Aves de Rapina

Título Original

Birds of Prey (and the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn)

Lançamento

6 de fevereiro de 2020

Direção

Cathy Yan

Roteiro

Christina Hodson

Elenco

Margot Robbie, Rosie Perez, Mary Elizabeth Winstead, Jurnee Smollett-Bell, Ella Jay Basco, Ewan McGregor, Chris Messina e Ella Jay Basco

Duração

109 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Margot Robbie, Bryan Unkeless e Sue Kroll

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Arlequina (Margot Robbie), Canário Negro (Jurnee Smollett), Caçadora (Mary Elizabeth Winstead), Cassandra Cain e a policial Renée Montoya (Rosie Perez) formam um grupo inusitado de heroínas. Quando um perigoso criminoso começa a causar destruição em Gotham, as cinco mulheres precisam se unir para defender a cidade.

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Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa | Crítica

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Aves de Rapina é infinitamente melhor que seu antecessor, Esquadrão Suicida. Na prática, isso não quer dizer muita coisa, já que qualquer tentativa de criar um filme pior do que aquele provavelmente resultaria na prisão de todos os envolvidos no projeto. Ainda assim, comparar um longa a outro não deixa de representar um exercício interessante: embora situados no mesmo universo e trazendo a Arlequina como uma de suas figuras centrais (sendo promovida, aqui, ao papel inequívoco de protagonista), os resultados alcançados por ambos os filmes são notavelmente distantes um do outro, demonstrando, com isso, como as visões de dois cineastas diferentes (David Ayer e, agora, Cathy Yan) acerca dos mesmos personagens podem ser decisivas em termos de qualidade – e comprovando, aliás, como nunca é bom criar expectativas ao assistir a uma obra, já que bons esforços podem vir até mesmo da mais improvável das fontes. E se em 2016 aleguei ter achado a Arlequina terrivelmente irritante, desta vez fiquei contente por vê-la funcionar surpreendentemente bem.

Escrito por Christina Hodson (Bumblebee), o roteiro de Aves de Rapina já começa tomando uma decisão importante ao estabelecer que, entre o filme anterior e este, o Coringa e a Arlequina terminaram seu namoro – uma decisão que se mostra benéfica por dois motivos: 1) descarta qualquer necessidade de submeter o espectador a mais uma aparição do Coringa de Jared Leto (a pior de todas as versões do personagem); e 2) possibilita que a Arlequina encontre uma voz própria, abandonando de vez a condição de escrava sexual que a definia em Esquadrão Suicida (e que David Ayer insistia em romantizar) e mostrando ser capaz de existir sem se limitar à sombra do antigo arqui-inimigo do Batman (não à toa, o título completo do filme é Aves de Rapina e a Emancipação Fantabulosa de Arlequina). A partir daí, basta dizer que ela se envolve com um chefão do crime organizado de Gotham City e, para escapar de certa situação, terá que contar com a ajuda de outras quatro mulheres: a detetive Renee Montoya; a vigilante Caçadora; a poderosa Canário Negro; e a pequena ladra Cassandra Cain.

Não é preciso muito para perceber que Aves de Rapina é, por natureza, uma obra obviamente comprometida com a ideia de empoderamento feminino que vem ganhando cada vez mais espaço em Hollywood nos últimos anos (ValenteFrozenMoanaMad MaxStar Wars; Mulher-MaravilhaCapitã MarvelO Exterminador do Futuro; etc), tornando-se ainda mais notável ao trazer mulheres para assumirem a direção e o roteiro – e conferindo a elas, portanto, um lugar de fala. Na prática, porém, o que o filme faz é mais do que somente mostrar cinco heroínas fortes saindo no braço com adversários homens (o que já seria simbólico por si só), se propondo, por exemplo, a criar um arco para a Arlequina no qual ela provará ser totalmente independente de um homem que apareça para resgatá-la e/ou fazer sua jornada avançar.

Além disso, a intenção do projeto como um todo (a de colocar as mulheres em um patamar superior) pode ser constatada através de um breve momento que se passa em uma “cena do crime” e que inverte a lógica do manterrupting ao trazer um homem tentando interromper Renee Montoya e sendo “contra-interrompido” de volta – por outro lado, o fato de todos os acertos da detetive serem creditados não a ela, mas ao seu chefe denuncia o disparate das oportunidades desiguais entre homens e mulheres, com os primeiros sendo sempre mais reconhecidos que as segundas, ao passo que a dinâmica entre Renee, seu superior e uma colega investigadora ilustra (através de uma cena rápida) como a estrutura de toda a Sociedade constantemente coloca as mulheres umas contra as outras em função de um homem.

Aliás, o simples fato de ter sido dirigido por uma mulher é importante por si só – afinal, os filmes de ação sempre foram encarados como um gênero “para homens” (uma visão que vem se provando cada vez mais anacrônica e ultrapassada) e isto sempre levou a indústria de Hollywood a escalar apenas diretores homens para comandar projetos deste tipo, dando às mulheres a oportunidade de dirigir um longa de ação em raríssimas ocasiões. E é revelador, portanto, que Cathy Yan faça um trabalho tão bom neste sentido (o que comprova que mulheres são tão capazes de coordenas boas sequências de ação quanto homens): beneficiados pelas coreografias complexas, inventivas e sempre dispostas a surpreender o espectador de um jeito ou de outro (notem como uma acrobacia feita por Arlequina pode transformar um celular em um projétil, por exemplo), os constantes conflitos entre as heroínas e seus adversários são sempre registrados através de planos abertos que permitem que vejamos as atrizes da cabeça aos pés e que se mantêm estáveis por um tempo considerável, permitindo que o espectador entenda e aprecie as lutas retratadas na tela.

Por outro lado, há algumas heranças estilísticas de Esquadrão Suicida que ainda soam um pouco irritantes: o uso excessivo de grafismos para tentar resumir as características básicas de certos personagens, em alguns momentos, surge artificial demais, como se forçasse uma identidade visual “moderninha” apenas para tentar disfarçar a preguiça de apresentar certas informações de forma natural (embora, vale dizer, algumas destas tentativas funcionem como piadas, como aquela que traz um emoji no lugar do nome e das especificidades de um cara aleatório). O mesmo pode ser dito a respeito das canções que tocam ao longo da projeção e que frequentemente soam como tentativas tolas de comentar os aspectos mais óbvios das cenas nas quais são encaixadas – e me incomoda um pouco o fato de não haver praticamente nenhum momento que não seja praticamente descrito pela música que o acompanha, transformando o recurso em uma muleta dramática boba.

A falta de sutileza, aliás, é um problema que também se aplica a boa parte dos diálogos, que, por sua vez, são sobrecarregados de exposição e martelam os conceitos mais importantes da narrativa (Arlequina se separou do Coringa; a Caçadora quer vingança; etc) de forma excessiva. Mas este não é o único problema do roteiro, que tropeça também ao investir em uma estrutura não linear que, baseada nas “perdas de memória” da Arlequina ao narrar em off a história (às vezes, ela diz se esquecer de um detalhe importante e obriga o filme a voltar rapidinho no tempo para mostrá-lo), acaba servindo apenas para complicar demais uma trama essencialmente simples. Se somarmos isto ao fato de algumas piadas terem seu potencial desperdiçado (há uma cena de imaginação que mostra Arlequina dançando e cantando no meio de vários indivíduos que parece existir apenas para virar meme no futuro), o resultado do longa torna-se um pouco irregular.

Mas não a ponto de comprometê-lo. Afinal, nem teria como, já que o carisma de Margot Robbie ao assumir o papel de Arlequina, desta vez, é mais do que suficiente para torná-lo, no mínimo, interessante: hábil ao retratar o senso de humor anárquico, constante e obviamente influenciado pelo estado psicológico particular da personagem, Robbie se sai bem ao ilustrar como a agitação e o comportamento infantil da anti-heroína se mantêm até em seus momentos mais íntimos, nos quais ela não está fazendo questão de dizer algo engraçado – e gosto particularmente de como Robbie consegue projetar superioridade ou mesmo autoridade em relação a outros personagens apesar de suas dores internas. Infelizmente, não sou capaz de dizer o mesmo sobre as outras quatro heroínas, já que, por mais carismáticas que sejam atrizes que as interpretam, o filme em si não lhes dá o espaço merecido, apresentando-se desequilibrado ao dar muito mais atenção à Arlequina do que às demais personagens (e, como alguém que não conhece os quadrinhos, confesso não ter entendido a razão de terem intitulado o longa de Aves de Rapina em vez de Arlequina e Suas Amigas).

Ocasionalmente desperdiçando o potencial de algumas situações cômicas (a cena que traz Arlequina sob efeito de cocaína, por exemplo), Aves de Rapina traz Ewan McGregor se divertindo sob a pele de um vilão egocêntrico, arrogante e instável a ponto de tornar-se simplesmente irresistível. Assim, o resultado é um filme que, mesmo longe de ser perfeito, nos lembra de que não existem personagens, universos ou franquias destinadas ao fracasso; apenas cineastas mais ou menos capazes de desenvolvê-los com competência.

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