Guerra Civil (1)

Título Original

Civil War

Lançamento

18 de abril de 2024

Direção

Alex Garland

Roteiro

Alex Garland

Elenco

Kirsten Dunst, Cailee Spaeny, Wagner Moura, Stephen McKinley Henderson, Nick Offerman, Jesse Plemons, Sonoya Mizuno, Jefferson White, Nelson Lee, Evan Lai, Karl Glusman, Jin Ha, Jojo T. Gibbs, Juani Feliz, James Yaegashi, Greg Hill, Edmund Donovan e Jess Matney

Duração

109 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Andrew Macdonald, Allon Reich e Gregory Goodman

Distribuidor

Diamond Films

Sinopse

Uma família luta pela sobrevivência enquanto uma guerra civil assola os Estados Unidos.

Publicidade

Guerra Civil | Crítica

Facebook
Twitter
Pinterest
WhatsApp
Telegram

Chegou um certo momento de Guerra Civil, novo trabalho do britânico Alex Garland (Ex_Machina, Aniquilação, Men: Faces do Medo), em que comecei a ter a clara impressão de que o filme acredita estar falando muita coisa, mas que, na verdade, não diz tanto assim. Isso, aliás, é algo que costumo sentir assistindo a praticamente todas as obras dirigidas por Garland: ele levanta discussões inquestionavelmente ambiciosas, mas não parece ter estofo o suficiente para desenvolvê-las além da superfície, como se as pincelasse só para posar de “denso” ou “complexo” sem de fato sê-lo. (Já seus trabalhos apenas como roteirista – como Extermínio, Sunshine: Alerta Solar e Dredd – costumam me agradar bem mais.)

Situado num futuro que parece relativamente próximo, Guerra Civil imagina uma realidade (não tão absurda) em que os Estados Unidos, no auge da polarização, voltaram a entrar em conflito armado uns contra os outros. O curioso é que, embora fazendo um esforço de imaginação considerável, o roteiro de Alex Garland nunca faz questão de explicar as motivações que levaram àquela guerra: tudo que sabemos é que o presidente dissolveu o FBI, ordenou ataques aéreos contra a população e encontra-se agora em seu terceiro mandato (algo que rasga a Constituição norte-americana). Fora isso, o filme não só evita ancorar sua “mitologia” em categorizações da nossa realidade (em momento algum sabemos se o presidente é democrata ou republicano, por exemplo), como também elabora detalhes que ajudam a constituir um contexto fictício particular (se no mundo real as inclinações eleitorais do Texas e da Califórnia não poderiam ser mais opostas – o primeiro é tradicionalmente republicano e a segunda, democrata –, no universo da trama os dois estados lutam do mesmo lado da trincheira).

Não que Guerra Civil seja um filme apolítico, já que, por mais questionável que seja a ideia de uma guerra destituída de pano de fundo e esvaziada politicamente (e concordo que há graves problemas nisso), o fato é que este trabalho de Alex Garland tem, sim, teses a discutir e defender – no caso, não sobre o conflito em si e seus contextos/efeitos, mas sobre o papel do fotojornalismo em meio à guerra, o dia-a-dia dos profissionais da área na zona de guerra e as implicações éticas (que se estendem ao Cinema, é claro) de se apontar uma câmera para algo brutal a fim de extrair uma imagem plasticamente eficiente. Para isso, o roteiro de Garland adota uma estrutura de road movie e se concentra num grupo de quatro personagens (três fotojornalistas e uma jovem aspirante a) que viajam de carro a Washington para tentar entrevistar o presidente, cada dia mais cercado pelas tropas rivais.

Personagens estes que, de modo geral, representam um dos maiores trunfos de Guerra Civil, apresentando-se como indivíduos de tipos bem definidos (não chegam a ser arquétipos, mas são quase isso) e que atuam quase como signos das ideias que o filme quer comunicar. Encarnando uma mulher claramente calejada por anos e anos de experiência numa profissão que, além de pôr sua própria vida em risco, a obriga a presenciar centenas de outras serem aniquiladas sem nada poder fazer a respeito (a não ser… registrar a aniquilação com a câmera), Kirsten Dunst confere a Lee Smith um tom apropriadamente monocórdio que ajuda a sintetizar a apatia que a repórter construiu para si – e que é resultado, de novo, de um longo processo de enrijecimento trazido pelo fotojornalismo em si. Wagner Moura, por sua vez, cria um sujeito que tinha tudo para cair na caricatura do “cara bem-humorado que se diverte e exibe uma leveza considerável mesmo estando no centro de uma guerra”, mas que surpreende ao revelar uma vulnerabilidade emocional (notem sua dor e seu desespero diante das barbaridades que testemunha) que tende a torná-lo empático, complexo e, por consequência, humano, ao passo que Stephen Henderson posiciona o veterano da equipe como uma curiosa fusão dos outros dois, combinando a experiência acumulada de Smith (bem como os autoquestionamentos sobre a ética de seu trabalho) e uma postura um pouco mais simpática que, vejam só, resulta justamente de seu tempo de serviço e do fato de já ter entendido melhor seu papel no mundo. Por fim, a ótima Cailee Spaeny atravessa aquele que talvez seja o arco mais significativo da narrativa, costurando brilhantemente a transição da inocência da jovem Jessie rumo à triste constatação de que, naquele cenário, não há espaço para idealismo.

Mas aí, armadas as peças do discurso de Alex Garland, chega a hora de o cineasta finalmente movê-las – e é aqui que infelizmente começam os problemas de Guerra Civil, já que o realizador não parece ser exatamente dotado de bagagem temática, soando muitas vezes como um adolescente que passou rapidamente os olhos por um verbete da Wikipédia e, no afã de tentar articular uma “crítica social” a partir do que leu, torna-se meio constrangedor em função da fragilidade de seu raciocínio. Não à toa, tudo que o filme tem a dizer sobre a ética do fotojornalismo de guerra se resume a frases e constatações óbvias: aqui, Lee diz a Jessie que é preciso estômago para encarar esta profissão; ali, ela volta alegando que a imagem de um helicóptero destroçado “… dará uma boa imagem” (e nisso fica implícito um quase comentário sobre o hábito destes repórteres de buscar fotogenia num fato trágico); acolá, os personagens reagem com choque a um horror que presenciaram – e, assim, o máximo que Garland consegue é apenas gritar, de forma meramente ilustrativa, os aspectos mais primários de sua ideia (“Vejam como é difícil a vida destes caras!”) sem jamais definir, afinal, o que quer dizer com/sobre isso.

O pior, contudo, é perceber que toda a tese que Garland tenta montar (sobre como se registrar uma ação desumana e sobre as implicações que decorrem disso) fica constantemente se anulando em função das decisões estéticas que o diretor toma – numa ironia que acaba reiterando tudo que o filme aparenta criticar (ou, no mínimo, questionar). Assim, ao mesmo tempo que os personagens de Guerra Civil vivem se sentindo culpados ou desconfortáveis por fotografarem corpos humanos sendo despedaçados por tiros de fuzil, Garland não hesita em cosmetizar as ações dos repórteres e dos guerrilheiros ao mostrá-la através de planos plasticamente belíssimos, que chamam atenção para o quão minuciosa é sua composição (e, sempre que Lee ou Jessie capturam o shot de alguém dando/recebendo um tiro e sendo brutalmente ferido no processo, Garland e o montador Jake Roberts fazem questão de incluir inserts de como ficaram as fotos tiradas pelas personagens, o que soa mais como distração do que como qualquer outra coisa). Além disso, há vários momentos em Guerra Civil que se resumem a montagens que encobrem o dia-a-dia dos jornalistas e que, mais uma vez, são compostas por planos esteticamente perfeitinhos, em câmera lenta, só não parecendo saídos de um comercial de banco graças à violência neles contida. Não é surpresa, portanto, que logo chegue o terceiro ato e Garland apenas desista de tentar amarrar qualquer discurso “antiguerra” que segurava até ali, atirando os braços para cima e se entregando à ação descerebrada.

Assim, como o cineasta nunca consegue se resolver politicamente, acaba que Guerra Civil funciona muito mais como uma fanfic (meio sádica, convenhamos) do tipo “como seria se os Estados Unidos entrassem novamente em guerra civil?” do que como comentário social/temático. Até porque, sejamos francos, Garland é bastante hábil ao manejar a tensão para nos atirar no meio do caos, como se estivéssemos no centro daquelas zonas de guerra – e, se a fotografia de Rob Hardy impressiona ao retratar a escala dos conflitos e de seus rastros de destruição, criando imagens imponentes e aterradoras (como as tomadas aéreas que acompanham helicópteros de um ponto a outro de Washington em chamas enquanto linhas de projéteis são vistas ao fundo), o excepcional design de som explora os detalhes de cada ruído presente na ação, trazendo peso a cada bala que perfura um corpo e a cada tiro de tanque de guerra que destroça um prédio (aspectos estes que, claro, são fundamentais para fazer o espectador sentir-se no meio daquele confronto).

Como espetáculo de ação, Guerra Civil é uma obra tecnicamente irrepreensível e capaz de gerar um envolvimento emocional considerável. Como tese – que obviamente tenta ser – sobre a barbárie da guerra e a ética de quem empunha uma câmera diante desta, é um longa que reflete as velhas e costumeiras limitações de Alex Garland.

Obs.: há uma cena envolvendo um militar vivido por Jesse Plemons que representa o auge da tensão alcançada pelo filme e que é, desde já, um dos melhores momentos que o Cinema no geral concebeu em 2024.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

Mais para explorar

Guerra Civil | Crítica

Como espetáculo de ação, Guerra Civil é uma obra tecnicamente eficiente. Como tese – que obviamente tenta ser – sobre algum tema mais amplo, é um filme que reflete as velhas e costumeiras limitações de Alex Garland.

Duna: Parte 2 | Crítica

Uma obra cujos méritos são diversos, inquestionáveis e, sim, constituem um verdadeiro milagre – mesmo que nem sempre consiga envolver emocionalmente o espectador a ponto de fazê-lo se entusiasmar com tais proezas.

As Marvels | Crítica

Não é uma experiência tão torturante quanto algumas das últimas produções do MCU, mas, ainda assim, nunca deixa de ecoar o cansaço que acometeu a franquia e o desespero para manter-se relevante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *