Blade Runner

Título Original

Blade Runner

Lançamento

25 de junho de 1982

Direção

Ridley Scott

Roteiro

Hampton Fancher e David Peoples

Elenco

Harrison Ford, Sean Young, Rutger Hauer, Edward James Olmos, M. Emmet Walsh, Daryl Hannah, William Sanderson, Brion James, Joe Turkel, Joanna Cassidy, James Hong, Morgan Paull, Kevin Thompson, John Edward Allen e Hy Pyke

Duração

117 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Michael Deeley

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

No início do século XXI, uma grande corporação desenvolve um robô que é mais forte e ágil que o ser humano e se equiparando em inteligência. São conhecidos como replicantes e utilizados como escravos na colonização e exploração de outros planetas. Mas, quando um grupo dos robôs mais evoluídos provoca um motim, em uma colônia fora da Terra, este incidente faz os replicantes serem considerados ilegais na Terra, sob pena de morte. A partir de então, policiais de um esquadrão de elite, conhecidos como Blade Runner, têm ordem de atirar para matar em replicantes encontrados na Terra, mas tal ato não é chamado de execução e sim de remoção. Até que, em novembro de 2019, em Los Angeles, quando cinco replicantes chegam à Terra, um ex-Blade Runner (Harrison Ford) é encarregado de caçá-los.

Publicidade

Blade Runner – O Caçador de Androides | Crítica

Facebook
Twitter
Pinterest
WhatsApp
Telegram

Obs.: este texto contém SPOILERS!

A ousadia, o fracasso e as muitas versões.
Às vezes, o tempo é responsável por dar aos filmes aquilo que eles merecem. Há algumas produções que são aclamadas com louvor ao serem lançadas, mas que imediatamente caem no esquecimento até mesmo de seus maiores admiradores. Por outro lado, existem também algumas obras que só são valorizadas depois de fracassarem nas bilheterias e – dependendo do caso – serem ignoradas por boa parte da Crítica: Clube da Luta pode até ser cultuado hoje, mas na época não só resultou num fiasco comercial como ainda foi acusado de promover valores perversos e niilistas; o diretor Darren Aronofsky é dono de uma carreira composta por alguns longas complicados que, após levarem pedradas de todos os cantos, talvez acabem caindo nas graças de um público bastante específico; e até mesmo Speed Racer, que as irmãs Wachowski realizaram há alguns anos, surge com frequência em listas de filmes subestimados e incompreendidos.

Já Blade Runner – O Caçador de Androides é possivelmente um dos casos mais peculiares de fracassos que se transformam em cult depois de um tempo: quando Ridley Scott (que havia dirigido Alien – O Oitavo Passageiro há três anos) decidiu adaptar o livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick, para as telonas, seus interesses obviamente não giravam entorno de sequências de ação explosivas ou uma trama descomplicada. Mesmo ambientado num mundo futurista que incluía carros voadores, androides e policiais, o projeto era essencialmente um resgate de elementos clássicos do Cinema noir ao mesmo tempo em que propunha uma série de discussões e questionamentos existenciais, filosóficos e morais que buscavam respostas para uma pergunta: qual a diferença entre seres humanos e máquinas?

Mas pode ser que o público médio não esteja tão interessado neste tipo de conteúdo, não é mesmo? Quando se depararam com o resultado da obra, os executivos por trás da produção entraram em desespero e adotaram uma medida drástica a fim de impedir que Blade Runner gerasse prejuízo para a Warner Bros.: descaracterizaram o trabalho de Ridley Scott inserindo voice overs horrorosos onde Harrison Ford explica a narrativa e a mentalidade do protagonista através de monólogos ofensivamente expositivos (e mal-humorados). Além disso, houve uma edição que cortou várias cenas pela metade com o intuito de “agilizar o ritmo” e algumas sequências foram remontadas alterando sua lógica original (o encontro entre Roy Batty e Hannibal Chew foi retirado do fim do segundo ato e antecipado para o primeiro). Para piorar, a necessidade de criar um final feliz chegou ao cúmulo de reutilizar as tomadas que Stanley Kubrick e o diretor de fotografia John Alcott filmaram para o começo de O Iluminado, o que não tem nada a ver com aquilo que foi mostrado nas quase duas horas anteriores.

De qualquer forma, isto não foi o suficiente para evitar o fracasso comercial de Blade Runner, que foi orçado em US$ 28 milhões e arrecadou apenas US$ 33.8 milhões mundialmente. A bem da verdade, a chamada “versão de cinema dos Estados Unidos” (há também uma “versão de cinema internacional”) podia ser encarada como um filme medíocre que jamais aproveitava seu potencial por pura covardia, mas ainda assim era possível enxergar algo interessante naquele longa. As boas ideias já estavam presentes desde aquele momento; bastava apenas que algum diretor tivesse a liberdade de realizar um trabalho que fizesse jus a essas intenções.

E é por isso que, em 1992, Ridley Scott enfim teve a oportunidade de revelar suas reais pretensões com Blade Runner, lançando um Director’s Cut que angariou uma legião de fãs e transformou o longa num clássico injustiçado. Depois de 15 anos, porém, o diretor disponibilizou uma nova versão intitulada The Final Cut, que remasterizou a qualidade de imagem e de som ao passo que corrigiu certas falhas técnicas como o céu que deveria ser preto, mas era azul no instante em que uma pomba levantava vôo.

Então que fique claro: o item analisado aqui é Blade Runner: The Final Cut, ok?

O filme em si.

Ambientado na Los Angeles do ano de 2019 (que, pelo andar da carruagem, não será exatamente assim), Blade Runner estabelece que a Humanidade desenvolveu organismos cibernéticos chamados “replicantes” e que estes se tornaram tão convincentes e emotivos quanto o próprio Homem – com a diferença de que este, ao contrário dos “androides” (entre muitas aspas), podem viver bem mais do que apenas quatro anos. Quando são ameaçados, no entanto, os seres humanos decidem caçar os replicantes criando uma força-tarefa especial constituída por blade runners (ou, como diz o subtítulo brasileiro do filme, “caçadores de androides”). Assim, o ex-policial Rick Deckard é mandado para “aposentar” (leia-se: matar) os últimos modelos que restaram da Nexus-6, que foram desenvolvidos pela Corporação Tyrell e são liderados por Roy Batty.

Logo nos primeiros minutos de Blade Runner, quando conhecemos o universo cyberpunk onde a trama se situa, percebemos que estamos diante de um espetáculo visual (e, embora tenham se passado mais de 30 anos, o trabalho do diretor de arte David L. Snyder e do designer de produção Lawrence G. Paull segue impressionante até hoje). Quando redescobrimos Los Angeles, logo nos deparamos com um local completamente distante do que nos habituamos a contemplar: sem contar com nenhuma montanha ao seu redor, a cidade exibe imensas torres que exalam chamas (como se fossem refinarias de petróleo), edifícios visualmente elaborados, carros que voam, delegacias arquitetadas como pirâmides repartidas, telões que contêm propagandas e zeppelins que divulgam viagens para fora da Terra, estimulando o cidadão a sair deste mundo desolado. Em contrapartida, se as partes mais elevadas da cidade são sempre luxuosas, o submundo de Los Angeles ilustra com precisão a decadência da vida urbana, recebendo apenas a rebarba da moda futurista (o que aparece nas maquiagens coloridas e em alguns adereços cênicos fantásticos, como os guarda-chuvas iluminados).

Recém-saído dos sucessos de Star Wars e Os Caçadores da Arca Perdida, Harrison Ford encarna um personagem curioso: embora traga parte do caráter charmoso que existia em Han Solo e Indiana Jones, o policial Rick Deckard é definido mesmo pela sua conduta fria e agressiva, algo que é de extrema importância para os debates que o filme pretende promover (como discutirei mais à frente). Com isso, o protagonista pode até lançar um sorrisinho elegante em certo momento, mas o que realmente marca são as passagens em que Deckard assassina seus oponentes e trata Rachael de modo bruto. Por falar na replicante, é importante apontar que Sean Young faz um ótimo trabalho ao ilustrar os dilemas existenciais e a inexperiência natural da personagem, que se vê devastada ao descobrir que sua vida não foi nada além de uma ilusão. Concluindo o trio principal, o holandês Rutger Hauer (que tinha acabado de participar de Falcões da Noite) dá vida a um dos antagonistas mais trágicos e complexos que Hollywood apresentou nas últimas décadas: depois de ser introduzido como uma figura aparentemente vilanesca, Roy Batty aos poucos expõe motivações que o tornam dramático e até mesmo comovente – e o monólogo que oferece nos minutos finais da projeção é, ainda hoje, um dos discursos que mais me emocionaram no Cinema.

De todo modo, um dos aspectos que mais chamam a atenção é o tom criativo que Ridley Scott elabora para situar a narrativa – e, desta forma, Blade Runner deixa de ser “apenas” uma ficção científica admirável para se tornar uma experimentação ambiciosa envolvendo o cruzamento de dois gêneros completamente distintos: o resgate do Cinema noir e a revelação do estilo cyberpunk. Por um lado, trata-se de uma história que gira entorno de uma investigação complexa e Deckard surge como uma figura densa e ambígua que, com seu sobretudo marrom e seu semblante charmoso, remete à imagem galanteadora e cínica de um Humphrey Bogart em longas como Casablanca, O Falcão Maltês e À Beira do Abismo; por outro, o que realmente transformou Blade Runner numa obra memorável foi a estética futurista que inclui carros voadores, neons, telões, edifícios arquitetados de maneira complexa e uma sociedade multicultural (não é à toa que esse estilo inspirou uma série de outras propriedades intelectuais – uma delas é a franquia Ghost in the Shell).

Não é de se esperar que noir e cyberpunk possam funcionar tão bem juntos, mas isto acontece graças à construção cuidadosa tanto de Ridley Scott quanto do roteiro escrito por Hampton Fancher e David Peoples. A fotografia de Jordan Cronenweth, inclusive, é fundamental para que esta fusão seja bem-sucedida, mostrando-se inteligente e perspicaz ao unir o melhor dos dois mundos: existem vários elementos estéticos típicos dos filmes policiais clássicos que estão presentes aqui, como o uso constante de sombras, o contraste entre cores mais escuras ou mais claras e até mesmo a iluminação que, ao ser projetada através de uma persiana, forma algumas “barras” nos cenários; em compensação, o visual futurista distópico é sempre privilegiado graças às cores saturadas que realçam o brilho de certos adereços cênicos, como os neons, as luzes dos veículos e os guarda-chuvas coloridos.

O mesmo grau de complexidade pode ser observado na excepcional trilha sonora de Vangelis, que, além de remeter ao Cinema noir através de um saxofone que pontua perfeitamente o romance entre Deckard e Rachael, também merece elogios por conta do uso de um sintetizador melancólico que tem tudo a ver com o clima futurista da produção. Mas não é só: em certo instante, quando a viatura voadora de Deckard levanta voo, a composição subitamente investe num crescendo de notas agudas, como se a trilha subisse junto com o veículo (algo que John Williams fez em E.T.: O Extraterrestre, na clássica cena em que as bicicletas levantam voo). Para completar, Blade Runner também é digno de aplausos em seu design sonoro – e é compreensível que este filme tenha sido citado numa aula de Som como Instrumento Narrativo que tive na faculdade: na memorável sequência onde Deckard assassina a replicante Zhora, seus batimentos cardíacos podem ser escutados até que desapareçam de uma vez por todas.

Trata-se, portanto, de um claro momento onde os efeitos sonoros estão induzindo o espectador a experimentar parte do sofrimento de uma personagem – e que esta seja uma das “vilãs” é algo um tanto quanto revelador. Esta é uma cena que, a meu ver, é um belíssimo resumo da complexidade e maturidade de Blade Runner: em vez de se submeter ao maniqueísmo típico dos filmes de ação dos anos 1980, o roteiro de Hampton Fancher e David Peoples indica que Deckard será um herói apenas para desconstruir esta visão no decorrer da trama; ao mesmo tempo, os replicantes que surgem como força antagônica jamais podem ser descritos como vilões, pois são indivíduos que simplesmente estão fartos da discriminação humana e se esforçam para conquistar o direito de viver por mais tempo. Assim, quando Deckard elimina Zhora, o espectador passa a enxergá-lo não como benfeitor, mas como carrasco (e esta é a intenção do longa).

Isto porque não citei, é claro, o emblemático monólogo que Roy Batty oferece nos minutos finais da projeção: “Eu vi coisas que vocês, humanos, jamais acreditariam. Naves de ataque queimando na borda de Orion. Assisti aos raios-c brilharem na escuridão próxima ao Portão de Tannhäuser. Todos estes momentos serão perdidos no tempo como lágrimas na chuva. Hora de morrer“. Em suas últimas palavras, Roy não apenas salva o temível Deckard da morte como ainda revela o tanto de potencial que será esquecido e ignorado pelo restante da Humanidade, que, por estar sempre desesperada em preservar uma supremacia, opta por destratar determinados tipos de pessoas. Claro que, desta maneira, é possível fazer um paralelo com as minorias que são subjugadas desde sempre – e se Roy surge como antagonista, é somente por estar em busca de justiça. Pois o que Blade Runner demonstra é que, embora se julgue esclarecido e racional, o ser humano é um canalha miserável e egoísta que está disposto a matar a sangue frio seus congêneres.

Mas é claro que o fato dos perseguidos em questão serem criações sintéticas faz toda a diferença; o que nos leva a um questionamento existencial que, mais uma vez, escancara um espelho diante do público e levanta reflexões acerca da própria natureza humana: após ser confrontado impiedosamente por Deckard, por que Roy decide salvá-lo de uma queda fatal? A resposta é simples: porque, mesmo sendo criados pelo próprio Homem, o replicante é mais evoluído, caridoso e honrado que o próprio blade runner, que age em prol de uma espécie que se diz pensante, nobre e próspera. E se são caçados, é porque os “androides” são bons demais para viverem em harmonia com os seres humanos – que, de tão competitivos e invejosos, fazem questão de sabotar aquilo que eles mesmos criaram (mesmo tendo sentimentos e raciocinando maravilhosamente).

A verdade é que, em pleno ano de 2017, Blade Runner segue assustadoramente atual e pessimista. Ainda vivemos em tempos de intolerância e pedantismo onde pessoas são perseguidas e violentadas por causa do ego e da covardia dos outros. Eu diria que começar a desenvolver replicantes reais talvez fosse uma boa alternativa, mas o Homem é tão autodestrutivo que obviamente acabaria com aquilo que ele mesmo inventou. O que falta mesmo é um Roy Batty que provoque na Humanidade a mesma reação exibida silenciosamente por Rick Deckard depois de enfim compreender que, embora artificiais, os replicantes são mais humanos que os próprios humanos.

O futuro de Blade Runner pode até ser distópico, mas nem tanto.

Deckard: humano ou replicante?

Algo bastante recorrente em filmes policiais (e aqui retorno ao noir) é o elemento surpresa que muitas vezes resulta numa reviravolta. No caso de Blade Runner, essa característica existe dependendo da edição que estiver sendo analisada – e se a versão que foi para os cinemas não se concentrava tanto nisso, o Final Cut dá pistas incisivas que deixam ainda mais claro que Rick Deckard é, na realidade, um replicante.

As evidências não são poucas: há quem diga que a obsessão que os “androides” têm por fotos constitui um indício forte, mas isso não é particularmente satisfatório. Em certo instante, Rachael pergunta a Deckard se ele já pensou em fazer o teste para identificar replicantes nele mesmo, o que já é um pouco relevador. Mas outro item a ser considerado tem a ver com a iluminação projetada nas pupilas de alguns personagens: ao contrário do que ocorre com seres humanos, os olhos dos replicantes refletem luminosidade com facilidade. É por isso que, quando o “herói” surge desfocado com um brilho intenso nos olhos, é impossível não suspeitar da sua natureza.

Mas o que realmente torna evidente o fato de que Deckard é um replicante diz respeito a um sonho que só foi inserido nas versões posteriores àquela exibida nos cinemas: quando o protagonista adormece sobre um piano, a imagem misteriosa de um unicórnio correndo vem à tona. O que seria aquilo? Uma analogia à relação de Deckard com Rachael, já que estes animais fantasiosos só podem ser domados por virgens (e, como a replicante não é o mais vivido dos seres, poderíamos chamá-la assim)? Talvez, mas acho que isso perde a relevância na última cena do filme, quando um colega de Deckard deixa um origami de unicórnio, como se dissesse indiretamente: “Ei, eu sei que você é um replicante com memórias implantadas, como este unicórnio aqui”.

E esta é, para mim, a única falha grave de Blade Runner. Como comentei na segunda parte do texto, a maior riqueza do longa é a mensagem afirmando que, mesmo sendo construídos artificialmente, os replicantes ainda conseguem ser mais humanos que os próprios seres humanos. É por isso que Deckard é frio e bruto ao passo que os “androides” são trágicos e emotivos. Assim, quando descobrimos que o protagonista também pertence ao segundo grupo, isso faz com que a discussão proposta pelo filme perca parte da sua força e de seu charme, já que o sujeito nada mais é do que um replicante batendo de frente com outros replicantes. O que acontece com o contraste entre as duas espécies? É simplesmente diluído.

Ainda bem que, em seus demais aspectos, Blade Runner continua oferecendo muitos méritos capazes de transformá-lo numa obra-prima.

Mais para explorar

Garfield Fora de Casa | Crítica

Animação da Sony com alma de Illumination, a nova aventura do gato mais famoso das tirinhas em quadrinhos cria uma narrativa tão caótica que sobra pouco espaço para Garfield esbanjar sua personalidade e seu carisma habitual – o que é uma pena.

Guerra Civil | Crítica

Como espetáculo de ação, Guerra Civil é uma obra tecnicamente eficiente. Como tese – que obviamente tenta ser – sobre algum tema mais amplo, é um filme que reflete as velhas e costumeiras limitações de Alex Garland.

Close-Up | Crítica

Não importam as dúvidas sobre o que é real e o que é ilusório; sobre o que é documentação e o que é ficcionalização. No fim das contas, o que sobra na obra-prima de Abbas Kiarostami é o homem. E o Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *