooper Hoffman, Danielle Haim, Este Haim, Moti Haim, Donna Haim, Mary Elizabeth Ellis, Christine Ebersole, Harriet Sansom Harris, John Michael Higgins, Yumi Mizui, Megumi Anjo, Sean Penn, Tom Waits, Bradley Cooper, Benny Safdie, Joseph Cross, Skyler Gisondo, Ryan Heffington, Nate Mann, Joseph Cross, Isabelle Kusman, Destry Allyn Spielberg, George DiCaprio, Iyana Halley, Ray Chase, Emma Dumont, Maya Rudolph, Tim Conway Jr., Emily Althaus e Milo Herschlag

Duração

134 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Paul Thomas Anderson, Sara Murphy e Adam Somner

Distribuidor

Universal Pictures

Sinopse

A história de Alana Kane e Gary Valentine crescendo e se apaixonando no Vale de San Fernando, em 1973. Escrito e dirigido por Paul Thomas Anderson, o filme acompanha a complexidade traiçoeira do primeiro amor.

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Licorice Pizza | Crítica

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A imagem de Alana Kane e Gary Valentine correndo (juntos, sozinhos, em direção um ao outro) por algum canto de Los Angeles é frequente em Licorice Pizza. Embora separados por alguns – consideráveis – anos de idade, os dois são jovens em uma terra de sonhos e intensos como a juventude lhes facilita ser, sentindo a empolgação de quem acredita ter um milhão de oportunidades pela frente (de “mudar o mundo” até “tornar-se relevante”), a inquietação por sentir que cada segundo perdido representa um prejuízo irreparável e a velocidade que lhes faz saltar rapidamente de uma “missão de vida” à outra. Na juventude, Alana e Gary vão se descobrindo na base da inquietação, mas – o que é curiosamente paradoxal – a passos lentos, demorando a encontrar seus papeis no mundo e a entender seus anseios. Enquanto isso, os dois vivem à deriva em uma cidade conhecida pela fachada do glamour e das “oportunidades”.

Nono longa-metragem do sempre fabuloso Paul Thomas Anderson (um dos meus cineastas contemporâneos favoritos, como detalhei em meu texto sobre Trama Fantasma), Licorice Pizza nos apresenta a uma amizade (que pode escalonar para um romance? Fica no ar…) improvável como a de Eduardo & Mônica: Alana é uma moça de 25 anos que é tida como a mais desajustada das filhas da família Kane (interpretada pelos familiares (homônimos) da atriz, Alana Haim), lançando-se em pequenos bicos até que um dia, enquanto vendia pentes numa escola, é abordada por Gary Valentine, um moleque de 15 anos que insistentemente a chama para sair e que logo se revela um aspirante a ator tentando a vida em comerciais e pontas em filmes. A diferença dos personagens do longa de PTA para o casal-título da música do Legião Urbana é que, desta vez, o romance em si é tão improvável que não chega nem a ser cogitado por Alana, tornando-se ainda mais incerto à medida que o tempo passa e a vida de cada um vai tomando rumos cada dia mais loucos, saltando dos sonhos distantes da juventude (virar celebridade, abrir uma loja de colchões d’água ou uma casa de pinball) até a busca eterna por uma causa maior e “adulta” (eleger um prefeito que ajude a “consertar” algo maior).

Povoado por personagens à flor de suas peles, que vivem intensamente e que reagem de forma sempre acalorada (para o bem ou para o mal) às surpresas e às decepções que ocorrem em seus caminhos, Licorice Pizza é um filme centrado em jovens frenéticos – e frenesi não é exatamente inesperado em uma obra dirigida pelo mesmo realizador de Jogada de Risco, Boogie Nights, Magnólia, Embriagado de Amor, Sangue Negro e Vício Inerente (O Mestre e Trama Fantasma podem parecer mais contidos em função de seus ritmos particulares, mas não deixam de ser intensos aos seus próprios modos). O que talvez seja uma surpresa é constatar que, na medida do possível, Licorice Pizza é até sereno e pacato na maneira com que acompanha as crises e as ansiedades da dupla de protagonistas, como se contrapusesse o calor de suas explosões temperamentais ao ritmo leve do filme ao seu redor, criando uma espécie de “passividade” entre os personagens e o andamento da narrativa que os abriga.

Narrativa esta que, no fim das contas, está menos preocupada em elaborar uma trama (embora não deixe de criar uma história com início, meio e fim sólidos) e mais em registrar momentos isolados que, somados ao final, compõem um enorme retrato de toda a jornada de Alana e Gary ao longo do tempo. Sim, existem situações que vão e voltam e que perduram mais que outras (a principal delas girando em torno da pequena companhia de vendas de colchões d’água que Alana e Gary organizam), mas, de modo geral, Licorice Pizza é constituído por vários “episódios” (cada um trazendo um coadjuvante de luxo diferente: a família Haim; Christine Ebersole; Harriet Sansom Harris; Sean Penn e Tom Waits; Bradley Cooper; Benny Safdie; etc) que ajudam a pontuar cada etapa da relação entre a dupla/casal protagonista – e Paul Thomas Anderson não teme saltar de um a outro de forma propositalmente abrupta, ressaltando ainda mais o caráter episódico da narrativa; o que neste caso acaba se mostrando uma decisão perfeita para uma obra que, afinal, busca retratar e absorver a temporalidade louca da juventude (na qual transitamos de um evento/propósito de vida a outro num estalar de dedos, sem maiores explicações).

Pois não se enganem: nenhum dos “episódios” retratados por Licorice Pizza é inserido de forma avulsa, arbitrária; cada um deles desempenha a clara função de levar a relação de Alana e Gary a um estágio mais avançado, a um ponto no qual ambos se descobrirão mais íntimos do que imaginavam (mesmo o momento em que o garoto é confundido com um criminoso e levado à delegacia traz a virtude de, ao final, mostrar Alana correndo para abraçar Gary com uma vontade que até então desconhecíamos – o que não a impede de terminar o gesto com um empurrão e com um “What the fuck did you do?” a fim de repelir qualquer afeto sugerido pelo abraço). Neste sentido, a montagem de Andy Jurgensen é hábil ao costurar cada uma destas passagens sem que uma pareça deslocada da outra, criando uma fluidez narrativa que ajuda a sustentar a transição entre os vários capítulos na vida daqueles personagens.

Em outras palavras: assistir a Licorice Pizza é acompanhar o amadurecimento de dois moleques (um adolescente e uma jovem adulta) que forçadamente percebem que o tempo está passando e que os sonhos impossíveis da juventude são menos concretos ou valiosos do que as pequenas coisas que já estão ao nosso lado – uma jornada que PTA intensifica ao conferir àqueles sonhos impossíveis os contornos físicos de uma Los Angeles que, como tudo no filme, se apresenta como uma idealização a ser gradualmente quebrada. Introduzida como a “terra das oportunidades”, como a “cidade das estrelas”, a Hollywood de Licorice Pizza aos poucos vai se revelando um ambiente cada vez menos perfeito, jogando sua exuberância glamorosa para escanteio e trazendo para a superfície o fato de ser… um lugar comum, com todos os problemas de qualquer outra cidade do mundo real – e PTA incorpora brilhantemente o contexto geopolítico da época (a crise do petróleo de 1973) a fim não só de amarrar a narrativa, mas também de indicar como nem a mitológica Los Angeles resiste aos prejuízos, em especial, da falta de gasolina nos postos (o que culmina numa cena simultaneamente tensa e hilária envolvendo um caminhão descendo várias ladeiras em marcha ré).

Com isso, a passagem de várias celebridades/figuras públicas pela narrativa vai além da mera referência: quando uma personagem baseada em Lucille Ball, um ator inspirado em William Holden ou, ora, o “próprio” Jon Peters surgem em cena, o fazem não para que o espectador apenas identifique quem eles são/representam, mas para expor de maneira explícita o quão falhas, babacas e corrompidas são (ou podem ser) as estrelas que, de longe, acreditamos ser “intocáveis” e “perfeitas” – e, se Sean Penn e Jon Waits aparecem como duas crianças grandes que não têm ideia das próprias responsabilidades, Bradley Cooper (numa das melhores performances de toda a sua carreira) converte seu Jon Peters em uma figura que ao mesmo tempo choca em função de seu sadismo (resultante da certeza de seus privilégios, de que pode cometer a barbaridade que quiser sem arcar com consequência alguma) e provoca a gargalhada graças à sua postura patética (nunca pensei que uma imagem simples como a de Bradley Cooper subindo uma rua estressado me faria rir tanto). Ainda assim, a participação mais dolorosa de todas é mesmo a de Benny Safdie, um cineasta já conhecido por narrativas intensas e ansiosas por si só e que aqui desempenha a tarefa de desmantelar quaisquer ilusões que Alana ainda mantivesse sobre o mundo real, apresentando-a à crueldade que os “adultos” são capazes de fazer em nome do poder ou da vitória.

Ao fim, porém, todas as desventuras de Alana e Gary se concluem com os dois novamente juntos – e a cada vez mais próximos um do outro. Não há alternativa: qualquer situação, por mais grandiosa ou segregadora que pareça, levará e/ou voltará à imagem de um abraço singelo e apertado entre aqueles dois parceiros – e não há perfumaria da Hollywood ao redor que possa distraí-los. Não por muito tempo.

Encarnados por estreantes que com certeza serão imediatamente alçados ao status de estrelas depois deste filme, Alana Kane e Gary Valentine merecem virar presença obrigatória em qualquer lista de “casais inesquecíveis que o Cinema já concebeu” – o que, curiosamente, se deve em grande parte às dissonâncias entre os dois: por um lado, Cooper Hoffman (filho do fantástico Philip Seymour Hoffman, que trabalhou com PTA em várias ocasiões) transforma Gary em um menino que, mesmo imaturo e indiferente quanto ao próprio futuro (a hipótese de seus planos fracassarem nunca lhe desperta qualquer preocupação aparente), conquista graças à sua notória ingenuidade e, principalmente, ao seu coração puro, destituído de cinismo ou malícia. Já Alana Haim injeta na jovem Alana Kane (lembrem-se: atriz e personagem dividem o mesmo primeiro nome) as características que faltam a Gary e que balanceiam a dinâmica entre os dois, mostrando-se cética com relação à maioria das relações/oportunidades que surgem em seu caminho, impaciente a ponto de ter o “fuck off” como resposta padrão para qualquer interação alheia, mas ao mesmo tempo forte, magnética e espirituosa o bastante para merecer a atenção de quem estiver ao seu redor (basta ver o que ela faz com aquele caminhão para perceber que a moça é especial).

É apropriado, portanto, que o momento mais romântico de toda a projeção se consolide com… Alana e Gary tropeçando e caindo de cara no chão após correrem em direção um ao outro, pontuando o amadurecimento da dupla (que acompanhamos – com um sorriso de orelha a orelha – nas duas horas anteriores) com um clímax amoroso que aqueles personagens seriam capazes de protagonizar – e o fato de se esbarrarem de forma tão desastrada não anula a sensação de que, ao final, os dois cresceram, amadureceram, a ponto de finalmente alcançarem uma percepção mais concreta de quem são, de como é o mundo que os cerca e do que realmente precisam para se sentir completos.

Afinal, por que Alana e Gary precisariam se preocupar com todas as pompas, grifes e extravagâncias de Los Angeles se já têm Alana e Gary?

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a COVID-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)

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