Viúvas

Título Original

Widows

Lançamento

29 de novembro de 2018

Direção

Steve McQueen

Roteiro

Steve McQueen e Gillian Flynn a partir do livro de Lynda La Plante

Elenco

Viola Davis, Michelle Rodriguez, Elizabeth Debicki, Cynthia Erivo, Liam Neeson, Colin Farrell, Brian Tyree Henry, Daniel Kaluuya, Robert Duvall, Garret Dillahunt, Carrie Coon, Jacki Weaver, Manuel Garcia-Rulfo, Jon Bernthal, Coburn Goss, Molly Kunz e Lukas Haas

Duração

129 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Steve McQueen, Iain Canning, Emile Sherman e Arnn Milchan

Distribuidor

Fox

Sinopse

Um assalto frustrado faz com que Harry Rawlins e sua gangue sejam mortos pela polícia e o dinheiro que roubaram seja destruído pelas chamas. Isto faz com que a viúva de Harry, Veronica, seja cobrada para que a quantia roubada seja devolvida. Pressionada, ela encontra um caderno de anotações de Harry que prevê em detalhes aquele que seria seu próximo golpe. Veronica então decide realizar o roubo, tendo a ajuda das demais viúvas dos mortos no assalto frustrado.

Publicidade

As Viúvas | Crítica

Facebook
Twitter
Pinterest
WhatsApp
Telegram

As Viúvas é um heist movie (ou “filme de assalto”) eficiente que envolve o espectador ao narrar uma história admiravelmente complexa e elaborada, contando ainda com o benefício de ser dirigido pelo excelente Steve McQueen (de Shame 12 Anos de Escravidão) e de reunir um elenco estelar que inclui, de uma vez só, alguns dos maiores nomes da atual Hollywood. Ao mesmo tempo, As Viúvas é uma obra ambiciosa não apenas ao construir personagens ambíguos e moralmente comprometidos, mas também ao tocar em diversos assuntos que vêm se tornando cada vez mais pertinentes – ainda mais em um período politicamente conturbado como este em que vivemos. Assim, o resultado é um longa que funciona como experiência estética e narrativa, mas que não deixa a desejar do ponto de vista temático.

Escrito pelo próprio McQueen ao lado de Gillian Flynn (a mente por trás de Garota Exemplar Objetos Cortantes), o roteiro – baseado no livro homônimo de Lynda La Plante – ambienta a trama na cidade de Chicago e começa mostrando o assalto liderado por Harry Rawlings, que rouba mais de US$ 2 milhões dos cofres do candidato a vereador Jamal Manning. Depois que a missão resulta em fracasso e todos os assaltantes são dados como mortos, Veronica Rawlings se vê obrigada a pagar pela dívida deixada pelo marido e, para isso, resolve se aliar às viúvas dos demais ladrões para orquestrar mais um assalto: são elas Alice Gunner e Linda Perelli. Desta forma, as três mulheres convocam também a babá Belle (que toma conta das filhas de Linda) e partem em uma operação arriscada, porém cheia de potencial – e tangendo a corrupção que contamina o cenário político em Chicago.

Mergulhado em uma atmosfera fria e pessimista que reflete o clima de desilusão que tomou conta de Chicago graças à corrupção, As Viúvas é comandado por Steve McQueen de maneira sempre elegante e cuidadosa: logo na excelente sequência que abre o filme (e que mostra o assalto que serve de pontapé inicial para a trama), o diretor imediatamente captura a atenção do espectador ao conferir tensão e dinamismo àquela ação (no caso, o assalto em si). Ao mesmo tempo, a abordagem visual adotada por McQueen e pelo diretor de fotografia Sean Bobbitt rende vários momentos inspirados – e o meu favorito é, sem dúvida alguma, aquele em que Jack Mulligan (o candidato a vereador interpretado por Colin Farrell) entra em um carro e começa a falar sobre o distrito que representará caso ganhe a eleição: mantendo a câmera fixa no capô do veículo enquanto este anda pelo sul de Chicago, McQueen e Bobbitt se recusam a mostrar o rosto do personagem durante sua fala, preferindo enfocar, em vez disso, o assunto que Mulligan está discutindo (ou seja: as ruas de Chicago).

Outro elemento fundamental é a brilhante montagem de Joe Walker, cujo currículo inclui SicarioA ChegadaBlade Runner 2049 e os dois longas anteriores de Steve McQueen: ainda no prólogo do filme, a montagem paralela desempenha um papel importantíssimo ao combinar três momentos distintos – parte da preparação para o assalto, o assalto em si e as consequências deste assalto – sem deixar o espectador perdido em relação à ordem dos acontecimentos. Isto, inclusive, se repete mais à frente, quando Veronica está deitada em sua cama e se lembra de uma conversa (pesada) que teve com o marido em outro momento, quando os dois também estavam deitados na mesma cama (e mais uma vez: o filme salta do passado ao presente sem confundir o público; neste sentido, o corte de cabelo usado por Viola Davis em cada um destes dois períodos acaba servindo para diferenciá-los).

Mas é impossível discutir As Viúvas sem falar sobre seu elenco fabuloso: colocando Jon Bernthal para fazer uma rápida participação e dispensá-lo em seguida (algo que também ocorreu em Baby Driver), o filme se dá ao luxo de trazer o renomado Robert Duvall para uma breve, mas significativa aparição. Já Liam Neeson ganha a oportunidade de transformar o assaltante Harry Rawlings em uma persona ambígua, pois suas ações – que já eram inicialmente questionáveis – aos poucos revelam motivações ainda mais podres do que poderíamos supor. E se Colin Farrell vive o candidato Jack Mulligan como um sujeito que até parece acreditar nas palavras que diz, mas que não consegue escapar da sombra representada pela figura de seu pai, Brian Tyree Henry encarna Jamal Manning como um indivíduo complexo que parece interessado a usar o racismo (do qual é vítima) mais para se promover politicamente do que para inspirar seus eleitores – e o ator confere a dose certa de hostilidade a Manning, fazendo com que soe como uma criatura genuinamente inescrupulosa. Para completar, Daniel Kaluuya surge sob a pele de um personagem radicalmente diferente daquele que viveu em Corra!, já que transmite ameaça, perigo e imprevisibilidade ao interpretar Jatemme Manning, o irmão (e capanga) de Jamal.

O que nos traz ao núcleo mais importante: aquele que dá título ao filme. Composto por mulheres fortes e determinadas que estão dispostas a arriscar tudo que têm para conquistar seus objetivos, o trio de viúvas é encabeçada por Veronica Rawlings, que, vivida por Viola Davis com sua energia habitual, se revela uma personagem curiosamente complexa: sem se importar muito com o aspecto moral/ético de suas ações (que são conscientemente criminosas), ela se mostra bem firme ao assumir as atividades até então comandadas pelo marido – ao mesmo tempo, essa força não anula o peso que Veronica carrega nas costas e que fica claro quando aos poucos descobrimos os traumas que ela carrega. Enquanto isso, Michelle Rodriguez encarna Linda Perelli como uma mulher que, por ser mãe de crianças pequenas, acaba tendo que encontrar um equilíbrio entre o comprometimento com seus filhos e o tempo que investirá no assalto, o que tende a torná-la mais humana e, por consequência, interessante. Fechando o trio principal, a jovem Elizabeth Debicki surpreende ao transformar Alice Gunner em mais uma persona multidimensional: por um lado, a terceira viúva exibe um senso de humor que funciona sem comprometer o peso dramático que é necessário em algumas sequências, o que é admirável; por outro, ela também é uma pessoa que carrega feridas emocionais dolorosas, já que viveu sofrendo abuso psicológico da mãe e sendo menosprezada pelo marido (algo que se torna ainda mais trágico quando percebemos que, para conseguir algum dinheiro, Alice se vê obrigada a se prostituir).

Assumindo uma natureza política simplesmente ao narrar a história de três mulheres que decidem se arriscar entrando em uma missão que até então era encarada como um serviço “para homens” (se a missão é bem-sucedida ou não, prefiro não revelar), As Viúvas é um filme que traz diversos subtextos para dentro de sua narrativa: para começo de conversa, trata-se de uma trama que se situa dentro de um cenário fortemente político, já que boa parte dos personagens estão ligados a dois candidatos a vereador e fazem o que fazem para favorecer um lado (ou prejudicar o outro). Assim, não deixa de ser relevante que o longa mostre como a corrupção acaba ajudando no aumento da criminalidade – e também é curioso perceber que, em alguns momentos cruciais, vemos personagens serem torturados e/ou assassinados, o que automaticamente remete aos vários casos de execuções (ou tentativas de execução) motivadas por intrigas políticas.

Mas não é só: salpicando uma série de outras questões importantes nos tempos em que vivemos, o filme não deixa de comentar o culto à indústria bélica que existe dentro da sociedade norte-americana – e quando Alice vê que precisa encontrar armas/munições e fica sem saber como consegui-las, Veronica apenas responde: “This is America” (isto porque nem citei a sequência ambientada numa loja de armas…). Por fim, não é de se espantar que a obra ainda encontre espaço para expor o racismo que leva (entre outras coisas) à violência policial – afinal, o longa é dirigido pelo mesmo Steve McQueen do magistral 12 Anos de Escravidão: há um doloroso flashback, por exemplo, que mostra como as autoridades estão acostumadas a enxergar um motorista não como cidadão, mas como possível ameaça simplesmente por ser… negro.

Não que As Viúvas seja um filme perfeito: a principal reviravolta da história (vocês vão reconhecê-la) soa particularmente absurda e estranha, já que teoricamente envolve uma série de conveniências e acobertamentos difíceis de serem mantidos. Além disso, o clímax da narrativa – ou seja: o último assalto – inclui um breve momento onde uma das viúvas falha em digitar a senha de um cofre porque o papel que servia de “cola” estava de cabeça para baixo (espera aí… sério que ninguém sequer tentou memorizar o código?!).

De todo modo, isto não diminui os muitos méritos de As Viúvas, uma obra que não apenas desenvolve uma atmosfera consistentemente intensa como ainda nos apresenta a diversos personagens multidimensionais. E, de quebra, toca em alguns assuntos que não podem ser deixados de lado em tempos conturbados como estes em que vivemos.

Mais para explorar

Assassino por Acaso | Crítica

Este novo trabalho de Richard Linklater se apresenta como uma obra profundamente interessada pelo ato de interpretar, de performar algo que não é, tornando-se um filme que justamente conquista por ser tão inspirado.

Divertida Mente 2 | Crítica

Voltando a criar um mundo impressionante em sua imaginação, esta continuação expande bem o universo do original à medida que melhor compreende seus personagens e os sentimentos destes.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *