Duna 2 (3)

Título Original

Dune: Part 2

Lançamento

29 de fevereiro de 2024

Direção

Denis Villeneuve

Roteiro

Denis Villeneuve e Jon Spaihts

Elenco

Timothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Javier Bardem, Josh Brolin, Austin Butler, Dave Bautista, Florence Pugh, Léa Seydoux, Babs Olusanmokun, Souheila Yacoub, Roger Yuan, Giusi Merli, Alison Halstead, Anya Taylor-Joy, Stellan Skarsgård, Charlotte Rampling e Christopher Walken

Duração

165 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Denis Villeneuve, Mary Parent, Cale Boyter, Patrick McCormick e Tanya Lapointe

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Paul Atreides se une a Chani e aos Fremen enquanto busca vingança contra os conspiradores que destruíram sua família. Enfrentando uma escolha entre o amor de sua vida e o destino do universo, ele deve evitar um futuro terrível que só ele pode prever.

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Duna: Parte 2 | Crítica

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Assim como seu antecessor, Duna: Parte 2 é uma obra tecnicamente irrepreensível. Dirigida pelo canadense Denis Villeneuve numa escala épica que faz mais do que jus à ambição do livro que a inspirou, esta adaptação (tanto a primeira parte quanto esta segunda) não poderia ser mais eficiente em traduzir a imaginação do texto original de Frank Herbert em conceitos que, visualmente, são tão inventivos quanto, encadeando-os, no entanto, em uma estrutura própria e coesa que faz os dois longas se resolverem de forma autônoma, como obras que funcionam por si só. Por outro lado, também como a Parte 1, esta continuação é um filme que, confesso, foi incapaz de envolver-me emocionalmente: sim, eu apreciava as proezas técnicas alcançadas por Villeneuve e sua equipe, mas… sempre de maneira distanciada, impassível. Foi o que me fez chegar ao fim da projeção com uma estranha e inesperada sensação de indiferença – e chega a ser irônico que uma narrativa que envolve desertos escaldantes e personagens sufocando de calor possa soar tão… fria.

Dito isso, é impossível não admirar o esforço e a imaginação visual do projeto ao trazer o universo de Frank Herbert para as telonas, sendo fascinante perceber como os diferentes lugares visitados pela trama apresentam-se radicalmente distintos um do outro e, com isso, refletindo as diferentes tradições, costumes e naturezas de cada povo – e, ao contrário de Caladan no primeiro filme (um planeta cinzento, propositalmente asséptico), Arrakis é basicamente uma interminável imensidão de areia que, em contrapartida, é curiosamente diversificada em suas topografias e instalações, agregando desertos amplos, regiões rochosas (cujas cavernas são adotadas como moradia pelos fremen), templos subterrâneos (cujos fachos de luz que entram por suas frestas os transformam em salões particularmente opressivos, sufocantes, como se tentassem alcançar o sol lá fora e recebessem no máximo alguns fachos pontuais) e cidades que se estabelecem quase como uma espécie de Egito Antigo… só que futurista. Mas o auge da direção de arte de Patrice Vermette é mesmo o planeta Gieidi Primo, que serve de lar dos Harkonnen (ou seja: dos vilões) e que se apresenta como um mundo em que as cores operam em negativo – e, uma vez que seu sol projeta escuridão em vez de claridade, toda a civilização que ali habita é envolta numa paleta sombria e macabra, ao passo que seus habitantes se convertem em figuras pálidas, sem cor.

Da mesma forma, se as naves pilotadas pelos vilões soam como evoluções de maquinários reais, mas combinadas à praticidade que sua criatividade lhe pode fornecer (suas asas, por exemplo, se assemelham às de uma borboleta, o que lhes permite voar melhor e mais rápido), os figurinos de Jacqueline West seguem a mesma lógica ao fundirem os roupões trajados por vários personagens (em especial, os fremen, com seus lenços, panos e turbantes) e peças de máscaras/armaduras que servem para otimizar suas ações e/ou garantir sua respiração/alimentação/sobrevivência – e é interessante como as tropas dos vilões se diferenciam pelas cores e designs de suas indumentárias (uns são brancos e trazem capas; outros são pretos e as linhas de seus uniformes parecem mais “retas”, com menos curvas). Além disso, é bacana notar a atenção dada a detalhes que, embora pequenos, ajudam a estabelecer ainda melhor o funcionamento daquele mundo – como, por exemplo, o fato de as roupas de alguns soldados serem preparadas para adaptar a gravidade dos espaços a seu favor, usando-a de modo tático ao sobrevoar lentamente (e rente ao chão) a crosta de Arrakis.

Enquanto isso, a fotografia de Greig Fraser (que, convenhamos, praticamente já ganhou a maioria dos prêmios de sua categoria que virão no próximo ano) atinge o seu ápice nas sequências que se passam em Gieidi Primo e que, explorando a ideia dos negativos gerados pelo sol do planeta, cria imagens que funcionam por serem plasticamente belíssimas e, ao mesmo tempo, evocarem totalmente a natureza sombria e ameaçadora daquele mundo, tornando estas passagens icônicas a partir do horror – e meu momento favorito neste sentido nem é a batalha no “coliseu” preto-e-branco (que já é espetacular), mas, sim, o diálogo entre a Princesa Irulan e o gladiador Feyd-Rautha num palácio escuro (e o véu da primeira é espesso a ponto de quase invisibilizar seu rosto) enquanto fogos de artifício pretos cobrem o céu ao fundo, todo branco (ou seja: o inverso do que costumamos ver). Já as cenas em Arrakis, por outro lado, sabem utilizar a temperatura do planeta a favor das prioridades dramáticas de cada cena: quando Paul Atreides e Chani caminham pelo deserto à noite, a frieza daquelas paisagens curiosamente ajuda a tornar aquela imagem reconfortante, afetiva, ao passo que os momentos sob a luz do dia, mesmo tomados por cores e paletas quentes, são retratados por Fraser de forma propositalmente incômoda, a fim de realçar o sufoco provocado por aquele calor.

Mas um dos aspectos centrais de Duna consiste nas alegorias sociais construídas a partir da elaboração daquele mundo fictício e dos arcos de seus personagens, que já eram ambiciosos no livro de Frank Herbert e que continuam a ser nesta adaptação de Villeneuve (que escreveu o roteiro ao lado de Jon Spaihts). Aqui, inclusive, vale a pena retomar algo que escrevi em meu texto sobre a Parte 1: “embora funcione dentro de uma lógica que se assemelha a um ‘parque de diversões’, o universo de Duna soa também triste e intimidador por frequentemente nos remeter àquilo que de pior podemos oferecer como espécie: a destruição total dos recursos naturais motivada pelo poder e pela ganância”. Ao escrever sobre esta Parte 2, porém, me vejo obrigado a dar ênfase a um outro elemento: o fundamentalismo religioso, que é ilustrado de maneira perfeita na revelação de que – alerta de spoilers; pule para o próximo parágrafo se quiser evitá-los! – a “jornada” de Paul, que imaginávamos ser a do Herói, é, na verdade, a de um… anti-herói (e estou sendo muito lisonjeiro ao não descrevê-lo como vilão). Isso fica claro, em particular, pelos discursos beligerantes e egocêntricos que o protagonista passa a fazer no terceiro ato e que trazem Timothée Chalamet numa performance que, de tão explosiva, autoconfiante e intimidadora, parece mais um líder de ceita raivoso do que o menino introspectivo e sereno que víramos até então. Já Chani e Stilgar são as duas peças que complementam este tripé: a primeira por ser vivida por Zendaya como uma mulher dividida entre o apego que estabeleceu por Paul e a total convicção de que sua postura é fruto de uma mentira regada a ódio e proselitismo; o segundo por se entregar totalmente a esta mesma mentira sem questioná-la racionalmente por um segundo sequer.

Até aqui, tudo parece perfeito – e, como podem ver, minha admiração por Duna: Parte 2 existe e é considerável, sendo sustentada por vários aspectos que enxergo como méritos genuínos.

Qual o problema, então?

O problema, para mim, é que Denis Villeneuve é um tecnocrata. Sim, ele é um cineasta talentoso e indiscutivelmente virtuoso – não é à toa que admiro todos os seus trabalhos anteriores e escrevi textos elogiando efusivamente pelo menos três deles (Sicario, Blade Runner 2049 e, claro, meu favorito absoluto de sua filmografia: A Chegada). Ao mesmo tempo, é também um diretor que me parece tão obcecado em se provar tecnicamente proficiente, em mostrar como cada detalhe de suas obras é calculado para alcançar o resultado mais perfeitinho possível, que acaba se esquecendo de dedicar a mesma atenção aos aspectos emocionais/humanos com que lida. Não há espaço para se requebrar, para sujar as mãos em prol de um envolvimento maior entre o público e o filme; tudo tem que estar milimetricamente pensado para soar incorrigível, lustroso – mesmo que nenhuma daquelas imagens terminem estéreis, sem peso, como um bolo de casamento belíssimo, mas… sem gosto, com um recheio insosso. É o que explica o fato de eu ter saído da sala de projeção sem sentir muita coisa com relação ao que acabara de ver – algo que eu até entenderia (e aplaudiria) caso a intenção de Villeneuve realmente fosse a de gerar frieza e apatia (afinal, como já comentei ao escrever sobre o recente Zona de Interesse, muitas vezes a monotonia, a indiferença e o distanciamento emocional funcionam por serem propositais e, mais que isso, fundamentais para certas obras).

Mas… não, não é o caso. Há vários momentos em que fica claro que Villeneuve buscava, sim, um envolvimento emocional maior e uma resposta mais visceral por parte do público, mas tropeça por soar mecânico demais – e isso me saltou aos olhos, em especial, na sequência que traz Paul e Chani sentados sob o pôr-do-sol enquanto começam a se interessar romanticamente: em teoria, deveria ser uma passagem dotada de uma energia meiga e afetuosa; na prática, contudo, se revela apenas… fria, insípida, como se pré-programada para parecer “fofa” sem conseguir sê-lo. (E, sim, eu sei que isso é uma percepção totalmente particular minha em função da minha experiência subjetiva com aquela obra; é claro que entendo que outras pessoas tenham sido tocadas por aquela mesma cena.) Mas o mais grave – e sintomático – é perceber que, por mais que Villeneuve tente criar uma atmosfera de urgência a partir da iminência de uma guerra santa, em momento algum eu senti que de fato houvesse algo em jogo ali, que uma civilização inteira corria perigo – afinal, em vez de construir tensão a partir de ações/coisas que vemos, o máximo que o filme faz neste sentido é… trazer os personagens dizendo que uma “grande batalha por Arrakis” vem por aí (aliás, os diálogos expositivos já eram um problema na Parte 1 e prosseguem nesta continuação). Do mesmo modo, as tentativas de humor de Stilgar nunca funcionam muito bem, soando como meras imposições contratuais, do tipo “precisamos de algumas piadinhas para que o público não ache nosso filme blasé demais”.

Prejudicado ainda por um ritmo que oscila desajeitadamente entre os diferentes núcleos da narrativa, mantendo-se concentrado em um deles por tanto tempo que quase acabamos nos esquecendo de que há algo ocorrendo do outro lado (e, quando finalmente resolve cortar para este outro núcleo, o faz justo no momento em que o primeiro – que vínhamos acompanhando – começava a engrenar), Duna: Parte 2 é pontuado por sequências de ação confusas e que conseguem complicar até mesmo manobras/golpes/reações relativamente simples, registrando-as através de um excesso de cortes e falhando em estabelecer com clareza a continuidade que leva uma à outra (embora eu deva dizer que admiro o autocontrole de Villeneuve ao preservar a escala reduzida daquelas batalhas, preferindo focar em conflitos menores mesmo quando batalhas grandiosas ocorrem paralelamente). Para falar a verdade, um dos poucos instantes em que o diretor consegue alcançar a reação emocional que pretendia é a longa sequência em que Paul monta sozinho num verme de areia colossal, que retrata cautelosamente a dimensão da criatura e constrói toda uma sensação de choque e maravilhamento (sim, nesta ordem específica) justamente por explorar tantos detalhes do corpo do tal bicho, acentuando, com isso, a façanha do protagonista ao conseguir domá-lo.

Assim, Duna: Parte 2 é uma obra cujos méritos são diversos, inquestionáveis e, como desejei no fim do meu texto sobre o filme passado, constituem um verdadeiro milagre se levarmos em conta que o mundo criado por Frank Herbert por décadas foi taxado de “inadaptável”. Só acho uma pena que eu nunca consiga me envolver com esta adaptação de Denis Villeneuve o suficiente para elogiar suas várias virtudes – que reconheço, é claro – de maneira entusiasmada, contagiada. Tomara que, na próxima visita do diretor ao universo de Paul Atreides e cia., seja a minha vez de ser finalmente conquistado por suas proezas.

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Uma obra cujos méritos são diversos, inquestionáveis e, sim, constituem um verdadeiro milagre – mesmo que nem sempre consiga envolver emocionalmente o espectador a ponto de fazê-lo se entusiasmar com tais proezas.

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