Era Uma Vez em Hollywood (2)

Título Original

Once Upon a Time… in Hollywood

Lançamento

15 de agosto de 2019

Direção

Quentin Tarantino

Roteiro

Quentin Tarantino

Elenco

Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Margaret Qualley, Emile Hirsh, Julia Butters, Al Pacino, Lorenza Izzo, Rafał Zawierucha, Timothy Olyphant, Austin Butler, Dakota Fanning, Bruce Dern, Mike Moh, Luke Perry, Damian Lewis, Damon Herriman, Maya Hawke, James Landry Hébert e Mikey Madison

Duração

161 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Quentin Tarantino, David Heyman e Shannon McIntosh

Distribuidor

Sony Pictures

Sinopse

Los Angeles, 1969. Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um ator de TV que, juntamente com seu dublê, está decidido a fazer o nome em Hollywood. Para tanto, ele conhece muitas pessoas influentes na indústria cinematográfica, o que os acaba levando aos assassinatos realizados por Charles Manson na época, entre eles o da atriz Sharon Tate (Margot Robbie), que na época estava grávida do diretor Roman Polanski (Rafal Zawierucha).

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Era uma Vez… em Hollywood | Crítica

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Quentin Tarantino é aquele cara que, na época das videolocadoras, vivia dando dicas de filmes para outros clientes que dividiam o mesmo recinto (não é à toa que, antes de virar cineasta, ele trabalhava como balconista de uma dessas locadoras). Aliás, qualquer um que tenha assistido a dois ou três longas de Tarantino é capaz de concluir que uma de suas marcas registradas é o amor ao Cinema, algo que se reflete principalmente no número de referências presentes ao longo de sua filmografia, desde menções a determinados diretores/atores até flertes com gêneros que há muito deixaram de ser o foco dos grandes estúdios. Agora, aos 56 anos de idade e após dirigir oito filmes (nove, se encararmos os dois “volumes” de Kill Bill como obras separadas), Tarantino parece ter entrado em uma fase mais… intimista, transformando Era uma Vez… em Hollywood no trabalho mais pessoal de sua carreira e dedicando o projeto inteiro a um único propósito: declarar todo o seu amor ao Cinema (em especial, aquele do final dos anos 1960).

Felizmente, com ótimos resultados. Concebido por Tarantino como uma viagem ao ano de 1969, Era uma Vez… em Hollywood não se preocupa em contar uma história (o que não é um problema, já que nem todo filme precisa ser uma experiência narrativa, com início, meio e fim), preferindo, em vez disso, resgatar a ambientação daquela época, se concentrar em situações aleatórias das vidas dos personagens e levar o espectador para passear pelas ruas de Los Angeles no auge da contracultura. Basta dizer que o longa nos apresenta a Rick Dalton, um ator que sempre foi bem-sucedido na TV, mas que não conseguiu obter o mesmo êxito no Cinema e, agora, está começando a participar de projetos… diferentes (alguns pertencentes ao subgênero western spaghetti). Acompanhado de seu dublê/melhor amigo, Cliff Booth, o ator é vizinho de ninguém menos que Roman Polanski e, principalmente, Sharon Tate – e é claro que, por motivos óbvios, o filme não deixará de mencionar a “família” encabeçada por Charles Manson.

Em primeiro lugar, é importante reconhecer que o Tarantino de Era uma Vez… em Hollywood não é o mesmo Tarantino de Cães de Aluguel ou Pulp Fiction: lá atrás, em seus primeiros trabalhos, o diretor ainda estava demarcando seu território e escalando até se tornar um dos cineastas mais queridos de seu tempo; agora, no entanto, ele já angariou dois Oscars, já atravessou uma filmografia inteira e já se estabeleceu como um dos nomes mais populares de sua geração. É natural, portanto, que Tarantino tenha entrado em uma fase mais… reflexiva, analisando em retrospecto tudo aquilo que conquistou ao longo de quase 30 anos – neste sentido, Era uma Vez… em Hollywood lembra um pouco o recente Dor e Glória, já que ambos são dirigidos por cineastas experientes, consagrados e que, depois de construírem uma longa carreira, agora estão fazendo uma revisão de quem eles são como indivíduos e, acima de tudo, como artistas.

No caso de Tarantino, esta revisão acontece de uma forma diferente: em vez de direcionar os questionamentos para si (“Quem eu sou?”, “Qual o meu papel como realizador?”, “O que me trouxe até aqui?”, “Qual será meu legado?”, etc), o cineasta se entrega às suas paixões e transforma Era uma Vez… em Hollywood em uma obra surpreendentemente emocional, demonstrando ternura ao resgatar o espírito do final dos anos 1960 e ao flertar com a produção cinematográfica daquela época. Aliás, é provável que este seja o filme de Tarantino que mais traz personagens sendo gentis umas com as outras – o que é inesperado, já que a maioria de seus trabalhos anteriores gira em torno de completos babacas. Aqui, quando Rick Dalton começa a chorar porque reconhece que entrou em decadência, uma menina se aproxima para acalentá-lo, ao passo que Sharon Tate atravessa as quase três horas de projeção sorrindo, encarando a vida com bons olhos e tratando as outras pessoas com delicadeza. Em contrapartida, é claro que chega um momento em que Tarantino se entrega aos seus desejos mais sangrentos – e quando estes finalmente vêm à tona, no terceiro ato, eles acabam funcionando ainda mais em função da leveza que o antecipou por mais de duas horas.

Ainda assim, é claro que a paixão de Tarantino pelos anos 1960 não ganharia vida se o filme em si fosse incapaz de reconstruir aquela época – e, neste sentido, Era uma Vez… em Hollywood se sai muitíssimo bem, resgatando elementos que vão da vinheta inicial da Columbia Pictures (que aparece em estilo retrô) até trechos de diversas produções daquela época (aliás, quando Sharon Tate vai a um cinema assistir a um filme do qual ela participou – Arma Secreta Contra Matt Helm –, as imagens que surgem na tela trazem a verdadeira Tate em vez daquela reinterpretada por Margot Robbie, o que não deixa de ser curioso). Além disso, a figurinista Arianne Phillips é bem-sucedida ao evocar o espírito sessentista através de camisas floridas, roupas justas, faixas para testas e vestimentas que oscilam entre o glamour e a informalidade, ao passo que a designer de produção Barbara Ling demonstra sabedoria ao recriar os carros, os cinemas drive-in, os letreiros de restaurantes iluminados em neon e, claro, as locações montadas em estúdio feitas para simular uma paisagem do Velho Oeste, destacando-se também ao contrapôr a luxúria da mansão de Rick Dalton ao sufoco do trailer que Cliff Booth divide com seu cachorro (isto porque nem mencionei o rancho que serve de abrigo para um grupo de hippies – eu deveria descrevê-los um pouco mais, mas não o farei justamente para evitar spoilers).

Outro elemento que se destaca é a fotografia de Robert Richardson (colaborador habitual de Tarantino), que, nos momentos que retratam os filmes estrelados por Rick, passa a investir em uma razão de aspecto mais quadrada e em uma aparência granulada que remete às exibições em película daquela época. Diga-se de passagem, o cuidado de Era uma Vez… em Hollywood é tão grande que, em certo momento, uma cena de Fugindo do Inferno é inteiramente reutilizada, porém colocando Leonardo DiCaprio no lugar de Steve McQueen, o que, além de divertido, é tecnicamente admirável. Ao mesmo tempo, as músicas que Tarantino seleciona para compor a ambientação sempre mergulham o espectador em plena década de 1960 – e isso se torna ainda mais eficiente graças ao brilhante design sonoro, que, ocasionalmente interrompendo uma canção de maneira abrupta, faz as músicas se encaixarem de maneira orgânica e soarem exatamente como o que elas são: um elemento que serve para complementar a cena, não para se sobressair em relação a ela.

Por outro lado, Tarantino continua a exibir a autoindulgência que começou em Kill Bill: Volume 2 e que se tornou ainda pior depois da morte de Sally Menke (que, antes de falecer, era sua montadora habitual): não que o ritmo de Era uma Vez… em Hollywood incomode tanto quanto o de Os Oito Odiados, mas há alguns momentos que se prolongam além do necessário, demonstrando uma dificuldade de Tarantino e do montador Fred Raskin em definir o que deveria e o que não deveria ter sido cortado durante o processo de edição – em compensação, é admirável que a dupla consiga manter a coesão em momentos que tinham tudo para se transformar em uma bagunça completa, como aqueles que mostram os flashbacks de Cliff Booth em meio às ações de Rick Dalton no presente. No entanto, os excessos cometidos pelo cineasta ainda representam um problema, sendo o mais notável deles a sua fixação por pés femininos (ok, eu entendo que Tarantino tem todo o direito de ter seus fetiches, mas… há um certo exagero na quantidade de planos que se concentram nos pés das atrizes).

Mas é impossível falar sobre Era uma Vez… em Hollywood sem destacar o desempenho do elenco, que, felizmente, faz jus ao bom roteiro escrito por Tarantino. Repetindo a parceria com o cineasta pela primeira vez desde Django Livre, Leonardo DiCaprio transforma Rick Dalton em uma figura ao mesmo tempo divertida e trágica: por um lado, o deslumbramento que ele sente diante de tudo que já conquistou acaba servindo para provocar uma ou outra risada; por outro, a insegurança de Rick chega a ser comovente, já que vemos nele um astro que há muito comprovou seu talento, mas que agora falha em decorar textos e sente cada vez mais o peso da decadência, vivendo um dilema relativamente parecido com o de Don Lockwood em Cantando na Chuva (outro filme que girava em torno de um ator preso ao passado). Já Brad Pitt (que também trabalhou com Tarantino em Bastardos Inglórios) retrata Cliff Booth como um sujeito bruto e propenso a explosões ocasionais, mas que faz questão de nunca perder sua pose de durão (algo que fica particularmente óbvio na sequência que envolve Bruce Lee). Por fim, Margot Robbie encarna Sharon Tate se entrega ao papel de Sharon Tate com absoluta devoção, transformando a jovem atriz/modelo em um símbolo de pureza, delicadeza e ternura – não é à toa que Tarantino sempre faz questão de enfocá-la em câmera lenta e em momentos nos quais ela está sorrindo, demonstrando imensa simpatia pela imagem de Tate.

No fim das contas, Era uma Vez… em Hollywood é uma obra de extrema importância pessoal para seu realizador, que parece ter encontrado no Cinema uma forma de interagir com uma época que já passou há muito tempo e que jamais voltará – neste sentido, Rick Dalton e Cliff Booth servem também como avatares do próprio Tarantino: se não dá para simplesmente viajar no tempo e retornar aos anos 1960, então… por que não usar a Arte para isso? Assim, o cineasta encontrou a desculpa perfeita para finalmente mergulhar em uma década pela qual tem imenso carinho e ainda brincar diretamente com certos acontecimentos historicamente conhecidos.

É um filme que Tarantino fez só para ele mesmo? Talvez, mas… e daí?

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