Amor à Flor da Pele (1)

Título Original

29 de setembro de 2000

Lançamento

Fa yeung nin wah

Direção

Wong Kar-wai

Roteiro

Wong Kar-wai

Elenco

Maggie Cheung, Tony Leung, Siu Ping Lam, Rebecca Pan, Kelly Lai Chen, Joe Cheung, Chan Man-Lei, Chin Tsi-ang, Paulyn Sun e Roy Cheung

Duração

98 minutos

Gênero

Nacionalidade

China

Produção

Wong Kar-wai

Distribuidor

Imagem Filmes

Sinopse

Ambientado em Hong Kong no início dos anos 60, dois vizinhos, Sr. Chow e Sra. Chan, criam um vínculo depois de começarem a suspeitar que seus respectivos cônjuges estão tendo um caso juntos.

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Amor à Flor da Pele | Crítica

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Faz todo o sentido que em nenhum momento de Amor à Flor da Pele, sétimo longa dirigido e escrito pelo chinês Wong Kar-wai, vejamos os rostos do homem e da mulher que, casados respectivamente com a Sra. Chan (Maggie Cheung) e com o Sr. Chow (Tony Leung), os levaram ao estado de espírito no qual se encontram desde o início da narrativa. Por mais influentes que sejam, eles o são justamente por serem ausentes, por representarem um vazio físico, emocional e espiritual para seus cônjuges – que acompanhamos ao longo de toda a projeção e que são definidos pela solidão que os acomete.

A Sra. Chan e o Sr. Chow juraram fidelidade a outros dois indivíduos que encontram-se distantes, invisíveis a olho nu, curtindo a vida em algum outro canto do planeta enquanto seus companheiros reais (ao menos, registrados em cartório) perecem sozinhos em seus apartamentos apertados, manifestando esperança de voltarem a reencontrar seus amores – ou “amores” – mesmo sabendo, no fundo, que estes agora pertencem ao passado.

Pior: não só ao passado, mas provavelmente a outros novos pares românticos conquistados através da traição.

É deste vácuo que nascem a Sra. Chan e o Sr. Chow como os conhecemos em Amor à Flor da Pele: dois indivíduos solitários que se sentem presos à obrigação moral de permanecerem fiéis àqueles que há muito não lhes são mais fiéis, mas que são o tempo todo testados pela atração inevitável e indisfarçável que fatalmente criam um pelo outro. Afinal, sozinhos e abandonados por seus “amores” fantasmagóricos, a Sra. Chan e o Sr. Chow têm em si buracos esperando para serem tampados por novos sentimentos (amorosos e/ou sexuais).

Buracos estes que só não têm como ser preenchidos totalmente porque, ao contrário dos cônjuges que os traíram, a Sra. Chan e o Sr. Chow se recusam a traí-los de volta – por mais que as tentações sejam constantes e eles o tempo todo cheguem “quase lá”. O que Wong Kar-wai compreende, contudo, é que estas tentações não se resumem às mais óbvias e gritantes, já que, afinal, o vazio interior no qual os personagens se encontra facilita que qualquer coisinha (aparentemente) insignificante do dia a dia se transforme num motivo para que ambos voltem aos seus apartamentos sem conseguirem pensar em qualquer outra coisa se não… aquela coisinha (aparentemente) insignificante.

Neste sentido, Kar-wai demonstra absoluto respeito e carinho pelos personagens que têm em mãos, retratando cada “incidente” pequeno do dia a dia (um esbarrão, um aceno, uma entreolhada) exatamente como o que é: um evento extremamente valioso para aqueles dois indivíduos – e que, por isso mesmo, merece ser enquadrado, filmado e montado de forma especial, numa câmera lenta que automaticamente confere grandiosidade àquela (pequena) ação e ao som de uma música-tema capaz de sugerir melancolia aqui e romantismo ali (ou ambos, dependendo do momento em que é tocada).

Mas há, também, as expressões mais óbvias de atração (amorosa/sexual/ambas), que surgem em ocasiões nas quais a aproximação carnal (em bom português, a pegação) parece o caminho natural de como as coisas se desenrolam ali. Nestes momentos, os figurinos e a direção de arte de Maggie Cheung praticamente empurram os personagens para um cenário de sensualidade iminente, mergulhando-os num vermelho que sugere a óbvia intensidade no ar e que vai do vestido femmefatalesco da Sra. Chan às paredes do apertado corredor no qual o Sr. Chow transita. Nestas horas, fugir da carnalidade parece impossível.

E só não é porque, de novo, a Sra. Chan e o Sr. Chow são excessivamente apegados aos códigos morais impostos pelo matrimônio – mesmo que estes códigos já tenham sido quebrados pelos demais cônjuges.

Não querendo entrar na questão do “merecimento” (se os dois estariam “certos” por traírem seus companheiros porque estes os traíram primeiro, numa espécie de “contra-adultério”), mas é curioso – e, para mim, ainda mais triste – constatar como a Sra. Chan e o Sr. Chow soam “complementares”, “feitos um para o outro”, chegando ao ponto de brincarem de reencenar as cenas que viveram com seus antigos esposos (Sra. Chan finge ser a esposa do Sr. Chow em certos momentos e vice-versa). Ambos encaram como uma forma de reviver as sensações que estes provocavam no início e, mais do que isso, fazer o outro entender melhor como era o “amor” passado (a partir destas interações, o Sr. Chow compreende um pouco mais os antigos hábitos do marido da Sra. Chan e pode “retomá-los” no presente).

Um dos instantes que mais atestam esta compatibilidade entre os dois (quase-)amantes, aliás, encontra-se justamente numa cena que busca enfocar seus desejos pequenos e mais carnais: enquanto jantam num restaurante e devoram um prato cujo gosto pode ser sentido à distância (nem precisa de cheiro; a aparência e o som do bife grelhado já nos fazem perceber o quanto este é suculento), a Sra. Chan afirma “Sua esposa gostava do arroz assim” (ou algo assim). Não em tom de pergunta, mas em tom de afirmação, como alguém que tem certeza do que está dizendo e de como era o comportamento da pessoa que busca emular (mesmo sem nunca tê-la conhecido). Afinal, naquele momento, nem são necessárias maiores explicações; os dois já se conhecem infinitamente melhor do que os parceiros aos quais juraram fidelidade no passado (e que não a tiveram de forma recíproca).

E, mesmo assim, não podem consumar os desejos, as tentações e os amores patentes que sentem um pelo outro. Por quê? Porque estão presos a um passado ingrato. E esta talvez seja a maior maldade da traição cometida pelo marido da Sra. Chan e pela esposa do Sr. Chow.

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