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Lista | 25 filmes sobre a Ditadura Militar (1964-1985)

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Entre 1º de Abril de 1964 e 15 de Março de 1985, o Brasil viveu sob uma sombria, sangrenta e inquestionável ditadura militar que tirou do brasileiro o direito de escolher presidentes e governadores, extinguiu os demais partidos políticos (mantendo apenas dois a fim de sustentar uma fachada de “jogo democrático” – mesmo que indireto), revogou a Constituição de 1946 e instaurou uma nova em seu lugar, censurou a imprensa e a classe artística de forma notória e sistemática, cassou mandatos e direitos políticos de quaisquer opositores e torturou, exilou e/ou matou aqueles que se atrevessem a sair minimamente da “ordem” imposta pelas Forças Armadas, vitimando até mesmo jovens que nada tinham a ver com a luta armada e filhos pequenos (de poucos anos de idade!) dos presos a fim de obrigar estes a exporem seus pensamentos “subversivos”.

Isso sem contar os casos de corrupção (varridos para debaixo do tapete, é claro) e a farsa do “milagre econômico” que, na prática, serviu para disfarçar por algum tempo o desastre representado pela administração militar, demorando 21 anos para devolver o Brasil aos civis – e pior: entregando um país com uma dívida externa que levou muitos anos para ser paga e com uma inflação tão desgovernada que, na década de 1980, um produto no supermercado variava loucamente de preço antes mesmo que desse tempo de você chegar ao caixa (algo que com certeza vocês já ouviram seus pais, tios, avós e/ou professores relembrarem um monte de vezes).

Assim, é inacreditável pensar que, em 2022, quando deveria ser óbvio para todos que o que ocorreu naqueles 21 anos representou uma das maiores e mais constrangedoras tragédias da História do país, a indiscutível barbárie daquele período não só deixou de ser amplamente reconhecida e condenada (como os demais países da América Latina fizeram com suas respectivas ditaduras militares), como ainda é celebrada pelos imbecis/sádicos/ambos que a querem de volta, pelo perfil oficial do ministério da Defesa no Twitter e – o mais chocante – pelo presidente da República (aquele porco, bandido, quadrilheiro, corrupto, miliciano, genocida, ladrão de vacinas, metralhadora de fake news, fetichista da ditadura, arqui-inimigo dos direitos humanos, cospobre de autocrata, etc, etc, etc).

Sim, a comemoração do golpe de 1964 agora é política de Estado.

Dito isso, levando em conta a postura que assumimos enquanto criadores de conteúdo (ou “influenciadores”, como queiram), acreditamos ter também a obrigação de comunicar aos nossos leitores aquilo que julgamos pertinente e correto. Em outras palavras: não dá mais para sustentar aquele papo de “não misturar as coisas”; se temos um espaço, temos que usá-lo para transmitir aquilo que consideramos ideal.

E, sim, isso envolve política. Mais especificamente, também envolve lutar para que um dos períodos mais brutais de nossa História seja normalizado e – pior – glorificado. Os gritos de “Abaixo à ditadura” e “Ditadura nunca mais” hão de ser eternos, para que os erros do passado não se repitam no presente e, com isso, arruínem o futuro.

O que nos traz a 1º de Abril de 1964 (sim, os militares tomaram o poder no Dia da Mentira, um embaraço que os saudosistas daquela época tentam negar dizendo que foi no dia anterior): à luz do aniversário de 58 anos do golpe (e sabendo de antemão que haverão uns canalhas – encorajados por Bolsonaro, o canalha-mor – celebrando a data por aí), resolvemos contribuir de alguma forma com o esforço de manter viva a memória das brutalidades cometidas pela ditadura. Para isso, resolvemos elaborar e trazer a vocês uma extensa lista de filmes brasileiros que discutem e/ou incorporam às suas narrativas/estéticas/bastidores os fatos históricos do Brasil de 1964 a 1985, reunindo nada menos que 25 títulos (entre curtas, médias e longas) – e mais: com links para encontrá-los facilmente nos serviços de streaming ou mesmo no YouTube!

Esperamos que vocês curtam a seleção, que nossa seleção seja útil e que vocês contribuam com comentários, divulgação e, claro, mais indicações de filmes sobre o assunto.

Agora, vamos à lista!

Por Pedro Guedes e Sequeira Kamiya.

 

1) O Desafio (1965, dir.: Paulo César Saraceni): YouTube.

Com a necessidade de se posicionar perante os recentes eventos políticos do país, Paulo César Saraceni realizou O Desafio. Com a escalação de Oduvaldo Vianna Filho (o Vianinha, notório dramaturgo e militante comunista) para o papel do jornalista Marcelo, o filme trata dos dilemas do mesmo e de Ada (Isabella Cerqueira Campos), esposa de um industrial, com quem tem um filho, e amante de Marcelo. Saraceni encena, no calor do momento, e através de longas conversas em quartos fechados e passeios apáticos, a afasia pela qual passava parte dos intelectuais a partir dos eventos de 1964.

 

2) O Caso dos Irmãos Naves (1967, dir.: Luís Sérgio Person): Globoplay e Looke.

Em 1937, os irmãos Sebastião José Naves e Joaquim Rosa Naves foram presos na cidade de Araguari (MG) pelo tenente militar Chico Alves, por conta do desaparecimento de Benedito Pereira Caetano, primo dos irmãos. Sem provas concretas para condenar os irmãos Naves, Chico Alves utiliza de todos os aparatos disponíveis por sua patente para torturar e forçar a confissão não apenas dos irmãos como de seus familiares, também vítimas de tortura durante meses. O caso, que foi retratado com detalhes pelo advogado dos irmãos, João Alamy Filho, no livro “O Caso dos Irmãos Naves”, foi posteriormente adaptado por Luís Sérgio Person (que também co-escreveu o filme com Jean-Claude Bernadet). Mesmo não tratando diretamente um fato decorrido do golpe de 64, o filme de Person, ao focar na tragédia dos Naves logo no início do Estado Novo de Getúlio Vargas, mostra como o aparato que eclodiu o golpe militar dos anos 60 já existia durante o período varguista. O filme apresenta, através da reencenação do caso de 37, as táticas de tortura e manipulação que atuariam nas sombras do Estado brasileiro, realizado em um ano (1967) que o regime estava transitando para seu período mais pesado, mostrando que o germe da ação militar anti popular provinha de muito antes dos anos de chumbo.

 

3) Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967): NOW e Telecine Play.

Em Eldorado, o jornalista Paulo Martins entra no meio do conflito político do país, oscilando entre o confronto com o senador fascista Porfírio Diaz e o vereador social-democrata Felipe Vieira. Glauber Rocha, profundo estudioso do teatro épico de Bertolt Brecht, apresenta personagens cujas atitudes constantemente contrariam seus discursos, de modo que apresenta as contradições dos diversos setores da sociedade civil: de uma direita entreguista, de uma direita ultranacionalista, de uma esquerda conciliadora, militantes desorganizados e uma classe trabalhadora impossibilitada de agir pelas forças dominantes.

 

4) Blábláblá (1968, dir.: Andrea Tonacci): Vimeo.

Nascido em Roma em 1944, Andrea Tonacci mudou-se para São Paulo aos 11 anos de idade e, após cursar Arquitetura e Engenharia na Mackenzie, largou as duas faculdades a fim de dedicar-se ao Cinema, estabelecendo-se, no processo, como um dos nomes mais proeminentes do Cinema Marginal (ele fazia parte do núcleo de São Paulo, na produtora Boca do Lixo). Dois anos antes de lançar aquele que se tornaria o grande marco de sua carreira, Bang Bang (escolhido para a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes), Tonacci realizou o segundo título de sua filmografia: Blábláblá, um curta que acompanhamos imagens de soldados, multidões enchendo as ruas e indivíduos caminhando pelo Brasil entrecortando, neste meio-tempo, o discurso inflamadíssimo de um ditador cujo nome não é revelado, mas que obviamente remete a Castelo Branco e Médici. Entre as palavras que recita e que são transmitidas em rádios e televisões, o autocrata proíbe manifestações, promove o temor às Forças Armadas e diz: “Não há mais condições de manter a ordem a não ser pela força. Eu quero ordem! Vou atacá-los de todas as direções!”. Que tenha sido produzido em 1968, ano do macabro AI-5, é um detalhe que posiciona ainda mais o curta como uma oposição frontal às ações bárbaras dos militares.

 

5) Jardim de Guerra (1968, dir.: Neville d’Almeida): Vimeo e YouTube.

Primeiro longa de Neville d’Almeida, em um período no qual ainda não possuía os meios que ganharia futuramente na Embrafilme. O filme, um dos mais censurados do período da ditadura militar, mostra Edson, jovem que é preso por uma organização de direita após se envolver com uma militante de esquerda aspirante a cineasta. Ao longo do filme, somos levados a ver diversos métodos de tortura e manipulação utilizados pela organização, assim como os discursos inflamados que se opunham aos mesmos, com destaque para a cena de Antonio Pitanga, uma das muitas que fora censurada neste filme.

 

6) O Despertar da Besta / O Ritual dos Sádicos (1970, dir.: José Mojica Marins): Looke.

Realizado no fim dos anos 60, este filme só foi liberado pela censura em 1980, contando com apenas poucas exibições clandestinas durante a década de 70. Dirigido por José Mojica Marins, com roteiro do escritor Rubens F. Lucchetti (famoso por suas histórias em quadrinhos de horror e fotonovelas), o filme mostra episódios envolvendo o uso de entorpecentes, todos conectados por um programa televisivo. O filme, além de uma exposição das hipocrisias de uma parte da sociedade extremamente moralista, é também uma resposta direta de José Mojica àqueles que buscavam julgá-lo por suas obras, realizando pela primeira vez a oposição entre sua figura pessoal e sua principal encarnação, o Zé do Caixão, agora não mais o coveiro protagonista de À Meia-Noite Levarei a Tua Alma e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, e sim como figura cinematográfica, expurgador da hipocrisia da sociedade civil.

 

7) Iracema, uma Transa Amazônica (1974, dir.: Jorge Bodanzky e Orlando Senna): Tamanduá TV.

Produção de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, o filme acompanha a jovem Iracema e o caminhoneiro Sebastião enquanto atravessam a região norte pela rodovia Transamazônica. Apesar de não completamente documental (Iracema e Sebastião são interpretados respectivamente por Edna de Cássia e Paulo César Pereio), as escolhas da produção (como gravação em som direto e constante utilização de uma câmera mais livre) mostram, através do percurso das personagens, as contradições de um projeto que, com seus objetivos de “integração”, acabou de fato fragmentando ainda mais uma região já abalada por constante destruição (tanto ilegal quanto legal).

 

8) Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977, dir.: Hector Babenco): Apple TV, Globoplay e Looke.

Filme de Hector Babenco, argentino radicado no Brasil, trata de uma adaptação do livro “Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia”, de José Louzeiro, inspirado em relato do próprio Lúcio Flávio, notório criminoso conhecido por seus roubos e inúmeras fugas das autoridades, além de suas relações com a polícia e os esquadrões da morte brasileiros, a um repórter. Através do ponto de vista do criminoso, vemos as reações a suas ações e a própria percepção do mesmo e daqueles envolvidos com ele, resultando em um interessante estudo de uma personagem icônica do período do regime militar.

 

9) Eu Matei Lúcio Flávio (1979, dir.: Antônio Calmon): NOW.

O “Eu” presente no título deste filme é Mariel Mariscot, cuja trajetória acompanhamos desde o momento que entra para a polícia e para o esquadrão da morte até o evento que dá título ao filme. Antônio Calmon, em diálogo com fitas polícias americanas dos anos 70, realiza um autêntico policial brasileiro (mais especificamente carioca, fato este importante pela relação da cidade com as milícias), mostrando uma personagem cuja extrapolação em relação ao policial que o inspirou não impede a construção de um trama que ao mesmo tempo bebe muito da crônica policial da época ,o que contribuiu muito para seu caráter popular reivindicado por seu diretor, ao passo que expõe as contradições da violência que garantiam esta mesma popularidade.

 

10) Terceiro Milênio (1981, dir.: Jorge Bodanzky e Wolf Gauer): YouTube.

Em 1980, o senador do estado do Amazonas Evandro Carreira, com sua comitiva e acompanhado da equipe dos diretores Jorge Bodanzky e Wolf Gauer, partiu em um barco através da região do alto Solimões em direção à Manaus. Acompanhando o senador enquanto visita suas bases eleitorais e realiza suas observações ora de cunho ecológico em busca de um desenvolvimento sustentável ora messiânico e idealista, observamos a situação da região, em especial dos indígenas, dos trabalhadores e das instituições que buscam influencia no local (a FUNAI, as organizações católicas evangelizadoras, a indústria da madeira), em um documentário que por diversas vezes beira a transcendência por conta de sua própria produção completamente livre das demandas industriais (como em Iracema, realizado com uma câmera e som direto) e da personalidade curiosa de Evandro Carreira.

 

11) Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981, dir.: Hector Babenco): Globoplay e Looke.

Realizado poucos anos depois de Lúcio Flávio, Babenco voltaria à suas personagens marginalizadas novamente em Pixote, que acompanha um jovem que, após fugir de seu reformatório com alguns companheiros, começa a participar de crimes como roubo e transporte de drogas para sobreviver no dia a dia. Filme que, com suas personagens cruas (algumas, como o próprio ator que interpreta o protagonista, Fernando Ramos da Silva, nem atores profissionais eram) porém frágeis (como podemos observar na emblemática cena da amamentação de Pixote pela prostituta Sueli), nos permite desmistificar a ideia de segurança e estabilidade que ainda muito se propaga quando se tenta redimir o regime militar.

 

12) Pra Frente, Brasil (Reginaldo Faria, 1982): YouTube.

Jofre Godói é confundido com um ativista político e é preso e torturado por agentes do DOI – CODI. Seu irmão Miguel passa a procurá-lo, entrando na mira dos agentes federais. Realizado no período da reabertura política, o filme dá uma abordagem direta ao processo de apreensão e tortura sofrida por muitos brasileiros e brasileiras, na tentativa de suprimir qualquer ofensiva (esta intencional ou inventada pelos agentes federais) contra o regime militar, assim como do processo de tomada de consciência e atitude exemplificada pela personagem de Antonio Fagundes, Miguel.

 

13) Cabra Marcado para Morrer (1984, dir.: Eduardo Coutinho): Canal Curta e Telecine Play.

O Brasil é um dos melhores produtores de documentários do mundo e, dentro disso, Eduardo Coutinho é um de nossos maiores mestres. Cabra Marcado para Morrer é somente uma de suas várias obras-primas: a produção começou em 1964 (o primeiro daqueles 21 tenebrosos anos) e investigava o assassinato do líder da liga camponesa de Sapé (PB), João Pedro Teixeira. Mas aí, veio a tomada do poder pelas Forças Armadas e os vários Atos Institucionais impostos por aquelas, que tolheram os direitos básicos de manifestação dos cidadãos e concederam aos militares a permissão para censurar a imprensa e a classe artística e prender, torturar e matar quem eles quisessem, sem direito a Habeas Corpus para crimes políticos Com isso, a produção de Cabra Marcado para Morrer foi interrompida e só pôde ser retomada em 1981 – e é claro que isso se reflete no resultado final do longa, com Coutinho voltando a reencontrar, depois de todo este tempo, os participantes do início do documentário, rodado 17 anos antes.


14) Jango (1984, dir.: Silvio Tendler): Libreflix e YouTube.

20 anos após o início da ditadura (e a um ano do fim desta), o documentarista Silvio Tendler dirigiu um documentário sobre o presidente cuja destituição do cargo em 1964 marcou o início daquelas mais de duas décadas de horror puro: João Goulart, também conhecido apenas como “Jango”. O longa não se limita ao golpe de 1º de Abril de 1964, explorando também a trajetória que levou Jango ao poder e a aversão que os militares (chancelados pelos interesses das elites econômicas e dos Estados Unidos, vale apontar) nutriam por ele. Não é o primeiro presidente ao qual Tendler dedica um documentário inteiro: quatro anos antes, ele dirigira Os Anos JK – Uma Trajetória Política, que ganhou diversos prêmios e levou mais de 800 mil espectadores ao cinema. Com Jango, o cineasta atraiu nada menos que meio milhão de espectadores, tornando seu filme o sexto maior documentário da História do Brasil em termos de ingressos vendidos.

 

15) Que Bom Te Ver Viva (1989, dir.: Lúcia Murat): Looke.

Talvez a obra mais conhecida da renomada diretora Lúcia Murat, Que Bom Te Ver Viva é mais um filme que oferece uma visão bastante pessoal, íntima, sobre um problema que atingiu muito mais gente do que apenas a cineasta que comanda este longa – o que nos facilita compreender como as ações massivas de um Estado repressor contra grupos inteiros e numerosos se aplica na prática a cada indivíduo pertencente a estes. Vítima da tortura praticada pelos militares, Murat nos coloca diante dos relatos de mulheres que, como ela, sofreram nos porões da ditadura e que se reuniram neste longa para relembrar suas dolorosas histórias e escancarar a covardia de seus algozes. Enquanto são ouvidos, estes depoimentos são ilustrados com encenações estreladas pela atriz Irene Ravache.

 

16) O Que é Isso, Companheiro? (1997, dir.: Bruno Barreto): Globoplay.

Como podem perceber, há diversos exemplos a serem tirados das décadas de 1960, 1970, 1980, 2000 e 2010. Quando vamos para a década de 1990, porém, há menos citações a se fazer – e os motivos são estupidamente óbvios: como efeito colateral do governo Collor (que hoje, para a surpresa de absolutamente ninguém, é amiguinho íntimo de Bolsonaro), que extinguiu a Embrafilme em 1990, a produção cinematográfica nacional despencou a ponto de tornar-se esporádica, não sendo à toa que o movimento surgido nos anos seguintes tenha sido batizado justamente de Retomada – afinal, os filmes brasileiros enfim estavam voltando a ver a luz do dia. A recuperação ocorreu a tempo de fazer nascer, ainda nos anos 1990, um longa que chegou a ser indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro e que virou referência em muitos debates sobre o assunto “ditadura militar”: O Que é Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto. Trazendo o sempre hipnótico Pedro Cardoso sob a pele de Fernando Gabeira em plena luta armada contra os militares, o filme narra justamente a história do sequestro do embaixador dos Estados Unidos a fim de negociar a soltura de seu amigo, César, mantido preso e torturado nos porões do DOPS.

 

17) O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006, dir.: Cao Hamburger): YouTube.

Escrito e dirigido por Cao Hamburger, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias foi a escolha do Ministério da Cultura para representar o Brasil no Oscar 2008 (sim, no ano de Tropa de Elite). Embora não tenha ficado entre os cinco finalistas de Melhor Filme Estrangeiro, ainda assim o longa conseguiu a incrível proeza de chegar à lista dos 10 pré-selecionados para a categoria, sendo o nono mais votado. Na trama, o pequeno Mauro é surpreendido quando seus pais resolvem subitamente “sair de férias” sem maiores explicações, deixando o menino para ser criado pelo avô – e, quando este falece, quem passa a tomar conta do garoto é o vizinho Shlomo, um velhinho solitário que estabelece afeição com o garoto. Nem é preciso dizer que as “férias” dos pais de Mauro, na verdade, se tratavam de um exílio imposto pela ditadura militar, já que o casal era militante de esquerda.

 

18) Batismo de Sangue (2006, dir.: Helvécio Ratton): Looke.

Co-criador da produtora Quimera Filmes, Helvécio Ratton lutou contra a ditadura e viveu de perto os horrores praticados pelas Forças Armadas. Em 2006, lançou aquele que talvez seja seu filme mais conhecido: Batismo de Sangue, que, adaptado do livro homônimo de Frei Betto (adepto da Teologia da Libertação), relembra a luta dos freis dominicanos contra os militares. Em função de seu envolvimento íntimo com o combate contra a ditadura, Ratton enfoca a brutalidade dos torturadores nos porões do DOPS de forma direta e chocante (talvez seja o filme que melhor retrata o horror daquelas barbáries) – e o delegado Fleury, que liderava o grupo de algozes, foi responsável na mesma época pela operação que assassinou Carlos Marighella (ou seja: ele voltará nos próximos títulos desta lista).

 

19) Marighella (2011, dir.: Isa Grinspum Ferraz): Globoplay.

Uma década antes de Wagner Moura dirigir uma cinebiografia do famoso guerrilheiro Carlos Marighella, que vivenciou e lutou contra as ditaduras de Getúlio Vargas e das Forças Armadas, sua sobrinha Isa Grinspum Ferraz já havia realizado um documentário homônimo sobre o tio. Por se tratar de uma ótica bastante particular sobre o biografado, o longa apresenta uma pessoalidade (a narração se refere a ele como “tio Carlos”) que, no fim das contas, ajuda a humanizar ainda mais Marighella – um indivíduo que, infelizmente, a direita brasileira foi bem-sucedida em cimentar no imaginário popular como um “vilão” da História do Brasil, como um “terrorista” que mereceu o fim que teve. Trazendo fotos, documentos, registros em áudio, depoimentos e cartas escritas pelo próprio personagem-título, este belo documentário encobre toda a vida adulta do guerrilheiro (incluindo sua filiação ao PCB) e oferece um panorama eficaz na missão de apresentar Carlos Marighella às gerações posteriores que foram ensinadas a enxergá-lo como um monstro.

 

20) O Dia Que Durou 21 Anos (2012, dir.: Camilo Tavares): Apple TV, Canal Curta, Google Play e YouTube.

Um dos documentários mais mencionados em discussões sobre o período militar, O Dia Que Durou 21 Anos não poderia ficar de fora da nossa lista. Dirigido por Camilo Tavares, filho de Flávio Tavares (um dos presos trocados pelo embaixador norte-americano raptado na ação que já relembramos no tópico sobre O Que é Isso, Companheiro?), este documentário se trata de um dos relatos mais completos e surpreendentes sobre o envolvimento dos Estados Unidos com a implantação da ditadura no Brasil, mostrando até documentos que comprovam a ligação íntima entre a CIA, o Congresso norte-americano e as Forças Armadas brasileiras. Pois é importante lembrar que a ditadura militar não foi obra só dos militares e da elite econômica que os ajudou a tomar o poder (manipulando, inclusive, o povo inteiro), mas também dos interesses dos Estados Unidos (em plena gestão de Lyndon Johnson) durante a Guerra Fria. Em suma: trata-se do antídoto perfeito para quem assistiu à mentirada 1964: O Brasil Entre Armas e Livros, do Brasil Paralelo, e precisa desintoxicar o cérebro e voltar à realidade.

 

21) Dossiê Jango (2013, dir.: Paulo Henrique Fontenelle): Apple TV.

Se o Jango de Silvio Tendler relembrava a trajetória política de João Goulart e os interesses conjuntos dos militares, da elite e dos Estados Unidos que terminaram na cassação de seu mandato, Dossiê Jango se concentra no refúgio do personagem-título na Argentina, logo após o golpe que o removeu do cargo em 1964. Em 1976, 12 anos depois da destituição de seu mandato e da cassação de seus direitos políticos, Jango planejava retornar ao Brasil, mas morreu e foi enterrado deixando uma série de dúvidas – até hoje mal resolvidas – sobre seu falecimento. E são estas dúvidas que interessam ao documentarista Paulo Henrique Fontenelle (Loki: Arnaldo Baptista, Cássia), voltando à tona de forma minuciosa e reveladora neste intrigante documentário.

 

22) Deslembro (2018, dir.: Flávia Castro): Apple TV, Google Play e Telecine Play.

Retrato de um país sem memória e, consequentemente, fadado a repetir os mesmos erros do passado, Deslembro gira em torno de Joana, uma menina criada em Paris graças ao exílio imposto à sua família e que cresceu sem jamais saber o paradeiro de seu pai, preso e desaparecido nos tempos da ditadura. Com a saída dos militares do poder, a família da garota decide voltar ao Rio de Janeiro – uma terra estranha para a protagonista, que custa a se identificar com aquele país após tanto tempo forçada a manter-se distante. E para que não reste nenhuma dúvida: Joana serve como avatar da cineasta por trás do filme, Flávia Castro. Como podem perceber, Deslembro se trata de um relato íntimo, pessoal, que parte de um recorte específico (as condições da vida de Joana) a fim de jogar um holofote em cima de questões que afetam milhares de outras pessoas (a expulsão de famílias inteiras do Brasil; a quantidade insana de pais, avós e filhos que não tiveram a oportunidade sequer de enterrar com dignidade os entes queridos que perderam na ditadura). E é um belíssimo filme. A crítica sobre Deslembro pode ser encontrada aqui.

 

23) Torre das Donzelas (2018, dir.: Susanna Lira): site da Globo e Vivo Play.

A cineasta carioca Susanna Lira não quis esconder sua clara intenção de inspirar-se na premissa e na estrutura de Que Bom Te Ver Viva, convertendo Torre das Donzelas em uma “continuação espiritual” do documentário de Lúcia Murat. A ideia é a mesma: reunir um grupo de mulheres e colocá-las para relembrar e compartilhar suas dolorosas memórias nos porões da ditadura – histórias estas que, como no longa de Murat, são reencenadas com atrizes interpretando as depoentes no passado. O grande diferencial do filme de Lira, contudo, está não só no fato de suas entrevistadas terem uma personalidade nova, diferente, que justifique um longa à parte só para elas, mas também no detalhe de que uma das personagens é ninguém menos que… Dilma Rousseff, uma gigante que aqui oferece relatos que nada têm a ver com o governo que administrou de 2010 a 2016 (e que foi interrompido por mais um golpe contra nossa democracia), optando por falar mesmo sobre seus dias sob a tortura dos militares e, com isso, transmitindo um exemplo de resistência contra a desumanidade do fascismo que é simplesmente… emocionante. Mesmo. A crítica sobre Torre das Donzelas pode ser encontrada aqui.

 

24) Resplendor (2019, dir.: Claudia Nunes e Érico Rassi): YouTube.

Através de um levantamento de arquivos realizado pela Comissão Nacional da Verdade, Claudia Nunes e Érico Rassi realizam uma investigação do Reformatório Krenak, centro de detenção localizado em Resplendor (MG), onde indígenas Krenak (mas não apenas desta etnia) eram presos e torturados, restringindo suas práticas e liberdades enquanto comunidade. Apresentando estes arquivos enquanto realiza entrevistas, o filme revela um capítulo muito pouco estudado do regime militar, e um dos muitos ataques que persistem até hoje contra as comunidade indígenas brasileiras. 

 

25) Marighella (2021, dir.: Wagner Moura): Globoplay.

Sim, Carlos Marighella mais uma vez. Desta vez, na cinebiografia dirigida por Wagner Moura e que demorou inacreditáveis dois anos e oito meses para finalmente estrear nos cinemas brasileiros. Interpretado por Seu Jorge, o Marighella deste filme surge não como uma figura idealizada (o que, em qualquer circunstância, seria dramaticamente desinteressante), mas como um ser humano repleto de desejos, humores, dores, amores, frustrações e, sim, equívocos. Embora reduzindo a intensidade dos ideais marxistas-leninistas do biografado, tornando-o um comunista light, Wagner Moura é hábil ao montar um retrato sobre Marighella enquanto indivíduo e, principalmente, combatente da ditadura. Em suma: é a oportunidade que o Brasil do século 21 precisava para finalmente ser estimulado a conhecer Carlos Marighella além do “terrorista” que a mídia ultraconservadora nos vendeu desde a década de 1960. A crítica sobre o Marighella de Wagner Moura pode ser encontrada aqui.


(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a COVID-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)

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