A Interrupção

Título Original

Ang Hupa

Lançamento

Direção

Lav Diaz

Roteiro

Lav Diaz

Elenco

Hazel Orencio, Joel Lamangan, Piolo Pascual e Shaina Magdayao

Duração

276 minutos

Gênero

Nacionalidade

Filipinas

Produção

Distribuidor

Sinopse

Numa distopia apocalíptica, em 2034, o sudeste da Ásia não recebe mais luz solar. Há três anos, erupções vulcânicas colocaram as cidades no escuro, transformando governos e comunidades. Milhões fogem do caos instaurado, mas outros milhões morrem sob o breu.

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A Interrupção | Crítica

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Geralmente conhecido pela longuíssima duração de seus projetos (às vezes, chegando a oito ou nove horas de projeção), o filipino Lav Diaz só veio a aparecer no meu radar no início deste ano, quando seu excelente Estação do Diabo (que, adianto, estará na minha lista dos melhores filmes de 2019) estreou nos cinemas do Brasil. Aproveitando cada minuto de seus 234, Diaz foi bem-sucedido em ilustrar a realidade de um país sob ditadura militar, construindo uma atmosfera assustadora e que oscilava de maneira propositalmente incômoda entre o realismo da violência retratada na tela e o caráter lúdico das músicas cantadas pelos personagens. Felizmente, boa parte destes elementos também está presente em A Interrupção, que faz jus ao que se espera de um filme de Lav Diaz – mesmo cometendo alguns tropeços que o colocam num degrau abaixo de Estação do Diabo.

Escrito e dirigido por Diaz, A Interrupção se passa no distópico futuro de 2034, no qual o sudeste da Ásia há muito deixou de receber a luz do Sol e agora vive mergulhado em sombras 24 horas por dia – algo que foi agravado graças às erupções de três vulcões que pioraram o quadro dos países da região. Como de costume, sempre que alguma desgraça assola um grupo de pessoas, surge uma figura que se diz “salvadora da pátria” e que aproveita seu status messiânico para governar de maneira ditatorial. No caso das Filipinas, é justamente isso que acontece através do Presidente Nirvano Navarra, que, depois de se aproveitar da situação desesperada do país, passou a comandá-lo com mão de ferro, enviando tropas inteiras para massacrarem grupos que se atrevem a pensar em viver de forma diferente.

Voltando a investir na abordagem estética característica dos filmes de Lav Diaz, A Interrupção atravessa suas quatro horas e quarenta minutos de projeção compondo planos longuíssimos e estáticos que, fotografados em preto e branco por Daniel Uy, sugam (de propósito) qualquer energia que poderia haver na trama, tornando-se frio, distante e impessoal – três adjetivos que, neste caso, representam elogios, pois condizem com a proposta de Diaz de retratar a narrativa da maneira mais lúgubre possível, submetendo o espectador a uma experiência incômoda, mas que funciona justamente por isso. Além disso, o design de produção (assinado pelo próprio Diaz) se mostra fundamental ao ilustrar as Filipinas de 2034 como uma terra abandonada, com resquícios que sobraram do mundo antecessor às erupções vulcânicas (leia-se: do mundo de 2019), mas pontualmente enfeitada pela tecnologia do futuro; não é à toa, por exemplo, que diversos drones circulem os cenários do início ao fim da projeção, fazendo uma varredura por todas as ruas do país.

O mais admirável, contudo, é perceber como Lav Diaz retrata o conflito em si, apresentando com calma o nascimento das células revolucionárias e as chamas que levaram estas a se posicionarem contra a ditadura de Navarro. Neste sentido, as cenas que enfocam a truculência do exército filipino acertam por serem – mais uma vez – frias e distantes, não procurando explorar a violência praticada pelos militares. Ainda assim, o elemento que mais me fascina em A Interrupção é o olhar iconoclasta que Diaz direciona ao presidente Navarro: embora introduzido como uma figura imponente, o ditador aos poucos se revela um indivíduo destroçado de dentro para fora, chegando ao ponto de enlouquecer ao falhar em conceber a grandeza que conquistou ao assumir o posto de governante supremo. Além disso, Navarro tem que lidar com questões humanas, como uma mãe que está adoecendo no hospital – o que, aliado ao fato de perder o controle de seu próprio caráter messiânico, o leva a um desejo desesperado, mas impossível de tentar voltar à vida de cidadão comum.

Por outro lado, há certas fragilidades no novo trabalho de Lav Diaz que, confesso, me deixaram frustrado de vez em quando: em primeiro lugar, muitos dos esforços temáticos do cineasta soam como meras repetições de outros que já haviam sido feitos (e muito bem) em Estação do Diabo, não trazendo muitas novidades (a maior – e melhor – delas é justamente a iconoclastia em torno de Navarro). Como se não bastasse, Diaz frequentemente parece disposto a esticar o tempo de seus planos apenas para fazer jus ao fato de sua marca registrada ser a longuíssima duração de suas narrativas, o que resulta em várias sequências que poderiam ser descartadas ou, no mínimo, abreviadas. (Aliás, há um momento que, confesso, me deixou furioso com Diaz: no terceiro ato, sabendo que o espectador já está sentado na poltrona do cinema há nada menos que quatro horas e provavelmente está se contorcendo para não urinar, o cineasta coloca arbitrariamente um plano que mostra uma chuva forte, como se quisesse provocar o público.)

Ainda assim, o conjunto da obra de A Interrupção é bastante funcional, comprovando que Lav Diaz permanece um diretor que merece ser acompanhado de perto (desde que resista à tentação de brincar maldosamente com a bexiga do espectador). Afinal, a maneira com que Diaz pega o arquétipo do ditador malvado e o desmantela de dentro para fora, tornando-o um ser humano pequeno e patético, é fascinante demais para passar incólume.

Esta crítica foi escrita como parte da cobertura do Festival do Rio 2019.

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